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Thunderbolts* é filme de gibi divertidão e ainda discute coisa séria

Trama da produção, que gira essencialmente em torno de Yelena e do simpático Bob, serve como uma alegoria em forma de blockbuster para falar de depressão

Por THIAGO CARDIM

Ao lado dos Novos Guerreiros, eu sempre disse, pra quem quisesse ouvir (portanto, basicamente apenas meus melhores amigos leitores de gibi em torno de uma mesa de boteco), que os Thunderbolts eram uma das minhas equipes favoritas de heróis da Marvel – mais até do que os tradicionais Vingadores, por exemplo. Não importa em qual de suas muitas formações, o fato é que a ideia de um grupo de ex-vilões ou anti-heróis buscando retomar seus próprios caminhos (ou encontrar novos) me agrada um bocado, numa narrativa bastante humana e na qual os superpoderes ficam meio em segundo plano.

(Talvez você diga que a arte do Mark Bagley nos arcos iniciais tanto de uma equipe quanto da outra seja o real motivo da minha predileção – o que eu também não negaria, confesso)

Logo, enquanto tinha muita gente dizendo que a Marvel Studios estava apenas reunindo um bando de restolhos para tentar emular um Guardiões da Galáxia ao produzir um típico filme da série “mas quem pediu por isso?”, eu tava amarradão na ideia. Ainda mais por se tratar de algo que faz conexão direta, por exemplo, com o filme da Viúva Negra, que infelizmente, graças aos tempos pandêmicos, passou em brancas nuvens pra muita gente, mas eu adorei. A cada trailer, a cada vídeo promocional, eu me apaixonava ainda mais pelo tom quase indie e pelo conceito de um bando de fracassados que queriam se reencontrar como pessoas e se construir como um grupo disfuncional.

E o que filme me entregou foi justamente o que ele me prometeu.

Aliás, não. Correção aqui. Me entregou um pouquinho a mais. Porque em certo momento descobri que aquela história de hominhos era, no fim, sobre depressão.

E depois de rir, lá estava eu chorando.

O grande vilão, no fim, é a sombra que todos carregamos dentro de nós

Descreve o site do doutor Drauzio Varella: “depressão é uma doença psiquiátrica crônica e recorrente que produz uma alteração do humor caracterizada por uma tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura, desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa, assim como a distúrbios do sono e do apetite”.

No entanto, a escritora Simone Guerra, autora do livro “Recomeçar Sem Medo”, tem uma frase ainda mais certeira para descrever a doença: “depressão é o vazio do vazio”. No caso, a ideia de que o vazio da depressão é tão profundo que parece um vazio dentro de outro vazio, uma ausência que se infiltra em todos os aspectos da vida, deixando uma sensação de escuridão e desespero. Isso é o cerne do que se vê em “Thunderbolts*”.

Para quem conhece o personagem Sentinela, codinome heroico de Robert “Bob” Reynolds, já dá pra sacar – somando 2 + 2 com o que se vê nos trailers – um caminho possível que a trama possa seguir (a palavra “vazio” acaba se tornando sinônimo de “vácuo”, o que já entrega de fato quem é o grande antagonista da trama). Mas o diretor Jake Schreier (da excelente série “Treta”) usa, de maneira inteligente, a interpretação de Lewis Pullman muito mais pelo lado da fragilidade de Bob do que pelo poder quase divino do Sentinela, o que torna esta visão ainda mais interessante do que a dos gibis.

O filme, aliás, é basicamente dele e principalmente de Yelena Belova – com uma Florence Pugh que se entrega totalmente, da comédia ao drama, e praticamente domina a projeção. David Harbour é um Guardião Vermelho ainda mais engraçado em seus momentos “paizão sem noção”, enquanto Sebastian Stan mostra que Bucky Barnes / Soldado Invernal tem potencial para novos bromances além do seu clássico com o Falcão e Wyatt Russell quase te faz sentir pena de odiar John Walker, o Capitão América da Shopee. Só quase.

Mas eles são apenas coadjuvantes de luxo numa história sobre Yelena elaborando o luto pela perda da irmã Natasha e os pecados de seu próprio passado marcado por sangue.

