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Silas Chosen e os seus top filmes de 2024

Ele está de volta, com a sua listona só de filés que se tornou tradição aqui no Gibizilla e também virou um dos textos mais aguardados do ano no site

Por SILAS CHOSEN (é óbvio!)

Mais um ano que nos deixa!

Mais doze meses repletos de fascínio e loucura no cinema mundial.

Muita gente tem reclamado que 2024 não foi aquele ano no cinema – ficaram faltando os altos explosivos de BARBIE e OPPENHEIMER, um SCORSESE novo e quem sabe um filme de Kaiju digno de festival de cinema. Argumentam que 2023 nos deixou mal-acostumados.

Mas o cinema não dorme! É só o nosso recorte que fica balançando pra lá e pra cá, como uma Janela de Overton que se move pela nossa boa vontade e pelo que chega nos cineplexes, inundando 10 salas ao mesmo tempo.

Vamos falar dos filmes que apareceram por aí?

(As imagens são meramente ilustrativas e não têm nada a ver com o tema dos filmes em questão).

(Nota do Editor: na verdade, as imagens têm TUDO a ver com os filmes, basta você prestar atenção, rs)


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DESTAQUES ESPECIAIS
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DECEPÇÃO DO ANO – GLADIIADOR

Faz bastante tempo que o Ridley Scott não é uma máquina de lançar filmaços (e… de certo ponto de vista… ele nunca foi…?). E mesmo que seja bem mais fácil lembrar o que ele tem feito de excelente (Perdido em Marte, O Último Duelo) do que o que tem feito de questionável (Napoleão, Casa Gucci), havia apreensão no ar na hora de revisitar o maior sucesso de sua carreira.

Gladiador II (ou GladIIador) é muito, MUITO admirável por não ser somente uma cópia do primeiro filme, e por fazer algumas pontes muito interessantes com o antecessor. Mas o roteiro é fraco e carece de mais potência nos personagens e menos reviravoltas mirabolantes.

Além de fazer aquela boa “mudança de ideia na cabeça do personagem só porque o roteirista quer”, transformando o que poderia ser um chute na cara da sociedade num filme xoxo – não move ninguém, não machuca, não interessa, não anima.


SURTO COLETIVO DO QUAL EU NÃO FIZ PARTE – ACEITO ESTAR ERRADO – JURADO #2

Passou LONGE de mim entender o frisson da crítica com JURADO #2, do grande Clint Eastwood. E nem é um daqueles casos em que eu vou aprendendo mais sobre o filme e vou gostando mais dele – cada pedaço deste drama de tribunal foi piorando com o tempo. Quem tentou me explicar o porquê do filme ser este “tchananã” todo me fez gostar menos ainda. O Nicholas Hoult – um excelente ator – está muito mal escalado, e o roteiro vai de forçado e fraco para ligeiramente absurdo num piscar de olhos.

Será que eu revejo no futuro e entendo?

FILME QUE TODO MUNDO AMOU E EU NÃO – VOCÊS ESTÃO ERRADOS – DEADPOOL & WOLVERINE

Olha, eu tentei. Mas esse filme feito de piscadelas e cheio de piadas internas não me pegou.

Eu sou muito averso a cinismo, e Deadpool & Wolverine é cínico ao extremo. Um festival de boneco que deu um passo a mais além do “filme feito só pelo dinheiro”: é um filme que sabe que foi feito só pelo dinheiro, fala disso o tempo todo e não cansa de mostrar.

Na falta de impacto da trama. Em como o filme só anima por causa dessa ou daquela ponta. Em como tudo o que estava dando certo em “Deadpool” e “Deadpool II” voltou, mas piorzinho, um pouco mais “sem vida”, nas mãos de um diretor definitivamente menos capaz.

Aquela piada recorrente onde o Deadpool fala pro Wolverine que ele vai fazer isso até ter 90 anos, não é uma piada engraçada. É uma piada triste pra caramba.

FERNANDA MONTENEGRO COM UM SÓ OLHAR

Só. Com. Um. Olhar. Só com 10 segundos de câmera sem se mexer. Só com um olhar. Só.

Tem um filme espetacular inteiro antes desse momento, mas já é a segunda vez em pouco tempo que essa mulher esgana o nosso coração.

Só com um olhar.

