Sullivan & Massadas: o retorno dos hitmakers aos palcos
Numa noite especial, pensada para celebrar o lançamento de seu delicioso documentário na Globoplay, a dupla se colocou sob os holofotes no comando de um caminhão de sucessos
Por THIAGO CARDIM
Muitos (mesmo) anos atrás, quando eu ainda cuidava dos textos da área de música da finada AOL Brasil, tive a chance de entrevistar, em estúdio, o cantor Lobão. Antes de seus lamentáveis posicionamentos políticos recentes (pode ter se arrependido, mas a gente vai demorar pra esquecer…), pudemos conversar longamente sobre música – em especial a brasileira. Falamos de Sepultura, de Carmen Miranda, de Elis Regina… e de seus alvos favoritos, os grandes medalhões da MPB, em especial Chico Buarque a Caetano Veloso.
A certa altura, ele repetiu uma frase que eu já o tinha ouvido dizer em outros carnavais: “bicho, eu também faço MPB. Porque sou músico e não engenheiro; sou popular e não erudito; sou brasileiro e não americano”. E completou: “na real, eu sou bem mais popular do que estes sujeitos que vivem no contexto da intelligentsia carioca”. Por mais que me doa escrever esta frase, quando pensamos em música popular, no Brasil, não dá pra deixar de dar razão ao Velho Lobo. Afinal, por mais brilhantes que sejam, nossos representantes da Tropicália e afins conversam pouco com o povo, no sentido mais amplo e abrangente da palavra, aquele nos rincões, no interior, nas periferias. O papo é outro.
Mas é preciso fazer um adendo: existe uma dupla de músicos que foram muitíssimo mais populares do que Lobão, Chico ou Caetano. Caras que, de fato, fizeram a real MPB, de acordo com a definição estrita de Lobão. Que já fizeram rock, brega, funk, sertanejo, samba, forró e até música infantil. Sujeitos que dominaram as paradas de sucesso por aqui entre as décadas de 1980 e 1990.
Tô falando, obviamente, de Michael Sullivan e Paulo Massadas. Dois músicos brilhantes que fizeram uma irretocável carreira como compositores. Uma dupla cujo nome virou assinatura de sucesso, tal qual aconteceu com um Quincy Jones em âmbito global (e isso sem qualquer risco de parecer hiperbólico, lhes garanto).
Mas pera, você tá falando sério?
Claro que tô, diacho.
O carioca Paulo César Guimarães Massadas (hoje com 73 anos) e o pernambucano Ivanilton de Souza Lima (74 anos), atendendo desde sempre pelo nome artístico de Michael Sullivan, se cruzaram no cenário artístico entre 1978 e 1979. Ambos eram aspirantes a músicos profissionais, já tinham tocado muito na noite, em bandas de baile, com repertórios fartos e variados. Se meteram a escrever canções juntos e perceberam que ali tinha jogo. Criou-se uma conexão única. Começaram escrevendo pro selo nordestino Jangada, da EMI-Odeon, e depois pra artistas numa pegada que se entende mais como “brega”, como Evaldo Freire, Reginaldo Rossi, Adílson Ramos e José Augusto.Mas a mágica se tornaria realidade quando enfim escreveram “Me Dê Motivo”, clássico na voz do imortal Tim Maia. Dali pra frente, foi sucesso atrás de sucesso. Teve Gal Costa (“Um Dia de Domingo”), Fagner (“Deslizes”), Roupa Nova (“Whisky a Go Go”), Sandra Sá (“Joga Fora”), Roberto Carlos (“Amor Perfeito”)… A lista é imensa, sem esquecer de boa parte da produção musical da Xuxa e do Trem da Alegria, é bom que se diga.
