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Crianças indígenas contam suas histórias em quadrinhos

Narrativas de jovens da etnia Sateré-Mawé, entre 7 e 13 anos, têm a chance de se tornar gibi de verdade graças a uma campanha de financiamento coletivo

Por THIAGO CARDIM

“Eu fico muito feliz em mostrar quem somos, o que acreditamos e o que faz parte da nossa essência”. A frase é do criativo garoto Israel Hukat’i, de 16 anos, em entrevista ao site Brasil de Fato. Ele costumava ouvir do avô a história sobre a criação da noite, num tempo em que só existia o dia – como a comunidade trabalhava muito e todos ficavam cansados, decidiram pedir a Tupã que trouxesse a noite para que eles pudessem descansar.

A comunidade a qual ele se refere, no caso, são os Sateré-Mawé, povo indígena que habita a região do médio rio Amazonas, conhecidos por serem os primeiros a domesticar e cultivar a planta de guaraná. E Israel foi um dos nove participantes da turma inaugural do projeto Quadrinhos Sateré, o primeiro curso de roteiro de quadrinhos no Brasil voltado exclusivamente para crianças e adolescentes indígenas, realizado em Manaus (AM).

No curso, os alunos aprenderam a transformar suas vivências e tradições em narrativas visuais, fortalecendo sua identidade cultural e criando um legado para futuras gerações. Eles foram serão apresentados a diversos estilos de HQs, conhecendo técnicas de roteiro para narrar histórias relacionadas à sua cultura e vivências diárias.

Ao longo de dois meses e meio, com apoio da Fundação Municipal de Cultura da Prefeitura de Manaus, eles foram tutelados por Evaldo Vasconcelos, professor de roteiro e coordenador do curso, com o apoio da pedagoga Leilane Sateré. “O meio tradicional de contar histórias do povo deles é a oralidade”, explica o professor.

Ao longo do curso, os alunos produziram entre duas e três histórias, cujo processo criativo foi registrado no Instagram oficial do curso. A partir da seleção dos roteiros, a quadrinista profissional Malika Dahil fez os esboços dos quadrinhos, gerando inicialmente algumas ilustrações para a exposição “Sangue, Suor e Nanquim”, realizada ano passado no centro de Manaus. Só que eles querem mais.

Fazendo um gibi virar realidade

Agora, o objetivo é terminar de ilustrar essas histórias e imprimi-las em uma revista, tornando a publicação a primeira coletânea de histórias em quadrinhos produzida por crianças indígenas do Brasil.

Os coordenadores do projeto lançaram uma campanha de financiamento coletivo via Catarse, buscando custear não apenas a impressão, mas também editor, diagramador, roteirista e equipe de divulgação. Ou seja, tudo que é total, completa e absolutamente justo. A gente aqui no Gibizilla, inclusive, já apoiou. 😉

“Muitos indígenas da região amazônica enfrentam desafios para manter sua identidade cultural diante da influência da cultura dominante”, explica o texto oficial do projeto. “Os quadrinhos desempenham um papel crucial como aliados nessa luta, fortalecendo nossa identidade cultural ao permitir que membros da comunidade sejam os narradores de suas próprias histórias. Além disso, respondem à crescente demanda por representatividade na mídia, permitindo que nossa cultura e visões sejam compartilhadas e apreciadas por um público mais amplo”.

A revista, batizada apropriadamente de “Quadrinhos Sateré”, terá oito histórias, escritas por nove crianças: Eliakim Cruz, Sophia Teixeira, Yara da Costa, Mayara Sateré, Yasmin da Silva, Israel Hukat’i, Iaro Arupi, Indiny da Costa e Julia Lima. E o mais legal é que este curso é apenas o pontapé inicial de algo bem maior – porque o projeto começou com um acervo de leitura com títulos cuidadosamente selecionados pelos professores. À medida que as aulas e as atividades de leitura avançaram, novos títulos foram adquiridos com a participação direta dos alunos. Dessa forma, eles tiveram a oportunidade de contribuir para a formação de um acervo de quadrinhos e livros que permanecerá disponível após o curso, resultando na criação de uma biblioteca comunitária com obras escolhidas por eles mesmos.

“Meu avô, do seu jeito simples e cheio de carinho, sempre dizia que contar histórias é uma forma de manter nossas raízes vivas e eu fico muito feliz de poder trazer essas histórias para a revista porque é uma forma de honrar tudo o que ele me ensinou”, diz Israel, com sua imensa sabedoria infantil.

Lembrando que, pra quem quiser contribuir, ESTE aqui é o link: https://www.catarse.me/quadrinhos_satere_em_livro

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