
Capitão América 4: de volta ao MCU com filme de herói MESMO
“Admirável Mundo Novo”, a estreia de Sam Wilson como protagonista, assume o papel de eixo dos próximos passos deste universo compartilhado, em uma trama que discute o real significado do heroísmo
Por THIAGO CARDIM
Dia destes, em um grupo de amigos no WhatsApp, lá estava eu mais uma vez discutindo uma questão que desde a minha época como um dos editores do JUDÃO a gente vivia trazendo à tona: não existe este papo de “filme de super-herói”.
Super-herói não é gênero cinematográfico. Super-herói é um arquétipo, tal qual o são um caubói, um astronauta ou um agente secreto. E nós costumamos ver estes arquétipos sendo usados em diferentes tipos de tramas – comédia, ação, drama, suspense, terror. Simples assim.
“Guardiões da Galáxia” é uma space opera recheada de humor. “Capitão América: O Soldado Invernal” é um filme de espionagem. O primeiro “Homem-Formiga” é um clássico filme de roubo. O primeiro “Pantera Negra” é uma ficção científica afrofuturista. Simplesmente impossível colocar todos debaixo de um mesmo balaio, como se fossem a mesma coisa – porque estão longe de ser, por mais que todos sejam baseados em personagens da Marvel Comics. E então, eis que chega Capitão América: Admirável Mundo Novo, quarto filme do Sentinela da Liberdade e primeiro com Sam Wilson utilizando o manto e assumindo o título.
E então, eis que temos um filme de super-herói. Ou quase isso. 😉

Tá, eu explico.
Capitão América: Admirável Mundo Novo é um ótimo filme de ação. Ponto. Uma curiosa mistura de “A Caçada ao Outubro Vermelho”, “Top Gun” e, por motivos óbvios de “Harrison Ford como presidente dos EUA”, temos um temperinho de “Força Aérea Um”. Portanto, um filme de ação ali com jeitão de anos 1990, com todos os predicados e também questionamentos que esta comparação possa trazer.
É um filme perfeito? Não. Em determinados momentos, por exemplo, ainda que isso não chegue de fato a comprometer o ritmo (e meus aplausos para a equipe de edição, é preciso dizer), você saca de imediato que certos pontos foram “enxertados” ali, meio que como resultado das refilmagens que foram conduzidas nos últimos meses. Meio que “ah, tá, entendi, isso veio depois…”.
Mas, vamos lá, ainda assim, é uma trama redondinha, do começo ao fim. Uma trama que, é bom que se diga, mesmo se passando NESTE momento geopolítico, não chega a ser tão diretamente crítica ao Governo Trump (como bem se podia imaginar) e tampouco adentra temas assim tão delicados como o racismo, por exemplo. Podia? Claro que podia. Mas aí seríamos duas pessoas esperando DEMAIS de Hollywood, não é mesmo? 😉
Ainda que não traga imensas surpresas com relação ao que se viu ou ao que se pode deduzir a partir dos trailers e comerciais de TV (a guerra comercial em torno do adamantium na chamada “Ilha Celestial”, a treta com o Hulk Vermelho, a aparição do Coral, o descontrole de Isaiah Bradley e quem seria, de fato, o real manipulador desta parada toda), a história caminha de maneira relativamente simples e bastante equilibrada, em grande parte ancorada nas interpretações de Anthony Mackie – totalmente à vontade, apesar das cobranças – e Harrison Ford – nitidamente se divertindo horrores.
E é JUSTAMENTE por causa destes dois personagens, respectivamente Sam Wilson e Thaddeus “Thunderbolt” Ross, que eu disse lá em cima que se trata de um “filme de super-herói”. Porque o próprio conceito de heroísmo está no centro da história. E é nesta discussão, por entre ótimas sequências de ação (a luta entre Sam e o Coral vivido pelo sempre deliciosamente maléfico Giancarlo Esposito chega a ser melhor do que seu embate com a versão vermelha do monstrão super-humano), que está a sua grande força.
Porque é sobre o que o mundo acha de dois grandes “heróis” que se trata Capitão América: Admirável Mundo Novo. É sobre o outrora irascível General Ross, conhecido por seu temperamento agressivo e suas caçadas sem sentido ao Hulk, um herói dos campos de batalha, mostrando que mudou. Que pode fazer diferente como presidente. Que pode ser diplomático quando necessário. Para o mundo todo e em especial para a sua amada filha, Betty Ross, com quem não tem contato há anos.

