Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

I’m Just Oscar

Diretamente do CinemAqui, o chapa Vinicius Carlos Vieira estreia uma coluna aqui no Gibizilla pra falar sobre o que faz sentido a respeito da Sétima Arte e adjacências

Por VINICIUS CARLOS VIEIRA*

Talvez de todos os mais de 200 países ou territórios que a premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas é transmitida, somente um tem uma analogia que entende o cinéfilo. Se o ano do brasileiro só começa depois do Carnaval, o ano do cinéfilo também fica congelado enquanto não acaba o Oscar. Mas o que isso realmente quer dizer?

O dia seguinte tem sempre cheiro de ressaca. Um monte de filmes concorrendo, alguns poucos levando as estatuetas para casa. Uma multidão de gente xingando os ganhadores e lamentando os perdedores. É sempre assim. Quem gosta de cinema sabe disso e não vai parar de acompanhar tudo isso, participar de todas as polêmicas e exorcizar o ano que passou através dos envelopes abertos e os “The Oscar Goes To…”. Mas às vezes isso toma um caminho diferente.

Al Pacino surgiu no palco para anunciar a última categoria da noite, abriu o envelope e começou a ler os nomes dos produtores de Oppenheimer. Com o perdão do trocadilho, sem muita cerimônia. Tudo bem, se tem alguém que pode fazer qualquer coisa naquele palco é o Al Pacino.

Foi a sétima vez que alguém ligado ao filme dirigido por Christopher Nolan subiu ao palco na noite de premiação do 96° Academy Awards, vulgo Oscar. Eram 13 indicações, o que já o colocava em uma lista com poucos filmes com mais de 10 indicações. Na verdade nem tão “poucos” assim, com Oppenheimer são 53 produções, mas com somente quatro tendo sido mais lembrados que ele. E se no final das contas isso não parecer significar muitas coisa, é porque não significa mesmo.

Não que o Oscar não seja importante. É e sempre será. É a maior premiação do cinema mundial, por mais que não pareça tão “mundial” assim, mas é. A impressão de que é uma celebração que não parece levar tão em conta o cinema além do umbigo de Hollywood é uma impressão correta, mas que aos poucos vai, com certeza, deixando espaço e esperança para podermos olhar para mais “mundos” através do filtro do Dolby Theater. 

Mesmo com todos equívocos e egocentrismos do Oscar a tentativa de “abertura” da Academia para cineastas de outros países parece começar a dar sinais de resultado. Em todos 96 anos de história do Oscar, 17 filmes não falados em inglês estiveram entre os indicados a Melhor Filme, três deles só esse ano: Zona de Interesse, Anatomia de uma Queda e Vidas Passadas. Esse último não sendo bem um filme estrangeiro, mas ainda assim é impossível não olhar com um tiquinho de otimismo para esse “lado estrangeiro”.


Vidas Passadas saiu sem nenhum prêmio, os outros dois não, muito pelo contrário até. Zona de Interesse, mesmo falado inteiro em alemão, foi representante do Reino Unido e, não só ficou com o Oscar de Filme Internacional, como também roubou Melhor Som de Oppenheimer (que muita gente achava que seria uma barbada). Já Anatomia de uma Queda, como não poderia deixar de ser diferente, levou para casa o Oscar de Melhor Roteiro Original, até porque, qualquer coisa diferente disso seria impensável.

Continuando a turnê para longe de Hollywood, outros três filmes “estrangeiros” levaram uma estatueta dourada para casa. O mais empolgante deles sendo Godzilla Minus One desbancando a “fábrica de sonhos” de Hollywood na hora de premiar os Melhores Efeitos Visuais do ano. Deixando para trás muita gente que gastou algumas centenas de milhões a mais do que o pessoal do Japão.

Um dos outros Oscars para o pessoal de longe de Los Angeles foi para Hayao Miyazaki e seu O Menino e a Garça, seu segundo Oscar, depois de lá em 2003 ter levado a estatueta por seu A Viagem de Chihiro.

Por fim, o quinto estrangeiro veio de uma categoria que demonstrou o quanto é possível se permitir ser globalizado diante do cinema. 20 Dias em Mariupol ganhou Melhor Documentário em uma lista com outros quatro filmes que focavam suas histórias muito além do território dos Estados Unidos. Além de ser uma das categorias mais interessantes para caçar os filmes indicados, é também o sinal de que os cineastas do resto do mundo continuam buscando o cinema como arma para desvendar e descortinar essas verdades que, para muita gente, parecem tão distantes.

