Spectreman, o saudoso guerreiro de papelão e espuma
OU: como a fina arte de enfrentar macacos loiros que falam fazendo mímica (ou quase isso…) completou exatos 50 anos de idade no último sábado, dia 2 de janeiro
Por THIAGO CARDIM
“Planeta: Terra. Cidade: Tóquio. Como em todas as metrópoles deste planeta, Tóquio se acha hoje em desvantagem em sua luta contra o maior inimigo do homem: a poluição. E apesar dos esforços das autoridades de todo o mundo, pode chegar um dia em que a terra, o ar e as águas venham a se tornar letais para toda e qualquer forma de vida. Quem poderá intervir? Spectreman!”. Era com este texto, cheio de pompa e circunstância, que o narrador anunciava o início das aventuras de um meus primeiros heróis de verdade – atração que levava a audiência do programa do Bozo, no SBT, às alturas.
A versão exibida no Brasil, tanto na antiga TVS quanto na Record, foi a americana, com alterações na abertura e no encerramento e ainda algumas edições ao longo dos episódios. E, da mesma forma que acontece com o Chaves, a lembrança emocional não me permite ver a versão japonesa – pela música de abertura que tenho decorada até hoje e, claro, pela brilhante dublagem, que foi instrumental para o seu sucesso, adaptando algumas situações e dando até um aspecto mais cômico (não que fosse preciso, mas enfim…) ao vilão Dr.Gori, com bordões que fariam o Professor Raimundo se orgulhar.
Não por acaso, aliás, grande parte do elenco de dublagem foi parar – um ano depois da estreia na casa do Senor Abravanel – justamente nas vozes de Chaves e cia. E o resto é história.
Já dizia o poeta que “Relembrar é viver”. No caso do herói ancestral a quem dedicamos esta matéria, o ditado poderia ser “Desenterrar é viver”. Das profundezas do mundo televisivo, muito antes da explosão dos Power Rangers e seus predecessores, os Jaspion, Changeman e Flashman da vida, os populares tokusatsu, ele surgiu para defender a Terra das forças do mal. Uma espécie de primo improvisado dos Ultra. Numa Tóquio de papelão, combatendo monstros de espuma e símios de cabelo descolorido, ele era… Spectreman.
Spectreman é uma produção japonesa exibida inicialmente de 2 de janeiro de 1971 a 25 de março de 1972. Batizada originalmente de Supekutoruman – ou, pelo menos, é assim que os japoneses falavam – a série teve 63 episódios até ser finalmente cancelada, para desespero dos fãs. Na verdade, o seriado é daquelas coisas que, de tão ruins, acabaram se tornando cultuadas e veneradas. Os efeitos especiais eram terríveis (quem se lembrar das rajadas de energia do Spectreman vai saber do que estou falando), os figurinos pavorosos, os cenários todos descaradamente de pura cartolina e os monstros lembravam claramente fantasias baratas de animadores de festa infantil.
No entanto, foi uma das coisas mais divertidas que a televisão japonesa já produziu (ao lado do Ultraseven e do seriado original do Godzilla). E, ao lado do National Kid e dos Ultra, foi responsável por deixar as portas abertas, escancaradas quase, para que a Manchete então dedicasse parte de suas atividades nos anos 1990 a toda uma miríade de seriados nipônicos com guerreiros multicoloridos, seus robôs e um monte de monstros gigantes de espuma.
No Brasil, a série foi exibida entre os anos de 1981 a 1982 pela Rede Record e de 1983 até 1990 na TVS (atual SBT).
O que era isso, hein?
