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Mina de HQ ganha novo espaço em sua busca por um mercado mais diverso

O que começou como site, ganhou as redes sociais e virou newsletter de curadoria agora vai se tornar uma revista impressa – para que o maior público possível encontre, leia e pense quadrinhos

Por THIAGO CARDIM

Quando abri meu papo com a Gabriela Borges, editora-chefe do site Mina de HQ, de imediato pedi para ela descrever do que se tratava a iniciativa, assim, pá-pum, em poucos caracteres, Twitter style. E ela foi certeira: uma mídia independente e feminista, com perspectiva de gênero, sobre histórias em quadrinhos. “Acho que é o jeito que eu consegui pra definir melhor o que é a Mina de HQ. E desta perspectiva, eu optei por falar sobre quadrinhos feitos por mulheres e pessoas não-binárias”, afirma ela, nesta entrevista exclusiva pro Gibizilla.

Surgida em 2015 como parte de uma pesquisa pessoal, acadêmica, da própria Gabriela, que fez um mestrado na Argentina em antropologia sobre a representação da mulher e dos discursos de gênero nos quadrinhos argentinos, a Mina de HQ se tornou um projeto maior, cheio de frentes. Mas todas elas com o objetivo claríssimo: fazer com que mais pessoas leiam quadrinhos e também com que quem já lia quadrinhos, que leia quadrinhos mais diversos.

“Ainda vivemos num mercado, principalmente mainstream, muito dominado por homens. Por mais que tenhamos avanços, que as coisas estejam mudando…”, explica ela. “E tem muito quadrinho bom sendo produzido, no Brasil e no mundo. Principalmente independente, graças à internet, às redes sociais, aos meios de autopublicação. A gente vê uma produção muito efervescente aí nesta última década. Muita coisa aconteceu nestes últimos 10 anos. E a internet possibilitou este acesso a produções muito diversas”.

Porém, para deixar claro o recorte, ela não gosta de falar que o Mina é um site para o “público feminino” ou então que só fala de obras que tenham como objetivo conversar com mulheres. Longe disso. “Não quero de maneira nenhuma isolar os trabalhos. Assim como um quadrinho feito por homem, tipo um Maus, um destes clássicos, não é necessariamente um quadrinho feito para homens só porque foi feito por um homem. Então, não vejo que exista um mercado para o público feminino”. Ela reforça que mulheres sempre leram quadrinhos – e, obviamente, se inclui nesta afirmação. “Eu sempre li quadrinhos, desde criança, até os quadrinhos pornô que meu irmão herdou do meu avô. É o público feminino lendo quadrinho. Talvez a internet tenha ajudado as mulheres a terem mais acesso aos quadrinhos feitos por mulheres. Mas sempre existiram mulheres, pessoas negras, LGBT fazendo quadrinhos. Sempre teve. Agora a gente sabe mais destes trabalhos, tem mais acesso direto aos autores. E talvez isso inspire mais autores a produzirem. E aí acho que temos mais pessoas lendo, não só mulheres. Por conta do acesso, da curiosidade, os muitos formatos possíveis”, opina.

“Se é pra botar luz num grupo, sobre suas produções, é uma coisa. Caso contrário, a gente volta pro erro da marginalização de grupos sociais. Reforçando uma visão machista e patriarcal da coisa”, completa.

Mas aí, vem a pergunta inevitável: afinal, QUEM acessa a Mina de HQ hoje? Gabriela recorre ao recorte binário que as plataformas digitais permitem, as áreas de analytics do Google, do Instagram, enfim, que excluem dados mais específicos sobre mulheres trans, homens trans, não-binários. E falando especificamente do recorte homens e mulheres, a audiência ainda é 80% de mulheres. “Queria muito que tivessem mais homens seguindo a Mina de HQ. Não estou fazendo um trabalho para o público feminino. Estou fazendo um recorte EDITORIAL. Se você gosta de ler quadrinhos, boas histórias, por que não ler o que está no Mina de HQ? Sempre falei com todo mundo, sempre fui atrás dos caras. Eu sei que falta um interesse de ampliar o olhar, furar a bolha e ler histórias mais diversas”.

A busca por estas histórias com mais diversidade, aliás, parte de um processo de curadoria bem ativo e pessoal, da própria Gabriela (que, sim, é quem faz basicamente tudo na raça, sozinha). “Eu vou atrás e vou seguindo. E no Instagram, por exemplo, é muito legal porque você busca uma pessoa, segue e dela você recebe opções para seguir diversas outras. É um trabalho diário, eu brinco que nunca paro de trabalhar”. Junte isso ao processo das sugestões vindas de leitores e principalmente das próximas autoras e, bingo, a editora do site tem sempre um bom material pra trabalhar…

Além disso, ela também faz uma pesquisa mais aprofundada, lendo outros canais, livros, para ir ampliando esta antena e se mantendo sempre ligada. “E a curadoria não é só dos quadrinhos. Por exemplo, a newsletter quinzenal, que mando tem mais de um ano, não é só HQ. Ali são links, coisas que leio, vídeos, que são interessantes para pensar os quadrinhos sobre uma perspectiva de gênero. Não só ler, mas pra pensar”.

