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Mais de duas décadas de Riot Grrl!

Um combo explosivo que surge quando você junta música, política e feminismo!

Por GABRIELA FRANCO

(publicado originalmente no MINASNERDS.com.br)

Um dos filmes originais mais recentes do Netflix, Moxie!, é dirigido pela comediante Amy Poehler – que também está no elenco, justamente interpretando uma mãe de passado absolutamente contestador e feminista. Na trama, sua filhota adolescente se inspira nas músicas que a mãe ouve e nos fanzines que produzia para iniciar uma verdadeira revolução num ambiente escolar totalmente machista e repressor, ao qual ela e as amigas simplesmente baixavam a cabeça.

Na trilha sonora e nas camisetas da mãe, claro, como era de se esperar, só davam mesmo as bandas do chamado Riot Grrrl! Aliás, é a partir de Rebel Girl, do Bikini Kill, que surge o misterioso fanzine panfletário e explosivo que dá nome ao filme.

O Riot Grrrl! foi um movimento artístico, predominantemente musical e por consequência social, muito significativo e importante surgidos no começo dos anos 1990, que deu voz a muitas mulheres e fez com que o feminismo ganhasse força e chegasse em territórios considerados bem masculinos e misóginos – como bem sabemos que são os palcos do rock’n roll, no caso, sua vertente, o punk – marcando seu espaço de direito.

Riot Grrl!, uma brincadeira com a palavra “riot” – “revolta/motim” e Grrl = girl, garota, mas também a onomatopéia para grunhido, rosnado, na verdade era o nome do fanzine feminista (aquela revista artesanal feita por fãs, geralmente focada em um assunto por edição) da vocalista da banda punk Bratmobile, Allisson Wolfe.

Nele, a vocalista arregaçava o verbo e tocava em pontos nevrálgicos do mundo do rock, detonando alguns dogmas machistas como :“mulheres NÃO SABEM tocar tão bem quanto homens”, “A agressividade e sexualidade do rock advém da testosterona masculina, o rock é essencialmente masculino”, “mulheres não conseguem ser agressivas em suas músicas”, “shows ao vivo com mulheres só valem se elas forem lindas e estiverem seminuas” e daí pra baixo.

Obviamente, assim como acontece com qualquer nicho em que homens são maioria e ditam as regras (leia-se: mijam nos cantos para marcar território),  meninas talentosíssimas sentiam-se acuadas e desencorajadas a tomar à frente de uma banda e tocar um instrumento. E nem era o caso de serem talentosas ou não, era o caso de terem e exercerem o simples direito de se expressarem. Afinal, o punk rock nunca foi berço de virtuoses da música e uma das ideias do Riot era justamente abraçar toda e qualquer mulher que quisesse fazer parte dele. “Não importa se você toca bem ou não, importa se você tem algo a dizer” – era uma de suas premissas.

Punk rock não é só pro seu namorado”, já diria o Bulimia!

Com o surgimento de bandas como o próprio Bratmobile, e outras igualmente importantes como Bikini Kill, Tribe 8, Babes In Toyland e 7 Year Bitch, as mulheres foram se sentindo representadas no meio. A ideia era justamente a desconstrução e o combate do estereótipo da mulher no rock: elas faziam questão de não serem sexys, fofinhas, esteticamente agradáveis ou dentro dos padrões da indústria musical e da mídia .

Suas músicas, idem: não eram nada melodiosas, eram protestos puros e simples. Eram sarcásticas, ácidas, às vezes bem-humoradas, às vezes pesadíssimas e tocavam em assuntos como menstruação, métodos contraceptivos, aborto, homens escrotos, depressão, suicídio, silenciamento e opressão da mulher na política, nas artes e na sociedade de um modo geral. E assim, o padrãozinho “mulher só faz música fofa e romântica” caiu por terra, para sempre. Era punk rock feito por mulheres.

As grandes musas do movimento foram Patti Smith, Debbie Harry, Joan Jett, Suzi Quatro, aquelas incríveis precursoras das mulheres no rock. Mas as meninas do Riot deixaram sua marca, totalmente genuína e nova na história do gênero. Não havia claramente uma líder, afinal essa era uma marca do patriarcado  ambém era combatida por elas, mas, a supracitada Alisson Wolfe e, principalmente, a ex-stripper Kathleen Hanna, vocalista do Bikini Kill, foram suas grandes porta-vozes.

Os shows do BK eram especialmente “difíceis” para garotos assistirem. E elas faziam isso de propósito, óbvio. O Bikini Kill costumava “mandar”, ao vivo, os rapazes para as filas mais distantes do palco, deixando as garotas nos melhores lugares e faziam questão de  entregar panfletos com as letras das músicas para que todos pudessem acompanhar seu conteúdo, que era extremamente contestador e empoderador.

Kathleen costumava fazer os shows com os braços, abdômen ou costas rabiscados com palavras como RAPE (“estupro”) ou SLUT (“vagabunda”), como uma forma de protesto à violência sexual e aos comentários “machistas” que rotulavam as mulheres que gostavam de rock ou as mais “liberais”.

Outra grande personalidade no movimento foi Courtney Love e sua banda Hole, APESAR de ela mesma, por contas de rixas pessoais com Hanna, ter renegado o movimento feminista e dito que não queria que sua banda fosse associada ao Riot Grrrl, não dá pra negar que a maioria das músicas do Hole são inegavelmente feministas.

O Hole tinha bastante sucesso no underground dos EUA, especialmente no berço do Riot Grrl, a cidade de Olympia, em Washington. Foi através desse sucesso que Kurt Cobain, que adorava garimpar bandas e sonoridades novas, acabou conhecendo Courtney e o resto da história você já conhece (inclusive aquela parte em que Courtney é CULPADA pela morte de Kurt, e enfim, NÃO FOI, apesar dos machistas SEMPRE colocarem a culpa na mulher, mas isso é assunto para outra matéria).

Riot Grrl hoje e sempre

Enfim, o Riot Grrl foi um movimento significativo que chamou a atenção do público e da mídia para a marginalização da mulher nos meios artísticos, em especial o do rock’n roll, mas foi multifacetado, abrangendo teatro, mostras fotográficas, encontros, festivais, fanzines. Deu voz, lugar e expressão a milhões de mulheres que se sentiam incapazes, menores e inaptas a ingressarem na música e podemos ouvir ecos de sua sonoridade em muitas bandas femininas hoje.

Segundo o jornal inglês The Guardian, mesmo após mais de duas décadas, ele continua relevante para meninas que buscam sua própria independência musical através do rock.

No Brasil, o principal nome do Riot Grrl foi a banda Dominatrix, apesar de bandas punks feministas como as Mercenárias já existirem desde o final dos anos 70 e outras de vocal feminino como o Bulimia também abrilhantarem a cena.  

A Dominatrix ainda está na ativa fazendo shows e realizando verdadeiros debates sobre as diversas causas femininas e o direito das minorias e grupos marginalizados. Porém, existem muitas outras as quais infelizmente não temos acesso porque não saem na mídia e fazem parte de festivais específicos da cena. Se você quiser prestigiar bandas de minas, conhecer, compartilhar dar voz a elas, clica aqui no Arquivo Riot Grrl Brasil e FAÇA A SUA PARTE, dando uma força para as bandas das manas e mostrando que lugar de mulher é onde ela quiser SIM, inclusive em cima de um palco gritando contra o machismo.

E aqui,  listinha Riot Grrl no Spotifái!

No rest for the wicked and riot girls! GO!