E é sobre Sam Wilson, o substituto de Steve Rogers, eternamente comparado e questionado, um homem negro no lugar de um homem branco, um ser humano “normal” no lugar de um sujeito que carregava nas veias o soro do supersoldado, um camarada que ousa questionar o governo para o qual deveria “trabalhar”. Todas estas questões estão lá, refletindo inclusive um caminhão de bobagens obviamente racistas ditas em sites, vídeos, redes sociais e fóruns por pretensos defensores da “versão original” do Capitão.
O Capitão que escolheu Sam Wilson para ser seu substituto porque, no fim, o seu coração é de fato o seu maior superpoder. Um coração que inspira, antes de qualquer coisa. Joaquin Torres, o novo Falcão, que o diga.
E apesar dos socos, chutes, raios, mísseis e golpes marotos com asas mecânicas, é no coração que reside a grande força de Capitão América: Admirável Mundo Novo. Um coração que bate bem do direitinho, sufocando e nos tirando o ar em alguns momentos, apertando e nos emocionando em outros (duas participações especiais que fazem total sentido para a história, apesar de não serem tão fora da curva assim se você parar pra pensar, trazem um tantinho de lágrimas aos olhos e um quentinho no, veja só, coração).
Todo o resto, todos os rumores e teorias, seriam apenas e tão somente perfumaria que, no fim, tiraria o foco do que realmente é importante. E acho que já passamos desta fase, né?
Um filme com foco no C de “connected”
Além disso, chama bastante atenção que Capitão América: Admirável Mundo Novo assume um papel que há muito as produções da Marvel nos cinemas vinham evitando, talvez com receio do estrago que os sucessivos questionamentos de público e crítica vinham lhes impondo: aquela noção de um universo integrado.
Assistindo ao filme, depois de tantas histórias confusas e difusas a respeito de multiversos, cada uma com o seu conceito diferente (veja Doutor Estranho 2, o terceiro filme do Homem-Aranha e a série do Loki, e depois tente entender se existe de fato uma definição real de como funcionam estes universos paralelos e quem diabos foi responsável por “quebrar” a linha do tempo), parece que o plano volta a ficar claro de novo.
Capitão América: Admirável Mundo Novo tem total cara de capítulo 1, definindo uma ameaça futura, estabelecendo o cenário que gira ao redor dos personagens e começando a montar o quebra-cabeças que deve ir se desenhando daqui pra frente. O que se começa a construir aqui deve DE FATO permear de alguma forma as próximas produções, meio que “pavimentando” o caminho para os próximos dois filmes dos Vingadores, aqueles com Doutor Destino e a reunião de mais uma renca de heróis em tela novamente.
Fica aí pra você definir se isso é uma boa notícia ou não. Porque, conforme já falamos por aqui algumas vezes, esta coisa de “universo conectado” tem potencial pra ser legal à princípio, mas quando se torna uma muleta que limita criativamente os roteiristas e diretores (oi, Sam Raimi, tô falando com você!) e tudo que se ouve ao longo do filme são as engrenagens da Marvel planejando mais um grande evento cinematográfico lá na frente – pô, aí não é uma boa notícia não. 😀
E sigamos rumo aos Thunderbolts, com ou sem asterisco.
—

Filme: O Incrível Hulk, de 2008
Série: Falcão e o Soldado Invernal, de 2021
Gibi: Capitão América: Sam Wilson (Panini Comics)
Podcast: A história de Sam Wilson, o Falcão original e atual Capitão América
Texto: Entendendo quem é Ruth Bat-Seraph, a Sabra, nos quadrinhos originais
—
ASSISTA AO TRAILER