Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Bissexuais no Cinema

Você se lembra, assim de cabeça, de personagens bissexuais do cinema? Não são muitos, não o tanto quanto deveriam e mereciam ser minimamente melhor representados, pelo menos…

Por GABRIELA FRANCO

A história se repete sempre e sempre quando o assunto é REPRESENTATIVIDADE de outros gêneros fora do padrãozinho heteronormativo, não só no cinema, mas na cultura pop como um todo. Isso é fato e que bom que temos espaço para discutir e lutar para mudar isso nos dias de hoje. Mas é notório que a bissexualidade, dentre todas as orientações sexuais, seja a menos discutida e problematizada, dando a impressão de que é adotada por conveniência, inventada e até mesmo inexistente. Por incrível que pareça, essa resistência e preconceito vêm tanto da sociedade quanto da própria comunidade LGBTQIA+, que acusa bissexuais homens de negarem sua verdadeira natureza homossexual e as mulheres de usarem a orientação apenas para se aventurar e experimentar.

Mas, mais do que a falta de representatividade legítima, a visibilidade é manchada pela forma ambígua como muitas vezes personagens bissexuais são representados, o que acaba suscitando a velha dúvida em torno da orientação sexual versus comportamento: “Mas ela não é lésbica”, “Mas esse filme é sobre gays!”, “Mas isso não é ser bi, é ser fluido”! E por aí vai.

Isso acontece porque talvez a explicação clássica para bissexualidade, que é ” aquele que sente atração por ambos os sexos”,  não seja a mais exata e talvez muitos bissexuais não se enxerguem nela. Uma pessoa bissexual pode ser não-binária, ou seja, não se identificar com os gêneros masculino e feminino, pode ser intersex, entre outros. Tentar catalogar pessoas e suas expressões de sexualidade só causa mais rupturas e segregações. Ser bissexual pode significar sentir atração por mais de um gênero, fora os binários e no final das contas pode apenas querer dizer “Somos humanos, vamos nos relacionar”. ONE OF US, GOBBLE GOBBLE.

O site The Bissexual Index fez até um checklist que te ajuda a confirmar essa teoria. “Pensando sobre as pessoas que você sentiu atração, até agora na sua vida, todas elas eram do mesmo gênero?”. Se a resposta for “não”, você pode ser bissexual. ¯_(ツ)_/¯

Isto posto, vamos à nossa lista, não deixando de mencionar que filmes europeus ganham disparado em representatividade bi no cinema, principalmente clássicos do cinema francês e italiano como Les Biches, de Claude Chabrol, o incrível Canções de Amor de Christopher Honoré , Teorema de Pasolini e Gauzon Maudit de Josiane Balasko, entre outros. Nem tanto ao cult nem tanto blockbuster.  Quisemos sair da lista dos mais famosos porque esses vocês já estão cansados de ver por aí, e citamos tanto clássicos quanto filmes recentes. Mas sim, outros tantos ficaram de fora. E essa é a vida. Vamos lá!

CABARET (1972)

Um clássico do gênero musical dirigido pelo deus do Broadway-jazz Bob Fosse, baseado na peça de John Van Druten. Na Alemanha, durante a ascensão do nazismo, a cantora e dançarina americana Sally Bowles (Liza Minelli) se apaixona por Brian Roberts (Michael York), um escritor bissexual. Ambos se envolvem com Maximillian von Heune (Helmut Griem), um nobre alemão. Ela trabalha no Kit Kat Klub, de Berlim, sob tensão constante das ameaças dos nazistas do início dos anos 1930. Não se fala apenas de bissexualidade em Cabaret, mas sim, de um triângulo poliamorista interessantíssimo, de liberdade, descobertas e autoconhecimento. Além de sexualidade, o tema aborto também é discutido, e Fosse o faz sem demagogia. Um musical profundo, que retrata vidas profundas e sem rumo em uma das épocas mais obscuras de nossa história.

ROCKY HORROR PICTURE SHOW (1975)

O musical clássico mostra o carismático personagem Dr. Frank-N-Furter (interpretado pelo maravilhoso Tim Curry) e os demais personagens como Magenta, Riff Raff, Brad Majors, Janet Weiss, Columbia e Eddie, todos como claramente interessados em mais de um gênero (não necessariamente binários) durante a trama. Fora que todos são do incrível planeta Transexual na galáxia Transilvânia. Portanto, RHPS não só trata de visibilidade bi, mas gay, trans e queer porque ele é praticamente um manifesto sobre a aceitação do diferente. E nós somos fãs dele, claro.