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Mas vamos ao nosso TOP 15 FILMES!
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15 – CIVIL WAR (Guerra Civil) – Dir. Alex Garland

Alex Garland já se provou como contador de histórias e como cineasta. Depois do golpe baixo (no bom sentido) que é Ex Machina e o tremendo drama fantástico de Aniquilação, ele poderia ir para direções ainda mais extremas… E ele decide fazer um filme sobre jornalismo e guerra.

Não é exatamente que Guerra Civil não tenha medo de polêmica. É mais como se ele simplesmente não percebesse a polêmica (ou não percebesse seu próprio potencial para tal). A jornada angustiante do grupo de jornalistas através de um Estados Unidos completamente estragado pela… Uh… “Personagem Título”, tenta ao máximo evitar fazer comentários políticos.

E talvez é por isso que o inevitável “comentário político” seja meio fascinante. Há algo de inocente e até de irresponsável em algumas visões do filme, mas a mão de Garland para trabalhar cenas, Kirsten Dunst e Wagner Moura ótimos, e uma aparição amaldiçoada (como de costume) de Jesse Plemons ganham o 15º lugar.



14 – THE REMARKABLE LIFE OF IBELIN  (A Extraordinária Vida de Ibelin) – Benjamin Ree)

Além de novidades sobre lançamentos e etc, quem acompanha o mundo dos Games (seriam eles a DÉCIMA ARTE?) recebeu, nos últimos anos, um bombardeio de notas sobre o caos e a desorganização que acontece quando “gente burra que só quer dinheiro ganha poder demais”. Isso, e o jeito que o advento da internet serviu muito para potencializar o alcance de gente muito má,nos dá um pouco de pausa na hora de digerir o papel da tecnologia digital na história humana.

Fica até fácil esquecer que a internet conecta pessoas, e que games podem ser alimento para almas assim como qualquer outra obra de arte.

O norueguês Mats Steen nasceu com distrofia muscular de Duchenne, o que lhe rendeu uma vida amarrado a uma cadeira eletrônica, com muito pouco acesso à vida social e atividades físicas. Quando a doença finalmente o levou, aos 25 anos, seus pais surpreenderam-se com o exército de desconhecidos, espalhados pelo mundo, que vieram prestar-lhe homenagem.

Na frente de um computador, e logado em World of Warcraft, Steen era Ibelin, um aventureiro que fazia mais do que caçar monstros e derrotar dragões. Ele era um amigo, um confidente, um namorador, um líder.

O documentário norueguês explora o quanto Steen – através de Ibelin – impactou a vida de um monte de gente. E o quanto um mundo virtual conseguia fazer Steen se sentir livre, vivo e ativo.

Um filme tocante sobre a liberdade que uma mente pode criar para um corpo preso, e o quanto somos capazes de significar uns para os outros.

13 – LATE NIGHT WITH THE DEVIL (Entrevista com o Demônio) – Dir. Cameron Cairnes, Colin Cairnes

Um pouco de sensacionalismo, um pouco de capeta. Parece o mundo político mundial.

Um apresentador de televisão traumatizado precisa de um grande hit em seu programa de auditório e decide explorar o paranormal na noite de Halloween. Naturalmente, um dos convidados não é o tradicional “Homem do Rá” (entendedores entenderão).

Mais um passo firme na carreira de David Dastmalchian rumo ao hall da glória dos “character actors”. Ele consegue andar com desenvoltura na fina linha entre o creepy – o assustador, esquisito, gosmento – e o vulnerável e sincero. Aqui ele desliga as vibes “serial killer” para se tornar alguém que fez um pacto com o inominável e, a cada tropeço da produção, a cada assombração, ele chega mais perto de pagar.

O primeiro horror da nossa lista num ano sensacional para o gênero!



12 – HERETIC (Herege) – Dir. Scott Beck, Bryan Woods

É legal quando um ator que nunca se desprendia de certos papéis fica solto depois de um tempo na geladeira.

Estamos num momento de uma renascença do Hugh Grant – uma hugrantnassance? – onde ele entrega papéis absurdos, cômicos e completamente despretensiosos – como em Dungeons and Dragons – Honra entre Rebeldes e Paddington 2.