A história, criação de Souji Ushio (pseudônimo de Tomio Sagisu), começa quando o brilhante cientista Doutor Gori, um macaco loiro com QI de mais de 300, falha ao tentar conquistar seu planeta natal, Épsilon, localizado na Constelação de Sagitário. Fugindo das autoridades locais, ele acaba voando pelo espaço sem rumo, ao lado de seu fiel escudeiro, o enorme gorila Karas (que, como todo bom ajudante de supervilão que se preze, é forte pra diabo e burro como um poste). Finalmente, sua nave dá de cara com a Terra, que acaba fascinando Gori por suas belezas naturais. Mas ao dar de cara com a poluição e degradação dos recursos naturais que os próprios terráqueos causam ao planeta, Gori não pensa duas vezes, e resolve acabar com todos os humanos e varrer a superfície da Terra para construir um novo Jardim do Éden. Para isso, começa a se valer de furiosos monstros manipulados geneticamente a partir da própria poluição.
O macaco genial não contava, no entanto, com a intervenção dos misteriosos habitantes do planeta artificial Nebula 71 (sim, aquelas abóbadas nos céus conversando com Spectreman não eram espaçonaves, e sim um planeta). Embora frios e calculistas, sua missão é proteger o universo de intervenções malignas como as de Gori. Para proteger a Terra, é destacado um agente muito especial: o poderoso cyborg Spectreman, que recebe suas energias diretamente de Nebula 71.
Seus poderes são suficientes para arrasar com a horda dos símios conquistadores: além da superforça e supervelocidade, Spectreman pode voar, assumir o tamanho que bem entender (dependendo da criatura que estiver combatendo) e ainda disparar raios congelantes, shurikens (aquelas estrelinhas ninja, saca?) e o temível Spectreflash, uma rajada espectral (não me pergunte o que é exatamente isto) que detona todo e qualquer monstro que vir pela frente. Por sinal, foi exatamente por causa deste raio que a imprensa da Terra acabou batizando-o de “Spectreman”.
Para evitar que seja facilmente descoberto pelos terrestres ou pelos homens (ou macacos) do Dr.Gori, Spectreman assumiu uma forma humana como disfarce. Chamado de Kenji (na versão japonesa, Joji, vivido pelo ator Tetsuo Narikawa, experiente lutador de caratê), ele vive em Tóquio (onde mais?), trabalhando como um dos especialistas do Bureau para Pesquisas sobre Poluição. Para se transformar no nosso grande salvador, bastava apenas que Kenji erguesse seu braço direito, requerendo a Nebula que pudesse assumir a forma de Spectreman.
Mas…
Nem tudo eram rosas na vida do bonitão Kenji. Originalmente um cyborg, ele vai pouco a pouco se tornando mais humano, se acostumando aos sentimentos dos humanos e se afeiçoando à vida na Terra e aos seus habitantes. Quem não fica nada contente com esta história são seus chefões lá em Nebula, as criaturas mais racionais de todo o universo (e que não hesitariam em sacrificar um pelo bem de um milhão). O resultado é que, no decorrer dos episódios, Spectreman desobedece aos patrões uma porrada de vezes para salvar seus grandes amigos, criando uma série de conflitos.
A coisa chegou num ponto que, determinada ocasião, o imbatível guerreiro estava à beira da morte exatamente por ter desobedecido às ordens de Nebula, e os caras chegaram a pensar na hipótese de deixá-lo ir desta para uma melhor e trazer outro agente para substituí-lo. Uma declaração emocionada de amor à Terra ajudou a trazer o Spectreman de volta à ativa para dar um pau em Gori e sua patota.
Por sinal, a dupla de vilões Doutor Gori e Karas é uma das mais divertidas criações do mundo da ficção. Eles são muito engraçados: a burrice de Karas é a principal desgraça para os planos mirabolantes de Gori, um macaco de cabelos loiros que tem a estranha mania de falar acompanhado de estranhos sinais com as mãos. É triste lembrar que Karas acabou sendo morto pelos raios de Spectreman no último episódio do seriado. Uma perda lastimável…
Aqui no Brasil…
A parada fez tanto sucesso que, entre os anos de 1983 e 1986, a Editora Bloch tratou de lançar a sua própria versão das aventuras do herói cibernético em defesa da natureza terrestre. De acordo com o Guia de Quadrinhos, na versão da editora carioca, a identidade secreta humana do personagem, Kenji, foi rebatizada de “Kenzo”. Além disso, as cores do personagem eram totalmente diferentes, de roupa azul e máscara prateada. Mas, ainda assim, estamos falando de histórias inéditas e não meras adaptações das sagas televisivas.
