O livro sobre um herói qualquer, que saiu depois da adaptação pra HQ
“Um cara como outro qualquer”, da dupla de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, seguiu um caminho incomum, bastante adequado a uma obra igualmente incomum
Por THIAGO CARDIM
Eu confesso: sou, antes de tudo, um apaixonado pelos bastidores da cultura pop. Amo os filmes, as séries, as histórias em quadrinhos… Mas gosto tanto ou talvez ainda mais das histórias por trás destas histórias. Porque em certos casos, por trás das páginas, elas rendem enredos tão saborosos e épicos quanto aqueles que a gente vai ler no produto final.
Este é, por exemplo, o caso do livro Um cara como outro qualquer. Publicação da Padaria de Livros, ele é escrito pela dupla recorrente Marcus Aurelius Pimenta e José Roberto Torero, o “dono” da editora. Por sinal, este último, um #Familia013 legítimo como eu, autor do sempre lembrado “O Chalaça” (falsa biografia/diário de Francisco Gomes da Silva, secretário do imperador D. Pedro I), completa com esta obra a marca de 60 livros publicados. Mas a obra, selecionada no no edital ProAC 2022, demorou belos oito anos pra sair… quer dizer… para entrar no papel.
Na trama, José da Silva, o Zé, é o tal cara qualquer, que trabalha numa banca de jornais e, por conta de um “acidente cósmico-cômico”, ganha poderes de vários super-heróis. Mas, ao contrário de Homens-Aranhas e Super-Homens, o novo super-herói não tem antagonistas clássicos. Não há supervilões, monstros, aliens e nem meteoros vindo em direção à Terra. Então, o que fazer com aqueles poderes? Tirar gatos de árvores? Conquistar garotas? Combater o crime? Virar presidente do Brasil?
Legal, né?
Mas a história de como isso aconteceu é bastante curiosa, justamente porque envolve um gibi (olha só) no meio do caminho.
Cara caramba cara caraô
O livro começou a nascer quase uma década atrás, quando Torero pensou em fazer um romance em que um amigo particular, já perto dos sessenta anos, se transformava em super-herói. “Fiz o livro, mostrei para o tal amigo e ele não gostou nada. Mas o pior é que o romance não ficou muito bom. Então resolvi mudar tudo”, explica Torero, em entrevista exclusiva aqui pro Gibizilla. “Chamei o Marcus Aurelius Pimenta para escrever comigo (já fizemos cerca de 30 livros juntos, para adultos e crianças) e mexemos em toda a história”.
Por exemplo: o personagem principal passou a ter uns vinte anos, idade mais próxima da média dos personagens heróicos de HQs. E o tema deixou de ser “O que fazer frente a inevitável morte?” e tornou-se “O que fazer da sua vida?”. Segundo o escritor, pode parecer que são temas próximos, mas ele acredita que são opostos. Tão opostos que eles passaram um baita tempo buscando uma editora interessada em publicá-lo, mas sem sucesso. “As editoras não sabiam se era uma obra para jovens ou para adultos”.
Doce ironia…
O ponto é que, no meio do caminho, o livro teve um filho. Ou melhor, um sobrinho: a HQ Super-Zé, que funciona como uma livre adaptação da história. Os desenhos são de André Bernardino e Romi Carlos, e as cores, de Fabi Marques. “Gostei muito de fazer a HQ, porque ela fica no meio das duas coisas que mais fiz na vida: literatura e cinema”.
Pois então. A adaptação do livro foi publicada ANTES do livro. A versão apenas e tão somente escrita (ou, como ele diz, “desilustrada”), foi lançada só em 2023, dois anos depois, ao aproveitar um prêmio do ProAC, a legislação de incentivo à cultura do estado de São Paulo (“pegamos a vigésima e última vaga, ufa!”, conta ele) para enfim ver a luz do dia.
Mas livro é livro, HQ é HQ
Sem dúvida, e com isso o Torero concorda integralmente. “Romance e HQ ficaram bem diferentes, porque a linguagem acaba influindo na história”, explica. Por exemplo, a HQ tem mais ação e menos pensamento, tem mais soluções visuais e menos sacadas verbais, etc. “Até o final ficou diferente, porque, na HQ, fiz um final que sugere uma continuação, mas, no livro, preferi um arremate mais, digamos, realista”.
Ele e Pimenta fizeram juntos o argumento da HQ, embora o roteiro final tenha sido apenas de Torero, já que o parceiro estava com um outro projeto em mãos. “Antes disso, nós dois éramos virgens em HQ. Para compensar nosso noviciado, chamamos uma turma experiente para a ilustrar a história”.
E agora, depois do lançamento, quase uma década depois, quando Um cara como outro qualquer acontece de vez, quais são os próximos planos? “Vender a história para a Netflix e passar uns anos nas Bahamas”, diz. Mas completa, logo depois: “Não, é brincadeira. Prefiro a Bahia”.
No campo da literatura, Torero e Marcus estão reescrevendo O Chalaça, aquele primeiro e premiado livro, que vai fazer trinta anos em 2024. “E estou pensando em fazer uma HQ com pequenas histórias, de uma página ou duas, sobre a pandemia”.
E não é que quando o bichinho do gibi pica vocês, queridos autores, é definitivamente pra valer… ? 😉