No total, foram quase 700 músicas dos dois juntos – compositores que, em parte de sua carreira, enfrentaram resistência e preconceitos por uma parte da crítica musical, que os acusa de ser meramente “comerciais”. Pura bobagem. “Minha música não tem preconceito e luta por seus direitos. Ela é uma música que representava um país continental – e ainda representa porque continua sendo regravada”, afirma Michael Sullivan, em entrevista para a Veja. “Quando você faz música, você traduz emoções. As pessoas se sentiam – e se sentem até hoje – identificadas com elas”, diz Massadas. “A nossa música foi a trilha sonora de todos os corações”, completa Sullivan.Paulo Massadas consegue descrever bem, de maneira sucinta até, como foi a meteórica carreira do duo. “Imagine que você conseguiu subir a montanha e ficou lá no topo por anos e anos. Depois que você desce há uma sensação de missão cumprida. Nem eu, nem o Sullivan poderíamos imaginar que chegaríamos aonde chegamos. Costumo dizer que fomos sequestrados pelo sucesso. A nosso favor, posso dizer que nunca dissemos ‘não’ para nenhum pedido de música. Desde os artistas mais humildes até os mais consagrados. A gente sempre estava ali para servir. Sabíamos que poderíamos somar de alguma forma com a música brasileira”.
Os homens por trás dos sucessos
Em alguns pontos de suas carreiras, Sullivan e Massadas chegaram a sair de trás da sombra de suas bem-sucedidas composições e assumiram o protagonismo, lançando discos e fazendo shows nos quais eles eram os intérpretes. Mas ali por volta de 1989, eles se separaram. Cada um seguiu seu rumo, mesmo certos do legado e da marca que tinham deixado na nossa música. Até que finalmente tiveram a chance de ser reconhecidos por isso, preferencialmente ainda em vida, graças ao documentário Sullivan & Massadas – Retratos e Canções, disponível no serviço de streaming Globoplay.
O doc, dirigido pelo prestigiado jornalista musical André Barcinski, fez retomar o interesse de mais de uma geração de fãs pelo trabalho dos dois – e, para celebrar este momento, eles quebraram o silêncio de palco que durava mais de três décadas e subiram ao palco do Cine Joia, em São Paulo, no último dia 6 de julho, para uma apresentação especial na qual ELES mesmos, acompanhados de uma banda afiadíssima, tiveram a chance de interpretar seus próprios sucessos.
Numa casa relativamente pequena, o tom foi quase intimista, o que só tornou a apresentação ainda mais especial. Conforme iam se soltando, Sullivan e Massadas iam falando mais com a plateia, provocando o público formado por pessoas das mais diferentes idades, contando histórias… e abrindo o coração. Para dois caras que nunca tiveram vergonha de fazer versos de peito rasgado como “Olho pro casal da mesa ao lado, Beijos e abraços apertados, E eu querendo te dizer muito prazer” (trecho de “Nem Um Toque”, da cantora Rosana), foi demais vê-los perdendo o pudor e declarando seu amor por toda aquela recepção calorosa, pelos gritos, pelos refrões cantados a plenos pulmões…
Ver Sullivan & Massadas ao vivo, assim tão de pertinho, meio que é uma volta ao passado. E nem estou falando apenas do bloco em que eles executaram, com a participação de “Paquitas” convidadas, faixas como “Lua de Cristal”, “É de Chocolate” e “He-Man”, que fizeram aflorar o Cardim de seus 10 anos de idade. Mas todo o restante do setlist teve aquele poder mágico de me fazer sentir o cheiro de achocolatado pela casa, o rádio ligado perfumando cada cômodo, a TV sintonizada em um canal aberto qualquer só pra fazer zumbido, a família tomando café e fofocando esparramada no sofá…
Sullivan incorporando Tim Maia, Massadas incendiando o público ao incorporar um Roupa Nova (o Toto brasileiro) de um homem só… E ambos sem qualquer receio de homenagear, com vozes e personas masculinas, as muitas mulheres que gravaram suas faixas. “Estranha Loucura”, da poderosa mestra Alcione, foi um dos auges da noite.
Me emocionou, real e oficial.
Sullivan & Massadas são parte da nossa vida. Pelo menos, da MINHA vida.
São parte da história da nossa cultura. E que bom vê-los recebendo os créditos devidos por sua habilidade ímpar de fazer excelente música pop – pop, no caso, de popular mesmo. E isso tá longe de ser um demérito. Porque fazer boa música que toque as massas, todo mundo, independente de classe social, time do coração ou religião, é para poucos.
Por mais Sullivan & Massadas nas nossas existências. Por favor.