Em Herege, Grant interpreta o proverbial “simpático dono de casa que esconde um segredo tenebroso”. Duas missionárias da igreja Mórmon visitam o sujeito durante uma tempestade, e o afável sujeito faz o que ninguém hoje em dia faz – as convida para entrar. O que começa como uma conversa amigável desce alguns degraus para um debate teológico e epistemológico que fica mais sinistro a cada momento.

Os diretores Scott Beck e Bryan Woods criam um quebra-cabeças que diverte mais do que assusta. E apesar das discussões filosóficas não serem nem um pouco profundas, o ponto do filme não é questionar a crença de ninguém. Mas criar um jogo de gato e rato elegante, desconfortável e até mesmo um pouco surpreendente.

Fé renovada no terror.

11 – TRAP (Armadilha) – Dir. M. Night Shyamalan

Tinha uma época que o M. Night Shyamalan era a “nova promessa do cinema”. Aí ele ficou cheio de si e começou a criar projetos cada vez mais pretensiosos, e enquanto muito do seu talento não era apagado, faltava muita coisa.

Uma virada aconteceu e ele parou de fazer esses projetos grandiloquentes e caríssimos e iniciou uma fase meio “filmes B” em sua carreira, e tem sido ótimo. Nem sempre acertando, mas sempre se divertindo, e fazendo pequenos filmes cheios de personalidade, focando no simples, direto e bem-feito.

Armadilha é um suspense hitchcockiano da era moderna – impossibilitado de ignorar adolescentes, a internet e a mídia em massa. Josh Hartnett lidera o elenco no papel do serial killer que está tentando salvar a estabilidade da sua família e sua carreira assassina enquanto precisa fugir do concerto musical de uma diva pop.

É mais um filme que acerta em cheio ao se despir de qualquer cinismo e simplesmente convidar você para uma maratona de diversão e tensão. Shyamalan conjura um mundo paralelo onde o cafona, o impensável e o surpreendente te satisfazem. a realidade ligeiramente estilizada do filme domina a ponto de que nem a atuação inacreditável da própria filha de Shyamalan – aqui no papel da tal cantora – te joga pra fora da ação.

Não pare, Shyamalan! Até as suas pontas cafonas são bem-vindas!



10 – ODDITY (Oddity – Objetos Obscuros) – Dir. Damian Mc Carthy

Uma pequena pérola independente, o filme de Damian McCarthy – aqui em seu segundo longa-metragem – é um pequeno filme de horror que envolve ocultismo, mentiras, surpresas e o mais óbvio bonecão de madeira de Chekov possível.

A dona de uma “loja de curiosidades místicas” decide investigar – com seus sentidos extrassensoriais – o assassinato da irmã gêmea. Para isso, faz as vias de “ex-cunhada indesejada” e se convida a passar um tempo no local do crime, uma casa de campo onde o marido da irmã mora com a nova mulher.

A tal “investigadora paranormal” é cega, mas parece que isso importa pouco. Ela pode ouvir coisas do além, e trouxe consigo um golem de madeira cujo design é simplesmente desgraçado. Em flashbacks, vemos pouco a pouco a história da irmã (interpretada pela mesma atriz, Carolyn Bracken), ao mesmo tempo que o mistério se desenrola.

É um mistério bem simples, com uma resolução talvez rápida demais, mas o clima de tensão sobrenatural e especialmente o papel duplo de Bracken tornam impossível desviar a atenção deste filme.

E quando o boneco finalmente faz o que precisa fazer… Ninguém fica insatisfeito.

9 – ALIEN ROMULUS – Dir. Fede Alvarez

E esse Fede Alvarez, que chegou de mansinho e sem ninguém perceber, emplacou um filme da franquia Alien?

Diria-se até, salvou a franquia Alien das mãos de seu criador, já que faz um tempo que Ridley Scott não anda bem das pernas (apesar de eu ter um lugar especial no coração para Alien Covenant).

Alien Romulus faz um pastiche – parte volta às origens da série (de maneiras positivas e… algumas não tanto), parte joga fora as parafernalhas da última década da série (embora guarde algumas coisinhas na manga). Voltamos a um grupo de trabalhadores, gente chão-de-fábrica, presos num pesadelo cyberpunk onde são praticamente posses de uma corporação interplanetária. Na oportunidade de conseguir uma vida melhor, esse grupo de jovens operários decidem invadir uma estação espacial abandonada para conseguir a chave de um futuro melhor.

