Xaveco: quando ser protagonista é o de menos
Finalmente chega a Graphic MSP do meu personagem favorito da Turma da Mônica – e o quadrinista Guilherme de Sousa entendeu exatamente as muitas camadas possíveis da abordagem recente do garoto com penteado em forma de chave
Por THIAGO CARDIM
Como aconteceu com cerca de 97,3% da população brasileira da minha idade (fonte: DataCardim), as HQs da Turma da Mônica foram um elemento primordial na minha alfabetização. E à medida que eu ia migrando de “minha avó lê para mim” para “eu leio para a minha avó”, tinha a clara certeza de que o meu personagem favorito era… o Cascão.
Quando pulei da infância para a adolescência, passei a ler menos as revistinhas de linha e mais os especiais, principalmente aqueles que faziam paródias de clássicos da cultura pop. Aí a minha relação com o Cascão começou a mudar. E quando me tornei adulto e, logo depois, virei pai, é claro que voltei aos gibis tradicionais, mais fininhos e baratinhos. Mas algo mudou ali. Porque quando comecei a ler para os MEUS filhotes, a partir dos anos 2000, outro personagem começou a me chamar atenção. E me apaixonei pelo Xaveco.
Foi justamente na época em que, mais do que um coadjuvante genérico, ele se tornou um conceito. Os roteiristas da Mauricio de Sousa Produção entenderam que ali tinha uma piada com potencial de se tornar recorrente. O garoto secundário que queria se tornar protagonista, que era capaz de qualquer loucura pelos holofotes. E eu pirei com aquela coisa toda meio metalinguística, que ganhou ainda mais corpo nas animações. A ponto de, assim que saiu a primeira leva de títulos do selo Graphic MSP, eu prometer pra mim mesmo: este jornalista especializado em gibis vai virar roteirista só pra escrever a sua própria reinterpretação do Xaveco.
Na real, vou confessar, eu tenho até uma sinopse estendida da história devidamente escrita. Mas o emprego número 1 foi me atropelando e nunca consegui transformar isso em algo além de um arquivo guardadinho no computador…
Até que chegou 2023. E o sonho do Xaveco – e, bom, o meu também – se tornou realidade. Ele ganhou sua própria publicação de prestígio, com o título de “Vitória”. E não, diferente do que alguns amigos meus apostaram, eu não morri de ciúmes da obra do Guilherme de Sousa (que não, não é parente do Seu Mauricio). Pelo contrário. Eu corri pra comprar a minha edição. Devorei em menos de 1 hora assim que chegou em casa. E, além de gargalhar largado em alguns momentos, me emocionei mais do que imaginei nos pontos em que o autor, cara, entendeu EXATAMENTE como desdobrar o personagem em mais camadas do que apenas uma piada habitual.
Porque o Xaveco é mais do que um moleque esquisito de cabelo em forma de chave. O Xaveco sou eu. E você. As redes sociais estão aí pra comprovar isso. Somos nós em busca da validação não apenas de pessoas conhecidas, mas também de completos estranhos. Sem perceber que, no fim, o que importa de fato pode ser mais simples e estar mais perto de nós do que sequer suspeitamos nesta caçada por likes.
Justamente por isso, fiquei muito feliz quando, na entrevista exclusiva que concedeu ao Gibizilla, o Guilherme disse com todas as letras: no fim das contas, somos todos Xavecos. “Todo dia recebo mensagens de leitores dizendo o quanto se identificaram com o personagem, seu drama e como sua trajetória os inspira e emociona”, diz ele. “Fico realmente encantado com mensagens assim, principalmente por Xaveco: Vitória ser uma obra que ao produzir, pude buscar inspiração também na minha própria infância. Quando pequeno, quase sempre, me sentia excluído, sem importância ou sem talento. Sonhava com o dia em que pudesse mostrar a todos do que eu realmente era capaz. Acredito que essa é uma condição que quase todo mundo já passou (ou passa). Ver essa questão sendo trabalhada numa história em quadrinhos é uma maneira de dizer ao leitor que já enfrentamos dramas parecidos, e que logo logo, de um jeito ou de outro, vai ficar tudo bem”.
Tomara, Gui. Tomara.
Tem um Xaveco dentro de todos nós
Além de uma conexão que remete à própria infância, Xaveco também se conecta ao Guilherme por conta de um episódio envolvendo justamente a linha Graphic MSP. “Uma coisa que poucos sabem é que, em 2016, o Sidão (Sidney Gusman, editor da iniciativa) me chamou pra fazer uma Graphic. Na ocasião era um outro personagem. Fiquei extremamente feliz com o convite e passei uns bons meses trabalhando conceitos e ideias”, revela o quadrinista. “Mas o tempo passava e eu e o Sidão não chegávamos num consenso. Acabou que simplesmente não conseguimos conciliar nossas diferenças criativas e ele precisou passar a Graphic pra outro artista. Fiquei anos encarando o ocorrido como a maior derrota da minha carreira como quadrinista”.
Dá claramente pra correlacionar o episódio com o Xaveco desenhado no traço cartunesco e amplamente sorridente do Guilherme, conhecido pela série de gibis “A Última Bailarina” e pelas HQs “Você Não me Conhece” e “Trabalho de História”. O Xaveco de olhar arregalado em busca do sucesso nas pistas de corrida, naquela que sente ser a sua “última” de chance de receber o reconhecimento devido no Bairro do Limoeiro.
