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Na série do Pinguim, Gotham City também é protagonista

Produção estrelada por Colin Farrell e que se passa logo depois dos eventos de The Batman (2022) mostra o submundo e as veias abertas da cidade que é maior que o próprio Homem-Morcego

Por THIAGO CARDIM

Tanto na minha participação no podcast a respeito da nova série animada Batman: O Cruzado Encapuzado quanto no recente vídeo que fizemos pra celebrar o tal do #BatmanDay, reforcei uma das coisas que mais gosto nos gibis do Batman (além do Asa Noturna, claro): quando ele não é o personagem principal. Por mais paradoxal que pareça.

Verdadeira muleta da DC Comics em todas as mídias possíveis e imagináveis, o Morcegão se tornou este elemento tão pop que simplesmente rouba a cena (para o bem e para o mal) toda vez que é colocado no tabuleiro. Justamente por isso, eu adoro, por exemplo, quando Ed Brubaker e Greg Rucka resolvem posicionar o herói como uma espécie de pano de fundo em Gotham Central, que tem o nome do mito sendo sussurrado nas vielas de Gotham City enquanto o departamento de polícia tem que fazer o trabalho sujo em uma cidade infestada de maníacos.

Esta é um pouco a lógica por trás de Pinguim, nova série original do Max e que está diretamente integrada com o bat-universo próprio de Matt Reeves, aquele que nos foi apresentado em The Batman, de 2022, com Robert Pattinson debaixo da máscara. Na verdade, Pinguim – que, obviamente como o nome entrega, é protagonizada pela versão do vilão novamente vivida por Colin Farrell – se passa logo depois do atentado do vilão Charada (Paul Dano) que alaga as regiões mais pobres da cidade, criando uma verdadeira situação de calamidade pública.

É justamente entre os escombros que, lentamente, lutando contra a própria limitação física, Oswald Cobblepot vai tentando escavar os restos e construir seu próprio império, no que resta dos domínios das famílias mafiosas Falcone e Maroni.


Existe vida longe do Asilo Arkham

A escolha do Pinguim para contar uma trama sobre a criminalidade mais pé no chão de Gotham City é muitíssimo acertada, é preciso dizer. Sempre que pensamos no Batman, é comum lembrar de sua galeria de vilões alucinados, um grupo singular de psicopatas com predileção pelas roupas mais escalafobéticas possíveis. Mas o Pinguim sempre foi um tipo diferente de antagonista: um aspirante a chefão do crime que soterra o seu passado de bullying na infância e adolescência com uma postura brutal e cruel.

Sem superpoderes. Sem habilidades especiais. Sem distúrbios psicológicos.

Apenas um cara das ruas.

Aqui, vamos esquecer o terninho desajeitado, a cartola e o guarda-chuva. Com uma deficiência em uma das pernas e uma série de cicatrizes atravessando o rosto, este personagem singular, vivido por um Farrell em entrega completa e absoluta, caminha de maneira errática enquanto tenta ser mais do que apenas um capanga que distribui socos na base da pirâmide. A conversa tensa que ele tem com o herdeiro do império do crime, Alberto Falcone, logo no começo do primeiro episódio, já dá o tom do que esperar a seguir.

Em uma relação disfuncional e freudiana com sua própria mãe, ao mesmo tempo sua dominadora e protegida, ele encontra em um garoto perdido nas ruas da cidade o seu próprio boneco a ser moldado a bel prazer, primeiro potencial soldado de seu exército particular, incentivando sua ambição desmedida – enquanto o tema “família” igualmente se desenrola em outro canto do elenco, com o retorno da psicótica e igualmente cruel Sofia Falcone (o simples olhar da atriz Cristin Milioti durante uma cena específica de jantar com Oswald chega a ser assustador).  

Aliás, vamos lá: este Pinguim é de fato um personagem multifacetado, mas é no máximo uma espécie de coprotagonista de sua própria série. Porque além do ótimo elenco que vai se construindo ao seu redor, a própria Gotham é personagem fortíssimo aqui. A produção de arte eficiente, conectada a uma fotografia tensa, mostra que as ruas, os becos, as pequenas lojinhas, todos têm vida, uma vida que pulsa de maneiras diferentes enquanto os predadores evocam seus desejos rosnando por entre gente tentando viver as próprias vidas.

Estamos falando, no resumo da ópera, de uma produção sobre máfia que tem a sombra do Batman ao seu redor – mas que não se deixa eclipsar por ela. O que é uma EXCELENTE notícia. Pelo menos por agora. Se depender de mim, aliás, que não apareça sequer uma sombra do senhor Wayne ao longo dos próximos sete episódios.

Vejamos o que os próximos capítulos nos reservam.