HQs nas trincheiras de guerras e conflitos
Separamos aqui alguns títulos que nos levam, com humanidade e pungência, para a linha de frente de algumas das principais lutas da história – muitas delas sem mocinhos e bandidos
Por GABRIELA FRANCO
Histórias em quadrinhos, por conta de suas incríveis narrativas gráficas, talvez sejam uma mídia ainda mais intensa ao relatar conflitos e guerras – mas isso não faz com que sejam menos acuradas, principalmente em se tratando de reportagens em quadrinhos. Afinal, algumas delas já foram ganhadoras inclusive daqueles prêmios jornalísticos mais tradicionais ao redor do mundo.
Selecionamos aqui algumas HQs – certos títulos são famosos por serem reportagens em quadrinhos; outros, por serem relatos mais romantizados mas não menos pungentes de conflitos que abalaram e ainda traumatizam a humanidade. Morte, medo, sobrevivência, idealismo e terror, relatados pelas palavras e quadros de artistas fenomenais, muitos deles testemunhas oculares do que aconteceu.
Eis a nossa lista – e se lembrar de mais algum título, pode usar o espaço dos comentários para trazer a sua dica:
CUBA: MINHA REVOLUÇÃO (Inverna Lockpez e Dean Haspiel, com José Villarrubia)
Essa HQ, lançada no Brasil pela Panini Comics, conta a história da Revolução Cubana pelos olhos de Sonya, que com apenas 17 anos, estudando medicina e com o sonho de ser pintora, se voluntaria como guerrilheira na Baía dos Porcos e descobre que os ideais da guerra são muito mais bonitos e nobres em nossas fantasias. A realidade é bem dura e diferente. Começando com a destituição do ditador Fulgencio Batista no primeiro dia do ano de 1959, o gibi retrata parte da Revolução Cubana de Fidel e as lutas posteriores contra exilados anticastristas, além das consequências do novo regime. Obviamente, baseado em uma história real.
ELES NOS CHAMAVAM DE INIMIGO (George Takei e Harmony Becker)
Autobiografia incrível escrita pelo ator, autor e ativista George Takei (o Hikaru Sulu de “Jornada nas Estrelas”) sobre como ele e sua família foram levados a um campo de concentração nos Estados Unidos, como um dos 120 mil nipo-americanos aprisionados pelo governo norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial. Emocionante, poético, brutal, cativante. E contando um episódio que muita gente desconhece e que inclusive o governo dos EUA demorou décadas para admitir que realmente aconteceu em sua tal “terra da liberdade”. Vale muito a pena ler.
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PERSÉPOLIS (Marjane Satrapi)
Uma das HQs importantes e mais marcantes sobre guerra, sem falar diretamente sobre o conflito e sim sobre suas consequências diretas na população. Marjane Satrapi tinha apenas 10 anos quando se viu obrigada a usar o hijab, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita. Vinte e cinco anos depois, com os olhos da menina que um dia foi e a consciência política à flor da pele da adulta na qual se transformou, Marjane emocionou leitores de todo o mundo com essa autobiografia em quadrinhos. Um clássico dos gênero, essa obra mostra a Revolução Iraniana, que depôs o Xá Mohammad Reza Pahlevi – regente de uma monarquia autocrática – e ditou uma república islâmica teocrática, impondo os valores da religião e transformando totalmente a vida dos iranianos.
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FAX DE SARAVEJO (Joe Kubert)
A Guerra da Bósnia ocorreu entre abril de 1992 e dezembro de 1995. O conflito foi um misto de guerra civil e guerra política, com a Bósnia, a Iugoslávia e a Croácia sendo os principais envolvidos. Estima-se que quase 40.000 civis e 50.000 militares morreram durante o conflito. Essa obra narra a experiência do editor de quadrinhos Ervin Rustemagi e sua família, que viveram os horrores desta guerra. Após terem a casa bombardeada por tropas sérvias, causando a perda de uma vasta coleção de originais de grandes artistas de quadrinhos, Rustemagi, sua esposa e filhos buscam sobreviver em um abrigo na cidade devastada. Seu único meio de comunicação com o resto do mundo é um velho aparelho de fax. Foi a partir desses faxes enviados pelo editor que a lenda dos quadrinhos norte-americanos, Joe Kubert, um dos artistas com quem Rustemagi manteve contato, decidiu transformar em HQ os dois anos e meio de privações e medo dessa família numa Sarajevo sitiada.
