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Barbie é uma divertida ode capitalista ao feminismo

Hey, não me entendam mal: eu AMEI o filme. Ele é tudo que os trailers prometeram e, na real, bem mais até. Só que, quando acaba, o coração fica tão quentinho e a cabeça meio encucada… E isso é ÓTIMO.

Por THIAGO CARDIM

Há muito, mas muito tempo MESMO, eu não via um grande blockbuster da ensolarada Hollywood gerar uma onda de empolgação tão grande quanto aquelas que os filmes com super-heróis da DC e principalmente da Marvel vinham causando há mais de uma década. Mas aconteceu. Barbie veio com força, com ou sem Oppenheimer pra fazer o combo, e o cor de rosa tomava conta dos memes e dos comentários entusiasmados nas timelines de redes sociais a cada notícia e trailer que se seguiam.

Pois eis que o filme ENFIM chega aos cinemas na próxima quinta-feira, dia 20 – e já digo, para você acalmar a sua alma, que vale MUITO a pena. É divertido o suficiente pra te arrancar gargalhadas. É emocionante o suficiente pra te fazer se derreter. E é crítico e até cínico o suficiente pra “cumprir” um importante papel social (embora eu prometa que vá falar um pouquinho mais profundamente sobre isso mais pra frente).

Já deixo claro que Barbie NÃO é um filme infantil. É, sendo totalmente honesto, um filme para mulheres maduras que curtiram a Barbie quando eram crianças; um filme para homens (e isso vale para TODOS, inclusive este que vos escreve) que precisam ouvir umas verdades jogadas na cara; e, conforme um dos vídeos promocionais mais recentes prometia e eu até duvidei que fosse cumprir, é TAMBÉM um filme para pessoas de todas as idades que, sim, odeiam a Barbie.

Uma história simples, antes de qualquer coisa

Existe um mundo de imaginação chamado Barbielândia. Uma espécie de universo paralelo no qual as bonecas assumem formas reais e interpretam as brincadeiras inventadas por suas humanas no mundo real. Lá, as mulheres, em toda a diversidade possível, é que comandam a vida, em um ambiente cheio de positividade, alegria e empoderamento, com Barbies assumindo os principais papéis de uma sociedade idílica. Até o dia em que a Barbie Estereotipada, a Barbie que representa o que se pensa quando vem a pergunta “afinal, o que é Barbie?”, Margot Robbie em pessoa, começa a enfrentar uns estranhos questionamentos dentro de sua cabecinha…

Em meio a uma existência perfeita, seria este um mau funcionamento? A boneca tá com defeito? Conforme explica a Barbie Estranha (Kate McKinnon, simplesmente sensacional), a resposta deve estar na conexão entre este brinquedo e sua criança, lá do outro lado. Portanto, ela acaba partindo em uma missão no mundo real, devidamente seguida por seu apaixonado Ken (Ryan Gosling). E quando aporta por aqui, numa realidade bem menos rosa e muito mais cinza, ela descobre que as mulheres estão longe de viver o universo de sonhos que se vê na Barbielândia. Ela rapidamente descobre a ansiedade, a depressão, o preconceito, a objetificação. E aí então o filme rasga o tecido da fofura e faz algumas das risadas serem de puro nervosismo e frustração.

O que vem a seguir não é uma trama absolutamente complexa e imprevisível, em especial quando entram em cena as personagens de America Ferrera e sua filha. Ali a gente MEIO que já sabe o que deve acontecer. Mas digamos que a diretora Greta Gerwig, com larga experiência no cinema independente e autoral, sabe como acrescentar camadas bem interessantes ao ambiente pop da marca, reinterpretando, ressignificando e atualizando o ícone platinado.

Num elenco de estrelas, inclusive algumas que acabam sendo apenas pontas de luxo (o que não é nem de longe um problema), quem comanda a ação de fato é a dupla Margot Robbie e Ryan Gosling. Ambos deixam claro o quanto foram as melhores escolhas pro papel.

A protagonista Margot – que, em outros papéis, já mostrou bom potencial de interpretação – aqui abraça a canastrice sem pensar duas vezes. Afinal, se trata de uma boneca que vive o tempo de sorrir e que, ao ser atropelada pela vida real, vê a sua vidinha de plástico desmoronar. Assim, ela alterna entre hilariantes momentos de lágrimas de pura cafonice e tocantes passagens de emoção VERDADEIRA. A sequência em que ela encontra uma senhorinha num ponto de ônibus (vivida por ninguém menos do que Barbara Handler, filha da criadora da Barbie e inspiração real para a boneca) e descobre que as pessoas, sim, envelhecem no nosso mundo, ao se deparar com um rosto marcado pela idade, é tão sutil e delicada que, de verdade, merecia muito mais destaque.

Já o Ryan dá, sendo absolutamente franco, um show à parte aqui. Em muitos momentos, mesmo cercado de outras ótimas estrelas, ele simplesmente rouba a cena. Com um belíssimo timing cômico, ele encarna com requintes de deliciosa breguice um sujeito que não consegue entender o seu papel no mundo e acaba ficando ridiculamente encantado quando chega em um lugar no qual os homens é que comandam a ação. Ostentando um visual que é quase uma homenagem ao Bret Michaels (vocalista da banda Poison), ele se transforma na cristalização nítida da masculinidade frágil e tóxica. O porta-voz absoluto do patriarcado, entre carrões e cavalos.

