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As quatro décadas de uma obra-prima chamada Powerslave

Um dos discos que melhor definem o Iron Maiden e o gênero como um todo chega aos 40 anos firme, forte e atual

Por THIAGO CARDIM

Em 1982, quando um baixinho chamado Bruce Dickinson assumiu os vocais da banda britânica Iron Maiden, o grupo experimentou um verdadeiro salto de popularidade, lançando o disco que ajudou a catapultar seu nome para o estrelato: The Number of the Beast. Pouco a pouco, a Donzela de Ferro sairia dos guetos metálicos e, de uma banda de nicho, se tornaria uma banda de grandes estádios.

O disco seguinte, Piece of Mind (1983), os faria começar a experimentar este gostinho da fama, tornando-os headliners em performances cada vez maiores – pela primeira vez, os jovens cabeludos ingleses tiveram a chance de subir nos disputados palcos dos Estados Unidos.

O que ainda faltava? Será que eles conseguiriam seguir em frente nesta trajetória ascendente? Será que eles conseguiriam crescer ainda mais? Para ser grandes, gigantescos, monumentais, lendários, eles precisariam pensar muito maior do que vinham pensando até o momento. E foi o que fizeram. Foi aí que nasceu uma obra-prima. O nome era Powerslave.

Lançado em setembro de 1984, Powerslave já começava épico pela capa, na qual o artista Derek Riggs, ilustrador que foi parceiro da banda durante muitos anos, colocou o rosto de sua criação, o assustador mascote Eddie, na estátua da entrada de um imenso e suntuoso templo egípcio. Tamanha megalomania ajudaria a dar dimensão do que se podia esperar na sonoridade do álbum, um dos mais complexos da carreira da banda.

É fácil, claro, falar de sua ambição sonora ao mencionar os 13 minutos da faixa Rime of the Ancient Mariner, imensa suíte de inspiração progressiva, repleta de diferentes seções e passagens (que a transformam quase como que em uma música formada por diversas músicas) e que é uma adaptação do poema de Samuel Taylor Coleridge sobre um velho marinheiro. Só esta música, favorita dos fãs, já seria o bastante para definir Powerslave. Mas o álbum tinha ainda bem mais a oferecer.

A abertura traz seus dois singles, canções indispensáveis no repertório do grupo até hoje. Quando o ex-primeiro ministro inglês Winston Churchill faz seu famoso discurso ao Parlamento, aquele que colocaria a Inglaterra de vez na Segunda Guerra Mundial, é a introdução ideal para Aces High, um acelerado ode à aviação britânica, continuação da obsessão lírica dos caras por temas históricos.

A guerra também é tema da música seguinte, 2 Minutes to Midnight, alusão apocalíptica à contagem do relógio criado por cientistas da revista Bulletin of the Atomic Scientists, na década de 1950, para mostrar o quanto estávamos perto de um conflito nuclear e de uma catástrofe iminente.

Numa espécie de continuação direta de To Tame a Land, do disco anterior, a faixa-título flerta com melodias orientais para entrar no clima egípcio da capa, explorando a mitologia e criando uma discussão sobre a imortalidade dos deuses e como eles tripudiam sobre nós, os pobres mortais, escravos do poder. Já Back in the Village é a continuação temática de The Prisoner, igualmente inspirada na série O Prisioneiro, da BBC, um clássico dos anos 1960 que misturava espionagem e ficção científica.

Isso sem falar de Flash of the Blade e The Duellists, ambas aparentemente um reflexo do fanatismo de um certo cantor com a mística das espadas (Dickinson é, além de cantor e piloto de avião, também esgrimista. Fala sério que você não queria ser ele quando crescer…ou quase isso?).

A turnê de Powerslave também ajudou o Iron Maiden a quebrar paradigmas – a começar pela invejável produção de palco, reproduzindo a imensa entrada do templo. Foi na poderosa World Slavery Tour que eles se tornaram a primeira banda de heavy metal a atravessar a chamada Cortina de Ferro, bloco formado no Leste Europeu logo depois da Segunda Guerra Mundial, fazendo concorridos shows na Polônia e na Hungria.

Nesta série de shows, Steve Harris e sua trupe atravessaram o oceano e vieram parar na América Latina. Foi este disco que os trouxe para a primeira edição do Rock in Rio, tocando para um público estimado de 300.000 pessoas e semeando uma relação de amor com o nosso país que dura até hoje – até o momento, foram exatas dez turnês por aqui, totalizando 32 shows. Todos sempre lotados.

A grande verdade é que, enquanto The Number of The Beast ajudou a tornar o Iron Maiden popular, Powerslave ajudou a tornar a banda gigante – foi o disco que ajudou a cristalizar o seu status e a sua influência, até hoje sentida e mencionada. Basta um moleque qualquer resolver que vai começar a tocar heavy metal numa banda com os amigos para, bingo!, descobrir que ele tem aquela velha e surrada camiseta do Maiden enfiada em algum lugar do seu armário. Por mais que ele goste de Avenged Sevenfold, sempre vai ter um espaço para a Donzela em seu jovem coração metálico.

Powerslave é o Iron Maiden em sua quintessência. É o ápice do período clássico da banda, antes da saída de Bruce Dickinson. É uma banda em seu topo de criatividade, peso e personalidade. E merece ser ouvido, hoje e sempre. Porque é uma aula não apenas do que representa o Maiden, mas também do que é o bom heavy metal tradicional.

Escute, obviamente, no volume máximo. Porque é assim que tem que ser. Sempre.

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