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ÁS INIMIGO – UM POEMA DE GUERRA (George Pratt)
Talvez a mais bela das obras gráficas desta lista e a única a falar sobre a 1ª Grande Guerra, “Às Inimigo” tornou-se um clássico e uma raridade, hoje em dia só encontrada em sebos. É uma viagem ao passado que perpassa pela 1ª Guerra e até pela guerra do Vietnã. já que se trata das memórias de Hans Von Hammer, (personagem criado por Joe Kubert em 1965) chamado de “Martelo do Ar”, o piloto alemão implacável, francamente inspirado no verdadeiro Barão Vermelho (Manfred Von Richtoffen). Agora já velho, ele revela suas lembranças ao jornalista que está escrevendo um livro sobre relatos da 1ª Guerra. Mas a entrevista toma rumos sombrios já que o próprio entrevistador também é veterano de guerra, mas do Vietnã. É uma de minhas HQs sobre guerra preferida e as aquarelas de Pratt são um verdadeiro desbunde.
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UMA VIDA CHINESA (P. Otié e Li Kunwu)
Obra que mostra o que veio após a Revolução Chinesa de 1949 e como aquele foi se formando o país comunista sonhado por Mao Tse-Tung. Nas montanhas de Yunnan, cujas condições de vida são difíceis, o secretário Li convida a camarada Tao para ir para a cidade, para “fazer a revolução”. Da união de Li com Tao, nasce Xiao Li. Na época da revolução triunfante, o pequeno Li se considera mensageiro de Mao, mas muita coisa vai acontecer na vida de Li e da China. Obra em 3 volumes.
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MAUS (Art Spiegelman)
Não poderia faltar nesta lista. Tornou-se um verdadeiro clássico cult dos quadrinhos ao retratar a história de Vladek Spiegelman, judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, narrada e ilustrada por seu próprio filho, Art. Foi publicado em duas partes, a primeira em 1986 e a segunda em 1991. No ano seguinte, o livro ganhou o prestigioso Prêmio Pulitzer de literatura. A obra é um sucesso estrondoso de público e de crítica. Desde que foi lançada, tem sido objeto de estudos e análises de especialistas de diversas áreas – história, literatura, artes e psicologia.
Nas tiras, os judeus são desenhados como ratos (Maus, em alemão, e alcunha dada aos judeus pelos nazistas) e os nazistas ganham feições de gatos. Esse recurso, aliado à ausência de cor, reflete o espírito do livro: um relato incisivo, pesado e perturbador, que evidencia a brutalidade da catástrofe da Shoah.
Está à venda também Metamaus, onde Art Spiegelman revela todo o processo de criação de “Maus”, com roughs e relatos de seu pai, compilando fotos e memórias do Holocausto.
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PALESTINA (Joe Sacco)
Outro clássico absoluto dos quadrinhos, agora pode ser encontrado em volume único. Relato dilacerante e corajoso do jornalista Joe Sacco, uma reportagem em quadrinhos que ganhou diversos prêmios e é creditada por criar o termo “jornalismo em quadrinhos”. O livro funciona como um diário do autor durante a visita que ele fez à Palestina em 1991, sempre em guerra com Israel. Durante alguns meses, ele coletou histórias nas ruas, nos hospitais, nas escolas e nas casas dos refugiados, presenciando confrontos dos soldados com a população e entrevistando vítimas de tortura e das ocupações ilegais de Israel e todo o confronto da faixa de Gaza. Do mesmo autor, ainda há um relato sobre a guerra da Bósnia em Gorazde, que vale muito a leitura também.
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