Adivinha o que a empresa estava guardando na nave. Exatamente.

Na ponta de lança do elenco temos a elogiada Cailee Spaeny, que se destaca em Guerra Civil e deslumbrou muita gente em Priscilla, e seu irmão robô, o excelente David Jonsson. O filme conta com mais um monte de gente que não vai chegar inteiro no final do filme, mas a estrela aqui, finalmente, é a escuridão do espaço. O diretor uruguaio lembrou de como fazer horror e suspense com a luz, com cores, com situações tenebrosas, sem deixar de incorporar novas brincadeiras, como a sequência de gravidade zero.

No final, temos um lembrete da era “anos 2010” da saga, mas sabe que apesar de não fazer nenhum sentido, até encaixa?

Tirando a tenebrosa participação da infame “Necromancia Cinematográfica”, estou esperando aqui um ótimo futuro para a série!

8 – FLOW – Dir. Gints Zilbalodis

O melhor filme animado do ano não tem diálogo nenhum.

FLOW é uma viagem onírica através de um apocalipse aquático, tudo pelos olhos de um pequeno gatinho preto.

Quando o lugar onde vive (e aparentemente onde aguarda o retorno de seus humanos) é inundado, um gato preto precisa se juntar a uma coleção improvável de animais para sobreviver. Amizades são formadas, incômodos são expressos, e sempre tem uma capivara gente fina no meio tentando manter a paz.

O filme letão é um triunfo emocional e até, quem sabe, espiritual, e consegue realizar isso dando a expressividade EXATA necessária para que seus personagens sejam animais que beiram o limite do cartunesco, esbanjando graça e personalidade com o pouco que conseguem “falar”.

Um daqueles filmes que fica com você por bastante tempo. E (checando a informação) feito inteiramente no Blender???



7 – LONGLEGS (Longlegs – Vínculo Mortal) – Dir. Osgood Perkins

Osgood Perkins é da realeza do horror desde que nasceu.

E cada passo que dá em sua carreira, mostra como sua cabeça funciona para além das convenções do cinema de gênero ao qual estamos acostumados.

Longlegs traz Maika Monroe (de Corrente do Mal) como uma agente do FBI sensitiva – ela resolve casos sem ter todas as pistas, e não sabe exatamente o porquê – na caça de um serial killer que está há tempo demais cometendo crimes.

E no papel do assassino está a união de duas forças incríveis – 30 quilos de maquiagem e Nicolas Cage. Já é bater no cadáver dizer que Cage está melhor quando está completamente solto, e Oz Perkins parece que simplesmente solta a coleira de Cage e o incentiva a ir “mais longe, mais alto, mais louco”.

As reviravoltas mais inesperadas do filme podem não agradar a todos, mas Perkins conseguiu refinar a estilística de seus filmes a um patamar agonizante de esquisitice. Mas é daquela esquisitice que funciona, da qual Hollywood está tão em falta. Um pouco de Silêncio dos Inocentes aqui, um pouco de capeta ali. 

E olha que o Oz Perkins vai adaptar Stephen King em 2025, hein!

6 – ANORA – Dir. Sean Baker

Sean Baker levou a Palma de Ouro em Cannes por mais este passo em sua carreira, sem mudar muito os trilhos dela. Em todos os seus filmes até agora, Baker procura explorar algum personagem preso na malha de falta de grana, excesso de trabalho e sonhos destruídos que o cidadão desta grande nação (ver JOON-HO, Bong, 2021) vive.

Anora, trabalhadora sexual com poucas perspectivas de vida, cai nas graças do filho de um oligarca russo. Começa então uma viagem louca que tem, pouco a pouco se percebe, bem menos paixão e muito mais projeção do que parece de início. A badalação da relação entre os dois bate na parede que ele chama de família – e os capangas enviados para dar um fim a este “final de semana muito longo”.

Baker não diminui nem um pouco sua visão afiada para crítica social enquanto explora a vulnerabilidade de seus personagens, e mais impressionante, o humor surpreendente da história. Mikey Madison cria, no papel principal, uma personagem com contradições que nunca deixa de ser interessante e cativante.

É um filme feliz, triste, cômico, trágico, que faz origami do seu coração até os segundos finais.

