Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Deadpool & Wolverine afasta de vez a vergonha de ser filme de hominho

Abraçando ainda mais o ridículo do que os filmes anteriores, encontro entre os personagens traz a diversão sem compromissos que sempre prometeu – mas esqueça este papo de “salvação do MCU”. A palavra-chave aqui é LEGADO.

Por THIAGO CARDIM

Tá bom, vamos tirar de vez o mamute da sala: não, este texto não tem spoilers. Maaaaaaaaas, todavia, contudo, entretanto, porém: existem dois motivos pra isso. O primeiro deles é meio óbvio – a respeito da trama, nem teria MUITO mais a contar do que aquilo que já dá pra entender a partir dos trailers. A história de Deadpool & Wolverine, no seu coração, é relativamente simples de acompanhar e sem grandes reviravoltas narrativas. E isso, é bom que se diga, está longe de ser necessariamente um defeito.

Aí, tem a coisa toda das participações especiais. Sim, elas estão lá, são divertidas e são muitas. E, antes de qualquer coisa, elas fazem muito mais sentido do que aquelas que vimos, por exemplo, em Doutor Estranho e o Multiverso da Loucura, só que por um motivo diferente do que você imagina. No entanto, sendo completamente honesto, elas não contribuem tanto assim para o andamento da história (à exceção da Laura, vulgo X-23, já anunciada previamente pela própria Marvel) e poderiam até, para a dor de muitos dos fanáticos, ser devidamente limadas e não fariam falta ALGUMA.

Porque, afinal de contas, este é ESSENCIALMENTE um filme do Deadpool. Sim, isso mesmo. Por mais que tenha “Wolverine” (Hugh Jackman) no título, estamos falando de uma história focada e conduzida por Wade Wilson (Ryan Reynolds).

Pois é. Este é Deadpool 3. E eu explico.

Juro que entendo perfeitamente o motivo do título do filme ser “Deadpool & Wolverine”, ainda mais a esta altura do campeonato do chamado MCU (Marvel Cinematic Universe), tão questionado em suas últimas produções. Wolverine é um nome vendedor, é o mais popular dos X-Men, tão aguardados em sua migração da Fox pra Disney. Excelente ferramenta de marketing.

Se você assistiu aos dois filmes anteriores do Deadpool, prepare-se: este é Deadpool 3. Ponto.

Um filme do Deadpool com mais orçamento, com esteroides, com mais viagens no tempo (que já tinham sido vistas no filme anterior, aliás), com toda a coisa da zona do multiverso e suas múltiplas realidades e linhas do tempo. Mas, no fundo, um filme do Deadpool. Com toda a zoeira, palavrões, violência, nojeiras, escrotidões e piadas questionáveis de quinta série que Ryan Reynolds conduz com maestria (e, em certo momento, percebemos que são INCLUSIVE construídas apenas para que ele chute ao gol e marque com categoria).

Pura baderna e caos encarnado.

Mas a linha-mestra aqui é, antes de tudo, o amor que Wade sente pela família que construiu ao seu redor.  

O Wolverine, no entanto, é a cereja do bolo

Quando Deadpool descobre, por meio daquela mesma TVA que vimos na série do Loki, que a realidade na qual vive com sua amada turminha – e que é, aliás, a mesma realidade dos filmes dos X-Men da Fox, leia-se – está correndo perigo, e que isso pode ter relação direta e reta com o Wolverine, é evidente que ele vai atrás do carcaju para tentar impedir um destino trágico que atende pelo nome de “apagamento da realidade”.

Wade se mete a procurar outros Logans além do seu (que, lembremos, morreu ao final do excelente filme de 2017), encontrando versões que os leitores de gibis vão reconhecer de imediato e que inclusive carregam referências e homenagens diretas aos leitores mais dedicados. Até que ele dá de cara com um Wolverine enchendo a cara e que, segundo consta, é a pior versão do herói. O Wolvie mais fracassado de todos, que cometeu um grave erro em sua própria linha do tempo e hoje procura no fundo de uma garrafa a solução pra culpa que carrega.

A partir de então, Deadpool assume a sua conhecida persona absolutamente insuportável e gruda no homem das garras como um carrapato, em busca de sua ajuda. E a química entre dois, entre tapas e beijos, entre porradaria e xingamentos, em uma rota de colisão que os coloca diante da Cassandra Nova vivida perfeitamente por Emma Corrin, dá o tom da história.

Deadpool e seu (aspirante a) chapa. Quase como um daqueles filmes de buddy cops. Porque é nos diálogos entre os dois, tão diferentes entre si, tal qual Riggs e Murtaugh na franquia Máquina Mortífera, que a trama se constrói DE FATO. O resto é acessório.