Entre os autores desta versão nacional, obviamente não-oficial, estavam nomes como Eduardo Vetillo (do recente Motim a Bordo, da Sesi Editora), Carlos Araújo e Ofeliano de Almeida (de Leão Negro, atualmente trabalhando como artista de storyboard para filmes e novelas nacionais), tudo sob a supervisão editorial de Edmundo Rodrigues (saudoso quadrinista paraense que chegou a editar também os gibis da Marvel na época).
Há cerca de dois anos, o jornalista e publicitário Alexandro Lima chegou inclusive a criar um projeto no Catarse, nos moldes da recém-lançada edição especial do Jaspion pela JBC, no qual faria uma revista em quadrinhos continuando as aventuras do Spectreman depois do fim cronológico oficial da série. Mas, apesar de ainda manter os planos de publicar a dita cuja em formato impresso, ele nunca chegou a concretizar a entrega – talvez com receio das questões de direitos autorais. Afinal, depois do fim da produtora responsável pela série, a P Productions, lá nos anos 1980, os direitos foram pra poderosa Tsuburaya, aquela mesma que é responsável pelo Ultraman, Ultraseven e demais Ultras…
Mas, como um dos colaboradores do site de cultura pop nipônica Senpuu, Alexandro chegou a começar a postar a obra gratuitamente por lá, a partir da metade do ano passado – dá uma olhada aqui pra sacar qual é a ideia.
Tá bom, me convenceu, quero ver!
Olha só, a gente sabe que você é inteligente e, portanto, vai tranquilamente encontrar um jeito de ver a série. Todavia, contudo, no entanto, se você está procurando um meio OFICIAL de ver a dita cuja, ainda mais com a dublagem clássica, bom, aí talvez vá complicar um pouco.
Lá pelos idos de 2011, a desconhecida Masterpiece HD (um selo criado pela carioca Acesso Distribuidora) anunciou que ia lançar Ultraman, Ultraseven, O Regresso de Ultraman (Ultraman Jack) e Spectreman em DVD e Blu-ray no Brasil. Muita gente estranhou porque, como assim, material em alta definição destas séries sendo que nem no Japão a parada existia neste formato? Rolava até uma boataria de que a série completa viria no formato em que foi lançada pela primeira vez no Japão, uma caixa com 10 discos no formato da máscara do personagem, com uma porrada de extras.
Tretas de licenciamento impediram o diacho do lançamento mas, anos depois, enquanto os japoneses foram agraciados com um lançamento luxuoso, belos 11 discos com a série completa e ainda os longas inéditos por aqui, Uchuu Enjin Gori Tai Spectreman e Spectreman Dai Gekisen! Nanadai Kaiju, por aqui a World Classics lançou apenas em DVD dois boxes compreendendo a íntegra da série. A qualidade não é das melhores (há quem diga até que os episódios foram “resgatados” de fitas VHS ou da internet mesmo), mas pelo menos a dublagem clássica está lá. Pelo menos o lançamento veio com os chamados “episódios perdidos”, a dobradinha 25 e 26, o duplo Uma Arma para Spectreman, e o 27, A Arena dos Monstros – ainda que estes sem áudio em português, apenas legendados.
Já é alguma coisa, pra quem quer se aventurar… ¯\_(ツ)_/¯
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Alessio Esteves
Tô vendo Changeman e o dublador do Bubba é o SENHOR BARRIGA!
franco
Quanta informação. Belo artigo gigante. Parabens.