Pois depois de site, newsletter, muita coisa exclusiva em redes sociais, agora o Mina de HQ vai virar REVISTA, em um projeto já financiado pelo Catarse. “A revista nasce de um sonho meu como jornalista de ter uma revista impressa”, ela confessa. Eu não gosto de pensar que o produto impresso tem mais valor do que o digital. Mas é uma materialização, apenas. É muito bacana, muito legal, tenho uma biblioteca cheia de livros”. Cá entre nós… vindo de alguém que já tentou publicar algo impresso inúmeras vezes, te entendo totalmente, hahahahahaha.

Mas como a Mina de HQ faz cinco anos agora em 2020, veio a ideia. “Lá em abril, eu convidei 18 artistas, que têm a ver com a história da Mina, com as quais já fiz coisas, para escreverem histórias inéditas. Muitas vieram com a temática da pandemia, do isolamento social que a gente tá vivendo, é um retrato deste ano. Juntei tudo isso, pensei que tinha um material bacana e pensei em comemorar também com uma revista impressa. Convidei uma amiga designer para fazer o projeto editorial e também outras mulheres que escrevem sobre quadrinhos para fazer textos para a revista. Juntei tudo isso e montei a revista”.

O projeto reúne artistas como Aline Zouvi, Germana Viana, Sirlanney, Cecília Tangerina, Helô D’Angelo e Lovelove6, entre outras.

Trata-se de uma edição especial, comemorativa, número 1, mas a ideia é a partir do ano que vem fazer DUAS por ano. “A revista sai mesmo só em dezembro, mas nesta pré-venda a gente sente o retorno, vendo que está alcançando outros públicos, outros tipos de leitores. Tô bem empolgada, consegui alcançar a meta quase 15 dias antes de acabar a campanha. O objetivo principal aqui é de ter a grana pra impressão, claro, mas é importante ter este espaço e este momento para falar do projeto para as pessoas”.

Daí para virar um SELO efetivamente, talvez seja um pulo? A Gabriela confessa que gostaria DEMAIS. “Fiz até um curso de publisher no começo do ano, para entender melhor isso. É algo que eu não entendo ainda, não sou editora de quadrinhos, a parte financeira, de investimento. Mas eu tenho MUITA vontade de ter uma editora independente, auxiliar as artistas na publicação dos quadrinhos. É um desejo que não vem de agora, é algo que vem de antes da revista. Tô até conversando com algumas pessoas para ver o que acontece”. Tamos aqui de dedos cruzados!

Pra completar o papo, pedi a indicação de CINCO artistas legais para ela, pessoas que a turma que acessa o Gibizilla DEVERIA seguir.

Bennê Oliveira > “Conheci talvez fim do ano passado, é muito talentosa, faz um trabalho incrível. Ela é de Recife, a mãe dela é empregada doméstica, então ela faz um trabalho que conta muito do dia a dia das empregadas. Ela fez a capa da revista Mina de HQ, inclusive. Publicou umas coisas com a Piauí, enfim. Gosto muito”.

Helô Rodrigues > “Ela é de Belém. Cara, ela tem uma narrativa muito legal, bem regional. A gente é de São Paulo, ler um quadrinho de uma mulher de Belém, traz tanta coisa diferente, outro repertório, dos sotaques, das gírias… Ela é super talentosa nos traços, nas histórias…”.

Carol Ito > “Minha amiga já há muitos anos. Mas ela faz um trabalho MUITO legal. Ela é uma das organizadoras do Políticas, que também tem uma segmentação de quadrinhos políticos feitos por mulheres e pessoas não-binárias. Carol faz quadrinhos sobre política, sobre sexo e como ela é jornalista, também faz jornalismo em quadrinhos. Tem estas referências diversas no trabalho dela”.

Sofia Andreazza > “Gosto muito. Ela é de Sorocaba. Ela fala sobre representatividade lésbica e feminismo no trabalho dela, um traço lindo. Uma artista que tá ganhando bastante espaço. Legal botar uma luz num trabalho de alguém que tem esta vivência, que traz as referências de um jeito muito legal. E não é como se a gente tivesse muito estas referências aí”.

Vitorelo > “Talentosíssima, não-binária. Ela é pesquisadora de gênero e tanto no traço quanto na narrativa, ela questiona bastante os padrões de gênero. É muito legal acompanhar os trabalhos dela e sair da caixinha. Tá crescendo muito, tecnicamente falando, e traz tanto este repertório de vivência quanto de pesquisa para os quadrinhos dela”.

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