Um Logan que encara seus próprios defeitos

Um grande acerto deste Wolverine, mais do que o uniforme amarelo (falamos mais sobre ele daqui a pouco) ou mesmo o inegável carisma de Hugh Jackman, é que ele “desmonta” o Wolverine macho alfa dos anos 1990, principal inspiração, aliás, pras primeiras performances do ator nos filmes dirigidos por Bryan Singer.

Este Wolverine menos “machão” e mais consciente de seus próprios defeitos e fragilidades, é a resposta mais respeitosa possível, aliás, ao Logan mais velho e decadente que vimos encontrar a sua própria família no filme dirigido por James Mangold.

Ao mesmo tempo, e aqui eu PRECISO falar da roupinha extravagante (que funciona bem demais visualmente, que rende ótimas piadas metalinguísticas e que tem até um motivo bastante coerente pra existir, explicado no passado desta versão do Wolverine), estamos falando de um Logan que, como um todo, também abraça o ridículo que seria necessário para estar num filme do Deadpool e não soar deslocado.

Se os dois primeiros filmes já sabiam rir de si mesmos de maneira brilhante, tanto nas quebras de quarta parede quanto fora delas, este terceiro abraça de vez a galhofa. Mas aquela galhofa que não tem medo de gritar, a plenos pulmões, “hey, isso aqui é um filme baseado em gibi. Aliás, pera aí, é um filme baseado em gibi de super-herói. Então, nós vamos ser um filme de hominho sem vergonha nenhuma de ser feliz”.

E eles mergulham nisso de maneira brilhante. Com total e completa extravagância, tal qual produções da própria Marvel como Guardiões da Galáxia ou o segundo Esquadrão Suicida da DC (não por acaso, dois filmes do James Gunn), já tinham arriscado fazer, sem fugir do exagero, das explosões, das cores vibrantes, das lutas incríveis e sem qualquer preocupação com a realidade, da pseudociência estúpida e sem maiores explicações, das frases de efeito, das poses… Tá tudo lá. Até na utilização certeira da trilha sonora, que é muito mais do que apenas “Like a Prayer”, da Madonna.

‘N SYNC é vida, aliás. <3

Enfim, vamos lá, Deadpool & Wolverine é assumidamente um filme de gibi. Para o bem ou para o mal. Goste você disso ou não.

Esquece este papo de Jesus da Marvel!

Tá, eu sei, esta piada é excelente. Mas não leve isso a ferro e fogo. Deadpool não veio para salvar a Marvel. Sim, ele aproveita as liberdades da metalinguagem característica do personagem para zoar Marvel, Disney, Kevin Feige, Vingadores e por aí vai. Só que é um exagero achar que Deadpool & Wolverine chegou não apenas para resgatar o “padrão” Marvel de qualidade mas também para ditar os próximos rumos do MCU…

Se você for ao cinema achando isso, pode guardar as suas muitas teorias na gaveta porque vai acabar se frustrando. Porque Deadpool & Wolverine é um filme construído em torno de si mesmo, por mais que tenhamos aqui e ali aquelas conexões com a série do Loki e outras coisinhas adicionais. Mas… não. A ideia não é esta nem no começo e muito menos no final.

Nada de dicas sobre próximos filmes, sobre um potencial antagonista desta nova fase, sobre o futuro dos X-Men como parte integrante do MCU… Nada. Deadpool & Wolverine chega pra contar um novo capítulo da história do Deadpool. E é extremamente bem-sucedido NESTA missão. No máximo, é Wade que tem uma portinha aberta para o universo integrado da Marvel. E olhe lá.

Os próximos passos do MCU vão continuar sendo um mistério pra você.

Até porque a ideia aqui era, de fato, ser uma bela despedida para a era Marvel na Fox, isso sim. Goste você ou não das duas eras dos X-Men, das duas eras do Quarteto Fantástico, do Demolidor, da Elektra, tanto faz. “Isso é o Deadpool – e Hugh, Shawn [Levy, o diretor] e eu – dizendo adeus a um lugar e uma era que nos fizeram”, escreveu o próprio Reynolds em um tweet emocionado que, no fim, é um baita resumo do filme. “Seremos eternamente gratos ao mundo divertido, esquisito e arriscado da 20th Century Fox. Foi a nossa história de origem e não trocaríamos isso por nada. Obrigado ao Kevin Feige e a Disney por nos deixarem compartilhar isso”.

Mais do que um começo, Deadpool & Wolverine é um fim. Um belo encerramento. Aguardemos então as REAIS cenas dos próximos capítulos.