As maquinações de uma mulher poderosa e em busca de um plano para preencher o espaço deixado pelos Vingadores acabam fazendo com que Yelena cruze o caminho de outros desajustados e, perseguidos, eles se tornem peões num jogo que mal entendem, enquanto ficam tentando fazer esta conexão funcionar de alguma forma para se manterem vivos. O que a condessa milionária não imaginava é que seus planos seriam descobertos por outros grandes nomes da agora tumultuada política americana (lembremos que o presidente anterior virou um gigantesco Hulk vermelho, né) e, em meio ao processo de apagar as pistas de sua culpa, ela deixaria uma considerável ponta solta em forma de gente…

“Thunderbolts*” é um filme, antes de tudo, muito divertido. Que, com leveza e simplicidade, com uma história acessível e descomplicada, sem querer soar pedante, sabe rir de si mesmo, que faz você sacanear inconscientemente aqueles personagens que estão tirando sarro uns dos outros e deles mesmos. É a Marvel fazendo uso daquilo que ela tem de melhor na comparação com a DC: seus heróis não são deuses em um panteão inatingível. São pessoas. São gente que por acaso tem poderes e usa uniformes colantes. E a humanidade, cheia de erros e defeitos, é de fato a mais latente característica deste novo capítulo do MCU.

Por isso mesmo, a partir desta humanidade, quando você menos espera, o filme começa a falar sério. E, mesmo que por meio de alegorias, te pega pelos calcanhares. E te emociona. E se torna capaz de te colocar um nó na garganta. E, se bobear, até de te arrancar lágrimas dos olhos. Verdade verdadeiríssima.

Um papo de pai e filha e, mais tarde, um abraço coletivo vão te arrepiar – caso você não tenha um coração de gelo batendo no peito, claro. <3

E sobre o asterisco?

Poisé, em certo momento da trama, você entende que o tal asterisco do título faz um baita sentido e, sim, ele é “explicado” de alguma forma. Veja, não que a revelação não seja algo que parte dos fãs, em especial aqueles que são leitores de longa data dos gibis originais da Marvel Comics, já vinham especulando em suas teorias mais loucas.

Mas o grande lance não é O QUÊ. E sim o COMO.

De que maneira se descobre AQUILO e, mais do que isso, de que forma isso vai fazer sentido para o novo MCU que se vem construindo, este que vai culminar no Doutor Destino e nas Guerras Secretas.

Sem entregar grandes spoilers, todas as graças do mundo para a ótima Valentina Allegra de Fontaine vivida com carisma e cinismo pela igualmente excelente Julia Louis-Dreyfus. Em “Thunderbolts*”, fica claríssimo o quanto a sua escolha para o papel foi acertada, se desenvolvendo como algo para muito além de “um novo Nick Fury”.

E sobre as cenas pós-créditos?


Elas existem e são duas. Uma bem curtinha, bem bobinha até, mas que ajuda a construir ainda mais o que se viu de um determinado personagem ao longo da história. E aí tem a outra, guardada obviamente para o fim dos créditos completos. E que ajuda a traçar os rumos de “Thunderbolts*” como uma história que, de alguma forma, tem potencial de caminhar sozinha, sem as muletas limitadoras do tal “universo expandido”, mas que você consegue sim encaixar como um capítulo pós “Capitão América: Admirável Mundo Novo”.

Todavia, contudo, digamos que um olhar mais atento para os créditos finais, em especial para a parte que lista as músicas que tocam no filme e para os agradecimentos derradeiros, entregue meio que de imediato o que dá pra se esperar desta cena extra… Uma cena que, aliás, MEIO que confirma uma OUTRA teoria bastante corrente entre os fãs… 😉

PS: Evite ficar pensando “mas ué, e o prefeito desta Nova York aí não vai fazer nada a respeito” para depois lembrar “hey, neste universo integrado o prefeito é Wilson Fisk”. Simplesmente siga o baile porque TALVEZ alguém te explique isso em algum momento. Ou talvez não. E tá tudo bem, também. 😀

Filme: Viúva Negra

Série: Falcão e o Soldado Invernal, de 2021

Gibi: Thunderbolts – Justiça, como um relâmpago

Vídeo: As diferenças entre os Thunderbolts dos gibis e do MCU



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