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Code 8: parece que os primos Amell gostaram de brincar de superpoderes

Fazendo uso do renome de ambos, em especial por suas participações no Arrowverse, Robbie e Stephen Amell levaram seu projeto pro financiamento coletivo e fizeram acontecer uma boa história que mistura o ponto central de X-Men com uma levada distópica tipo os filmes do Neill Blomkamp

Por THIAGO CARDIM

(originalmente publicado no JUDAO.COM.BR)

Três anos atrás, quando Stephen Amell já estava no seu auge do papel de Oliver Queen/Arqueiro Verde na série Arrow, o cara resolveu topar uma empreitada maluca ao lado do primo, Robbie Amell (que também teve seu momento no Arrowverse do canal CW como a primeira versão do Nuclear na série The Flash). Sem muita grana envolvida, eles juntaram uns amigos, incluindo Sung Kang — da franquia Velozes e Furiosos — e o diretor Jeff Chan (O Mistério de Grace), e rodaram um bom curta de dez minutos chamado Code 8.

O lance todo dos superpoderes estava ali, mas a ambientação não poderia ser mais diferente do que se via em Arrow e afins. Na real, a pegada era bem mais X-Men, não nos uniformes coloridos mas sim no CONCEITO original de Stan Lee/Jack Kirby, do que qualquer outra coisa: 4% da população nasceu com poderes fora do comum. Mas eles não se tornaram heróis ou nada assim — na verdade, o preconceito e o medo do restante das pessoas fez não apenas com que grande parte deles vivesse abaixo da linha da pobreza, mas também sempre vigiados atentamente por uma polícia altamente militarizada e armada com drones e robôs programados para matar.

Você pode até pensar em uma distopia meio Robocop com um tempero da série The Gifted mas, pra ser franco, assistir ao curta é lembrar imediatamente que aquilo poderia tranquilamente ter sido dirigido por Neill Blomkamp. A parada tem um climão, uma ambientação, uma edição, que lembra bastante Distrito 9 ou, ainda mais, Chappie. O resultado da mistura foi um sucesso no YouTube, com mais de 5 milhões de visualizações. E obviamente os dois Amell sacaram que dava pra explorar um pouco mais daquele universo. Aí meteram o projeto no Indiegogo, pra transformar o curta em longa via financiamento coletivo. A meta de US$ 200.000 foi batida em 36 horas. No fim, eles acabaram ultrapassando a fronteira dos 2 milhões de arrecadação.

Code 8, o filme, 1h30 de duração, tava mais do que garantido. E sendo rodado desde 2017, enfim foi lançado globalmente, com total controle criativo da dupla, chegando inclusive às plataformas digitais aqui no Brasil. O resultado é BEM legal — e, bom, pra quem curte super-heróis, ficção científica e afins, é muito legal ver algo 100% original só pra variar, uma coisa que não é inspirada em nenhum gibi, livro ou qualquer coisa assim.

Nesta nova versão, Connor (Robbie Amell) é um superpoderoso com poderes elétricos de alto nível que vive na cidade de Lincoln e tem que lidar com uma sociedade que não apenas não o aceita, mas que também não o deixa minimamente usar os poderes para trabalhar. Outrora os poderosos foram a base da indústria, ajudaram a economia a se desenvolver, mas foram pouco a pouco sendo substituídos pela tecnologia. Então, para que possam usar suas habilidades no dia a dia, eles precisam pagar uma taxa. Bastante cara. E a qual um cara como Connor não tem acesso. Sem grana e sem um pai em casa, morto pela polícia numa tentativa de assalto, ele se vira como dá pra tentar ajudar a mãe doente.

A merda é que existem muitos outros como Connor, que a sociedade não aceita nem pra um emprego comum, no qual teria apenas que sentar e atender alguém no balcão. E estes muitos ~alguéms acabam sendo forçados, por exemplo, a ceder seu fluido espinhal para ajudar na fabricação da mais nova droga do momento, uma parada chamada Psyke. A cidade de Lincoln tem lá os seus barões do crime, que exploram pobres coitados para tirar deles este líquido precioso, base de um narcótico que afeta poderosos e humanos, por igual.

E um destes barões tem justamente uma porta aberta para Connor tentar cometer, inicialmente, pequenos crimes que lhe renderiam uma grana. Eis que entra em cena Garrett (Stephen Amell), um dos braços-direitos do tal chefão, um telecinético bastante ambicioso que tem um mantra bastante objetivo na vida: querem pisar em você, né? Pois use seus poderes para tomar o que você bem entende nesta sociedade que te odeia.

Se você tem algum ranço com os Amell por conta do Arrowverse, numa boa, esqueça totalmente. Além de ambos estarem muito bem em seus papéis — Stephen, sempre carismático mas naturalmente limitado em termos interpretativos, surpreende com a frieza de um “vilão”, enquanto Robbie tem uma entrega dramática que nem de longe dava pra ver como Nuclear — o ritmo da trama aqui é BEM outro.

Tudo no filme é bem ambientado, ágil, sem perder muito tempo com explicações (a não ser, talvez, os primeiros cinco minutos, com recortes de noticiários), conduzido de maneira bem dinâmica. Obviamente não é uma superprodução épica, isso é claro. Na verdade, esta é uma história menor, mais humana, mais focada e autocentrada num recorte de um mundo maior. E tudo com um time enxuto e bem eficiente de coadjuvantes pra ajudar a dar mais corpo à trama dos dois Amell: destaque não apenas pro Sung Kang, mas pra ótima Laysla De Oliveira (Maddy) como uma das integrantes originais do time de Garrett.

Mas, por mais que tenha clima de piloto de série de TV (isso não dá pra negar e justamente por isso vai MESMO virar série spinoff pro Quibi, com diversas pequenas possibilidades de tramas paralelas a explorar, desde a filha do policial ao pai da Curadora), ainda assim parece ser um piloto BEM do interessante, um baita programa daqueles pra ver em casa, à parte dos grandes medalhões que te fazem engolir goela abaixo. E esperar ansiosamente pelos desdobramentos que virão da série, claro.

O futuro de Oliver Queen depois de Arrow não parece fugir tanto assim dos superpoderes, afinal de contas… 😉