5 – DUNA PARTE II – Dir. Dennis Villeneuve

O épico desértico retorna para terminar o que começou. O filme entrega a segunda metade do livro clássico de Frank Herbert, e seus personagens estão muito mais fatalistas do que no primeiro longa.

Sobrevivente do massacre de sua família, Paul Artreides (Timothée Chalamet), ao lado de sua mãe Lady Jessica (Rebecca Ferguson), agora está na posição chave para, se jogarem suas peças corretamente, tomarem controle dos exércitos Fremen e contra-atacarem.

A grande mudança em relação ao livro é o papel de Chani. O amor de Paul Artreides ganha muito mais espaço que no primeiro filme e, diferente do livro, vira a âncora moral do espectador. É através dos olhos furiosos de Zendaya que conseguimos perceber que a vitória de Paul pode lhe custar uma derrota moral. Estaria o jovem chassis-de-borboleta pronto para se tornar um genocida espacial?

É épico, é enorme, tem vermes gigantes, tem Javier Bardem roubando cena e saindo correndo. O filme-evento do ano.



4 – THE SUBSTANCE (A Substância) – Dir. Coralie Fargeat

O longa anterior de Coralie Fargeat também faz algo que A Substância repete: sequestra um gênero bem inesperado para falar sobre a violência que as mulheres sofrem. Enquanto em Vingança ela explora o faroeste, o slasher e o filme de… bem, vingança, em A Substância ela escolhe o sempre bem-vindo e agradável lado do mais aterrorizante body horror.

Demi Moore faz Elisabeth, ícone da beleza hollywoodiana tentando colher qualquer coisa que preste dos anos finais de sua carreira como sex-symbol. Ao descobrir que seu chefe, o produtor televisivo (cujo nome é o mais inocente possível – HARVEY) interpretado por Dennis Quaid quer se livrar dela, ela entra numa espiral paranoica que termina ao encontrar um… serviço.

Ela pode ser “bonita” e jovem novamente. É só usar a substância.

Começa então uma história de Jekyll e Hyde onde “a outra” – Margarett Qualley, ótima – quer roubar mais tempo de vida. E as consequências são… Difíceis de digerir.

Um dos filmes mais importantes do ano é um filme tão, tão cheio de ódio perfeitamente justificável, direcionado a Hollywood, à indústria da beleza, e ao jeito que nós como sociedade obrigamos as mulheres a se contorcer para serem o que não têm como serem.

Coralie Fargeat cria uma fábula estilizada, louca, violentíssima e muito perturbada. Mas não tem como tirar a razão dela.

E Dennis Quaid está completamente solto no pasto. Esse é o mesmo cara que fez o Ronald Reagan naquele filminho tosco que saiu esse ano?

3 – FURIOSA – Dir. George Miller

Ahhh George Miller. Que saudades.

10 anos atrás, Miller fez um milagre e trouxe Mad Max para o século 21. E se Estrada da Fúria é uma obra-prima insuperável, Miller nem pensa em tentar superá-la.

FURIOSA conta a origem da personagem de Charlize Theron naquele filme – interpretada aqui por Alyla Browne, Anya Taylor-Joy, o olho esquerdo de Anya Taylor-Joy e o olho direito de Anya Taylor-Joy. Empresta à jovem guerreira das estradas a dureza que é capaz de transmitir no silêncio, a indignação e o desejo de vingança dos quais vimos um pouquinho naquele filme O Menu.

Ela está atrás de Dementus, o líder insano de uma legião de motoqueiros nômades que espalham ainda mais destruição e morte pela terra devastada. E Chris Hemsworth não deixa de lado o porte físico para entregar um personagem sensacional, quebrado e assustador.

Diferente de Estrada da Fúria, não estamos numa perseguição louca, mas sim num épico demorado, que precisa mostrar as inúmeras fases da vida de Furiosa. Felizmente, para nós, todas estes momentos são recheados da ação mais alucinante possível.

George Miller continua lá no topo, de onde nunca saiu.

2 – NOSFERATU – Dir. Robert Eggers

São 4 de 4 para Robert Eggers, hein!

Desde sua juventude, o diretor de A Bruxa, O Farol e O Homem do Norte sonhava em adaptar o filme-chave do expressionismo alemão, Nosferatu, de 1922.