Não deveria ser tão distante. Talvez o cinema seja um jeito de cumprir esse caminho.

Mas não deixando a política atrapalhar seus filminhos… mentira, vamos continuar sim! Voltando lá para os filmes vencedores da Premiação da Academia, Pobres Criaturas pode ser considerado o segundo maior destaque da noite, levando quatro estatuetas para casa, incluindo (é lógico!) Melhor Atriz para Emma Stone. Mas será que essa vitória a coloca onde? Ou melhor, será que todos esses ganhadores de estatuetas são os vencedores? Talvez não.

Emma Stone ganhou, mas quem levou uma espécie de “prêmio honorário” com certeza foi Lily Gladstone, “descoberta” pelo público depois de quase 12 anos de carreira e gerações e mais gerações de descendência de povo originário. A segunda questão parece ser mais temerosa para impedi-la de tantos papéis em Hollywood, mas ainda assim é possível imaginar que novas portas se abram para ela.

Gladstone estrelou Assassinos da Lua das Flores, que foi embora sem ganhar nada. Mas foi dirigido por Martin Scorsese e ele deve estar acostumado a esse tipo de coisa. É a 10° vez que o diretor é indicado, ganhou uma por seu trabalho em Os Infiltrados, mas perdeu para trabalhos de gente como Robert Redford, Kevin Costner e até aquele francês de O Artista, que ninguém lembra que existiu.

Ninguém tem qualquer dúvida que Assassinos da Lua das Flores termina o ano como um dos filmes mais importantes e relevantes da temporada, explorando um assunto e expondo uma violência que ficou por décadas escondida sob o tapete dos Estados Unidos. Scorsese varreu isso para fora, não ganhou, mas “levou”.

Scorsese também foi uma das pessoas que se divertiu muito com a apresentação de Ryan Gosling, Mark Ronson (produtor, compositor da música e cara que estava tocando baixo!), o elenco masculino de Barbie e um solo do Slash (aquele cara de… mentira, não vou explicar, esse você deve saber quem é!). “I´m Just Ken” entrou para os anais da cerimônia. Por anos, décadas até, lembraremos da apresentação desse concorrente a Melhor Canção… que não ganhou, com a estatueta ficando com “What I Was Made For?” de Billie Eilish (com o irmão FINNEAS), tornando-a a pessoa com menos idade na história do Oscar a ter dois carecas dourados na prateleira (o outro foi pela música daquele 007 ruim que ninguém viu).

Ninguém irá lembrar de “What I Was Made For?”, mesmo sendo uma música linda que casa com o momento do filme perfeitamente bem, mas todo mundo irá lembrar de “I´m Just Ken”. E se não fosse por Eilish, Barbie sairia da noite do Oscar de mãos abanando. O que isso quer dizer? Nada. Não existe ninguém na frente de Barbie na hora de olhar para 2023 e tentar entender o cinema desse ano. Sem o filme de Greta Gerwing, o próprio Oppenheimer seria menor. É o rosa da Barbie que pintou a temporada. E o fez não só com uma piada visual qualquer, mas com um filme que demonstra o quanto é possível ser divertido e ainda assim provocante e detentor da mensagem mais importante que “meninos e meninas” deveriam pensar a respeito.

O Oscar não precisa da Barbie, ela foi muito maior que qualquer premiação e ele precisa aprender a viver sem ela. Seus fãs também precisam entender o lugar onde tudo está. Barbie não perdeu o Oscar, foi ele que perdeu a chance de estar com a Barbie. Foram seus votantes que, muito provavelmente, perderam a oportunidade de ligar o ano de 2024 com um mesmo laço rosa. 

Mas o mais importante de tudo isso é que enfim podemos seguir em frente agora que 2024 começou.

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* Editor, criador e crítico do CinemAqui, jornalista por formação, escritor por definição e chato por natureza. Viu filmes demais e leu mais quadrinhos do que devia, o resultado foi essa vontade de discutir, entender e se emocionar com ambos. Se tornou crítico de cinema pelo amor à Sétima Arte e continua a cada dia ainda mais apaixonado por cada frame, quadro, quadrinho ou linha escrita.