FOME DE VIVER (1983)

Filme de estreia de Tony Scott (irmão de Ridley, aquele que suicidou-se em 2012) que alçou status de cult pelo roteiro obscuro, fotografia, trilha sonora (em especial pela canção-tema Bela Lugosi’s Dead da banda gótica Bauhaus) e pelas presenças estelares de Catherine Deneuve, David Bowie e Susan Sarandon. Mirian Blaylock (Deneuve) é uma bela vampira com séculos de idade (apesar de ainda manter a aparência jovial). Ela e seu amante, John (Bowie), um talentoso cellista do século XVII e também vampiro, vivem na Nova Iork dos anos 80 se alimentando do sangue de incautos frequentadores do submundo da cidade. John, no entanto, foi transformado por Miriam – e vampiros transformados entram em decrepitude mais rápido do que vampiros natos. Ele então procura a especialista em envelhecimento precoce, Dra. Sarah Roberts (Susan Sarandon), que acaba sendo seduzida por Mirian e substituindo John na vida da vampira. Um belo e trágico romance neogótico. Como não amar?

LIGAÇÕES PERIGOSAS (1988)

Uma das (e talvez a mais famosa) adaptações cinematográficas do romance epistolar de Pierre Chorlelos de Laclos, com Michelle Pfeiffer, Glen Close, John Malkovich e Keanu Reeves (as outras foram de Roger Vadim, Milos Forman e uma versão adolescente de Roger Crumble, batizada de Segundas Intenções). Até minissérie da Globo o livro já ganhou! A história vocês já sabem: a Marquesa de Merteuil (Close) pede que o amigo, o Visconde de Valmont (Malkovich) seduza a filha de sua prima Madame de Volanges. Seu objetivo é vingar-se de um antigo amante, ao qual a jovem Cecile (Pfeiffer) fora prometida em casamento. A obra e suas adaptações têm O SÉRIO PROBLEMA da romantização do estupro, mas também mostra Cecile tendo suas primeiras experiências sexuais com outras garotas, o que mostra o quão natural era isso na França do Séc XVII.

PROCURA-SE AMY (1997)

Talvez uma das poucas obras pregressas do cineasta independente que não envelheceu mal em meio a muitas piadas sobre flatulência e referências obscuras da cultura pop. Na trama, a quadrinista indie Alyssa (Joey Lauren Adams) vivia uma vida tranquila se envolvendo com outras mulheres, até que uma dupla de quadrinistas badalados de super-heróis, Holden (Ben Affleck) e Banky (Jason Lee), cruzam o seu caminho. Alyssa e Holden se tornam amigos, se apaixonam e ela acaba encarando a rejeição do grupo de amigas lésbicas – e os ciúmes de sua nova paixão quando ele descobre que ela também se envolveu com outros homens no passado. O final é uma porrada, daquelas que arrasam corações.

OS EXCÊNTRICOS TENENBAUMS (2001)

A Grande Família versão hipster. Todo mundo já sabe a história : agruras familiares de hipsters desajustados, coisa que o diretor Wes Anderson adora. Só lembrando um fato: além de Margot (personagem de Gwyneth Paltrow) ter se casado com um neurologista e nutrir uma paixão por seu suposto irmão adotivo, ela tinha uma namorada em Paris. <3

OS SONHADORES (2003)

Aqui o cineasta Bernardo Bertolucci conta uma história de amor misturada à política de um jovem estudante americano (Michael Pitt) em Paris que se envolve com dois irmãos, Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel), com quem passa a morar junto na ausência dos pais dos dois.

A construção deste triângulo amoroso envolve, além da experimentação da sexualidade, o gosto pelo cinema e o cenário político da 1968. Aliás, o momento político que se anuncia é a indicação de que o breve período que eles desfrutam de uma liberdade sem censuras não será definitivo, apesar de ter marcado suas vidas. Particularmente é um dos meus filmes preferidos em se tratando de representatividade bi.