“Então, ano passado (2022), quando Sidão voltou a me procurar, fiquei feliz principalmente por ver que ele não havia desistido de mim”, confessa o autor. “O convite é algo que pega todo artista de surpresa. Comigo não foi diferente. Quando recebi a ligação do Sidão e me dei conta que se tratava de um convite pra fazer a Graphic do Xaveco, tentei manter a conversa e as emoções sob controle, mas a realidade é que eu já tava suando horrores e com as pernas tremendo”.
Imediatamente após desligar o telefone, Guilherme deu início a uma pesquisa sobre o personagem. Assim como contei no começo do texto, ele também já conhecia o Xaveco, mas era um Xaveco diferente. “Digo, cresci lendo quadrinhos da Mônica e só parei em meados dos anos 1990, quando migrei para as HQs de super-heróis”. Naquela época o Xaveco era literalmente um simples coadjuvante e ainda não havia desenvolvido todas as características pelas quais hoje é de fato conhecido. “Então, após o convite pra Graphic, precisei redescobrir o personagem e, pra minha felicidade, quanto mais eu lia, mais eu me apaixonava por esse ‘novo’ Xaveco e seu universo”. Super entendo, Gui. <3
Quanto mais lia e pesquisava, mais empolgado o roteirista e desenhista ficava. “Isso porque o Xaveco, com seu jeito cheio de humor e drama, é o tipo de figura que um roteirista simplesmente ama trabalhar. E a coisa só melhora quando você conhece os personagens que orbitam o Xaveco, como seus pais, a Xábeu, a dona Xepa, a Denise… São todos maravilhosos e ótimos para criar conflitos, situações, dramas e piadas. Ou seja, ser o escolhido para fazer a Graphic do Xaveco fez eu me sentir o quadrinista mais sortudo do mundo!”.
A Dramédia da Família X
No início da produção, Guilherme revirou parte da sua própria coleção em busca dos antigos quadrinhos da Turma da Mônica nos quais pudesse encontrar participações do Xaveco. “Depois, fui atrás de material na web. Algo que eu não esperava era descobrir uma quantidade enorme de canais no YouTube onde pessoas narram as histórias em quadrinhos da Turma da Mônica”, diz. “Consegui ler/assistir um número expressivo de histórias do Xaveco, muito mais do que se eu tivesse ido apenas atrás de edições impressas ou mesmo scans”. Além disso, ele buscou também as animações da Turminha, os longas animados e por fim, os dois live actions.
Mas ele conta que, para esta Graphic, duas HQs de linha do Xaveco foram primordiais: “Um doente, sua irmã e a grande competição de cuspe a distância!” e “A avó do Xaveco”. Spoiler: talvez sejam, de longe, as histórias mais legais dos gibis padrão envolvendo o personagem e valem DEMAIS a leitura também.
Guilherme explica ainda que, desde o começo, queria que a história fosse sobre esse menino querendo se provar para o mundo, mas também que fosse uma dramédia familiar. “Como mencionei, o núcleo familiar do Xaveco é simplesmente incrível. Seus pais, Xavier e Xarlene, são os únicos pais divorciados nas revistas de linha da turminha. Xabéu, sua irmã mais velha e linda, pela qual todos os garotos da rua têm uma queda. Dona Xepa, a avó meio senil e sem papas na língua. Enfim, esse leque de personagens ao redor do Xaveco era puro ouro e eu não podia deixá-los de fora”.
Então, além dos próprios gibis do loirinho em busca da fama, ele explica que suas principais inspirações foram obras com dramas familiares e comédias da TV como “Anos Incríveis”, “Mundo da Lua”, “Blossom” e “Full House”. Nos quadrinhos, ele buscou beber da fonte de “Calvin & Haroldo”, “Peanuts” e da melancolia das obras do canadense Michel Rabagliati, como “Paul em Casa” e “A Canção de Roland” (alô, alô, Comix Zone!).
#JustiçaParaXaveco
“Confesso que eu não fazia ideia de que o personagem tinha essa enorme fanbase”, explica Guilherme. Ah, mal sabe ele do poderio dos Xavequers… “Quando descobri, me senti mais motivado ainda a fazer essa Graphic da forma mais perfeita e incrível possível. Ainda assim, sempre me preocupei em criar uma obra que pudesse ser divertida, tanto para fãs de longa data do personagem, quanto para leitores que nunca tinham ouvido falar dele”. Spoiler pra quem ainda não leu Xaveco: Vitória – ele conseguiu. 😉
Sobre a hashtag #JustiçaParaXaveco, uma verdadeira febre no movimentado Twitter oficial da Turma da Mônica, Guilherme lembra que a Graphic Xaveco: Vitória é a primeira publicação protagonizada pelo Xaveco em seus quase 60 anos de existência. Sim, ele já foi capa aqui e acolá algumas raras vezes, mas sempre em edições especiais republicando histórias que, no fim, não eram EXATAMENTE dele. “Então…. acho que finalmente a justiça foi feita!”.
No fim, eu tendo a concordar. Porque, apesar do título, Vitória não é uma história sobre medalhas ou títulos. É sobre alguém que enfim descobre que sua maior plateia já torce por ele há muito tempo. E que somos todos, de alguma forma, protagonistas de nossas próprias narrativas, cheias de pequenos e grandes defeitos, exatamente como nós mesmos.
Ah, e sobre a MINHA história do Xaveco? Bom… quem sabe um dia? 😉
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