Finalmente conseguiu juntar a confiança, o elenco e a ousadia para criar a adaptação de Drácula do século 21. Um conto de fadas horrendo, repulsivo, insano e sangrento.

Temos Nicholas Hoult no papel do jovem que deixa sua amada para ir vender terras para um nobre excêntrico da Transilvânia. Temos Willem DaFoe no papel do doutor amalucado que domina conhecimentos estranhos, mas tremendamente úteis sobre vampiros. Temos ainda participações ótimas de Simon McBurney (completamente louco) e do Galactus Ralph Ineson, mas o filme é carregado em três pernas, basicamente.

Uma é a fotografia fria, mas mais viva do que nunca de Jarin Blaschke. A noite nunca foi tão essencial para um conto de amor erótico gótico, e é quase como se conseguíssemos tocá-la, com tons de azul muito pouco pacificadores.

Outra, naturalmente, é Bill Skarsgård, que foi de Pennywise em It – A Coisa para o Conde Orlok de Eggers. Um cadáver que tem poderes mágicos, dificuldade de respirar e precisa muito sair mais e conhecer pessoas. A cena em que conhecemos o vampirão é um exercício tremendo de “O que está dentro do quadro e o que está fora do quadro”, com Skarsgård mantendo o tom cavernoso de Orlok ao nosso redor. O vampiro de Eggers e de Skarsgård é o monstro folclórico e literário na mais intensa expressão – não há redenção, não há empatia. Ele é um apetite, uma máquina de corrupção, praga e bigode.

A terceira força da produção é Lilly Rose-Depp. A filha do capitão Jack Sparrow é talvez o maior acerto de Eggers, que escolhe colocar nela o protagonismo do filme. Uma jovem desesperada por conexão, por contato e por se libertar do horror que é “ser uma mulher no século (insira qualquer século aqui)”. O que Rose-Depp faz traz ecos de Isabelle Adjani em Possessão, misturado com um controle (ou descontrole) de seu corpo e a agonia que sentimos em sua alma. Uma vez ela convidou um espírito para entrar, e o mal nunca mais deixou-a em paz. É, de muito longe, a segunda melhor atuação do ano.

Nosferatu é um filme brilhante, forte e delicioso.



1 – AINDA ESTOU AQUI – Dir. Walter Salles

Como não.

Um povo sem memória é capaz de atrocidades severas. Poderosos sem lei, sem amarras, sem limites então, nem dá para imaginar. Porque não precisamos imaginar, né?

Em 20 de janeiro de 1971, o governo ilegal militar brasileiro sequestrou o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva de sua casa, e ele nunca mais foi visto.

Eunice Paiva, depois de uma sessão exclusiva de tortura, precisou reorganizar sua família, sua vida e tudo o que conhecia para não só se adequar à nova realidade, mas para lutar por justiça e pelo marido desaparecido.

Walter Salles monta um filme cuidadoso, delicado e com aquelas nuances que fazem a gente balançar a cabeça lentamente, com aquela impressão de “já vi”. E chama para o centro dessa História a atriz do ano.

Fernanda Torres realiza um daqueles trabalhos antológicos que define uma época. O carisma infinito da atriz não sai de cena, mesmo quando precisa compartilhar espaço com a melancolia, a desesperança e a altivez de alguém que nunca desistiu de lutar contra algo invencível.

Há ainda espaço para falar da pequena participação do próprio personagem de Rubens Paiva no começo do filme.. É tão genial chamar Selton Mello para o papel, porque é meio impossível tirar Selton Mello da cabeça. Quando ele desaparece, sua ausência fala quase mais alto do que seu jeito bonachão de “pai do ano”.

E no ano de 2024 não houve nada mais avassalador do que o final deste filme. A batalha física, jurídica, nacional e constitucional entre memória e esquecimento, amor e saudade, tudo comprimido num suspiro. Da Fernanda Montenegro, é claro.

O filme do ano é um grito por justiça, e pela lembrança de quem não podia se defender.

Vamos tentar lembrar mais disso em 2025.

Apertem os cintos. Vai ser um ano longo.

Um feliz ano novo a todos!

Comments
  • Elias Nasser

    Excelente lista, críticas e recomendações.

    18 de janeiro de 2025

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