AZUL É A COR MAIS QUENTE (2013)

O filme, que aliás é baseado em um quadrinho homônimo, tem vários problemas e acabou desagradando lésbicas, bissexuais e mulheres hétero no geral. Primeiro, gerou um desconforto em mulheres que acusaram-no de machista por fetichizar uma relação entre duas mulheres, sendo elas bonitas, magras, brancas e desejáveis. Desagradou lésbicas porque Emma, a personagem de Lea Seydoux, dá um SHOW de bifobia ao chamar a personagem principal, Adèle, que a havia traído com um homem, de “puta” pra baixo. Por fim, desagradou bissexuais pela utilização do estereótipo da bi “promíscua e infiel” já que Adèle tem ciúmes de Emma e vai procurar “consolo” saindo com um cara. Mas por que citamos esse filme? Porque a personagem de Adèle é claramente bissexual – portanto, não é um filme sobre lésbicas. Ela apenas se apaixona por Emma. E é isso.

CAROL (2015)

Therese Belivet (Rooney Mara) é uma jovem pacata e sem perspectiva de vida que trabalha em uma loja de departamento até que se depara com a estonteante Carol (Cate Blanchet, simplesmente) em um relacionamento que tem consequências seríssimas. “Mas não é um filme sobre lésbicas?”. Neste caso, mais uma vez, não. Tanto Carol quanto Therese estavam envolvidas com outros homens quando se conheceram.

ATÔMICA (2017)

Nossa espiã bad ass Lorraine Broughton  é uma ótima expressão para personagem bissexual. No filme, ela conta sobre ter sido namorada de um agente e também acaba se envolvendo com uma garota, que adivinhem, olha só que surpresa: é morta. Porque pessoas não heteronormativas precisam morrer, sempre.

ME CHAME PELO SEU NOME (2017)

A poesia em forma de filme de Luca Guadagnino traz, ao contrário da maioria das histórias do tipo representadas no cinema, uma visão idílica e poética do desejo humano. É praticamente uma ode ao desejo. No verão de 1983, Oliver (Armie Hammer), um americano, foi passar o verão na vila italiana da família de Elio (Timothée Chalamet). O um garoto de 17 anos ainda está descobrindo a vida e se encanta pela figura segura e charmosa de Oliver, que por sua vez embriaga-se das belezas naturais do local e do frescor da juventude e avidez de descobertas de Elio. Um ponto muito positivo do filme é que ele não se preocupa em definir a orientação sexual dos personagens, já que ambos também se envolvem com outros gêneros durante a trama. Esse filme é um presente… para os olhos e para o coração.

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Existem muitos filmes que tratam de identidade de gênero, e muitos ficaram de fora dessa lista. Mas isso só mostra o quanto o assunto está presente em nossa sociedade e reflete em sua produção cultural há muito tempo. Mesmo assim, ainda há resistência, ainda há preconceito, ainda há perseguição e ainda há necessidade de  mostrarmos mais e mais que LGBTQIA+ e principalmente BISSEXUAIS, não são invisíveis nesse mundo.

Para não dizer que não falamos de um dos grandes símbolos de virilidade no cinema, vamos tocar no ponto da possível bissexualidade de James Bond, personagem de  Ian Fleming e uma das franquias mais famosas do cinema.

Em 2012, por ocasião do lançamento 007 – Operação Skyfall, o ator Daniel Craig precisou responder a uma série de perguntas relacionadas à sexualidade do personagem. A polêmica foi provocada por uma cena em que o vilão do filme (Javier Bardem) acaricia o rosto, peito e pernas de Bond (Daniel Craig) enquanto o mesmo se encontra amarrado. O momento atinge o ápice quando Bond o provoca dizendo “O que te faz pensar que esta é a minha primeira vez?”.

Tanto Craig quanto Bardem não assumiram nem negaram a orientação sexual de nenhum dos personagens, dizendo que tudo fazia parte de um jogo de provocações entre mocinho e bandido e que o sexo e sexualidade têm um grande papel nesse jogo.

O fandom de James Bond (leia-se: homens cis, hétero, brancos, em sua grande maioria) parece não ter gostado nada da sugestão e até hoje sapateia e tem convulsões à simples MENÇÃO de um James Bond NEGRO ou MULHER, o que dirá então bissexual.  Pois a gente acha que o mundo de hoje precisa justamente de um James Bond MULHER, NEGRA E BI.

Vai ter diversidade sim. Ninguém volta para o armário.

“Uma mente que expande jamais volta ao tamanho original” (Albert Einstein)