Os machos no filme da Barbie
Os machos no filme da Barbie

Ah, mas nem todo homem…

Pois então. A respeito do impacto da história sobre as mulheres, vou deixar o texto da Gabi (que você pode ler BEM AQUI) falar por si mesmo. No meu caso, no entanto, quero ressaltar que SIM, para o desespero de uma parcela de sujeitos em seus fóruns e cortes absurdos de podcasts, o filme da “Barbie” é sobre FEMINISMO. É sobre diferença de gêneros. É sobre o papel da mulher e sobre como é difícil ser mulher, com cobranças vindas de todos os lados, empacotadas em todas as formas e tamanhos.

Conversar com as mulheres na saída da sessão vai dar a dimensão de que, de uma forma ou de outra, TODAS vão se identificar com as dificuldades que a Barbie descobre no mundo real dos pensamentos de morte e da celulite (assistam ao filme e vocês vão entender a referência).

É meio óbvio que vai ter uma galera chamando de “lacração”. Isso já estava claro, era esperado, comportamento padrão. E se VOCÊ é uma destas pessoas da turminha das pílulas vermelhas e chegou neste texto, bom, não apenas nem deveria estar neste site como sequer deveria ter qualquer interesse a respeito do filme da Barbie, né? Volta pro Google, procura por “Campari” e se divirta trocando receitas com os coleguinhas.

Agora, sobre os homens com um mínimo de noção da realidade, em específico, preciso dizer que os muitos Kens estão ali para falar DIRETAMENTE com você. Por vezes você pode pensar que as situações ali satirizadas são meio “óbvias”, que “isso eu já sabia” e que “nem todo homem”. POIS ENTÃO. Apesar de óbvios, os conceitos retratados pela Greta PRECISAM ser ditos. Porque, por se tratar de uma obra com potencial imenso para furar uma determinada bolha, existe ali uma excelente chance de esfregar mensagens importantes na cara de quem ainda não teve a chance de chegar até elas. E também de RELEMBRAR muitas delas pra quem já acha que sabe tudo mas, no fim, no cotidiano, não entende porcaria nenhuma.

Entre os muitos Kens do filme (incluindo aí um herói e um vilão da Marvel, além do próximo Doctor Who), sejam eles os bonecos de plástico da Barbielândia ou os executivos da Mattel liderados por um naturalmente histriônico Will Ferrell, eu vi amigos meus. Colegas que já trabalharam comigo. Sujeitos que estudaram comigo na escola, na faculdade. Uns caras da turma dos quadrinhos, do RPG. Diabos, eu vi A MIM MESMO. Nas grandes e nas pequenas coisas, tanto faz. O machismo está ali, enraizado até onde você menos imagina. Aquele cara ridículo pode ser você. Aliás, ele muito provavelmente É VOCÊ sim.

“Barbie” não é um tratado profundo sobre feminismo. E nem pretende ser. Mas, tal qual muitas mães fazem numa aparentemente inocente brincadeira de criança, o filme traz discussões importantes travestidas sob um ambiente aparentemente lúdico. Plantando sementes, um passo de cada vez.

E sobre o futuro?

Teremos, no fim, um novo MCU a caminho, um Mattel Cinematic Universe?

O filme, em si, não deixa pistas nem para uma continuação, o que dirá para ISSO (não, não tem qualquer cena pós-créditos, já tirem o cavalinho da chuva).

Ainda é cedo para dizer se, além da própria Barbie e seus muitos coadjuvantes que têm potencial para produções solo (só vem, Allan!), a empresa de brinquedos vai de fato se empolgar pra valer e conectar, conforme muita gente vem teorizando em tom de brincadeira, Max Steel, Hot Wheels e a bagaça toda numa linha narrativa coesa como a Marvel vem fazendo.

Mas nada que uns bilhões em bilheteria global não ajudem a decidir rapidinho…

Só que tem um pedaço do título desta resenha que não ficou claro…

Ora, ora, então depois de tantos elogios, você deve estar pensando que eu poderia ter apenas batizado este texto como “Barbie é uma divertida ode ao feminismo” e estava tudo bem, né? Pois então. Infelizmente, não. Ah, você pode dizer então “pô, é um filme de um grande estúdio, é um produto, é claro que é capitalista, tudo é capitalismo, até este site que você faz”.

Calma, calma, que eu explico. Quando o filme acabou, eu estava feliz da vida, sem exagero. Sorrisão de orelha a orelha. Coração quentinho, até porque o final é muito fofo (não de um jeito bobo e infantilóide, mas sim costurando as ideias com simpatia e empatia para com os personagens que realmente importam) e tudo super bem amarradinho. Legal demais. E ainda consegue ser cirurgicamente questionador, ora bolas. Como não amar?

Só que aí fiquei pensando “caramba, como diabos a Mattel e a Warner toparam uma parada destas?”. Afinal, temos piadas e mais piadas, uma cutucada atrás da outra, não apenas com a própria trajetória da boneca enquanto ícone cultural, mas também com a empresa que é dona de sua marca. E até mesmo com a própria Warner, que é alvo de CHISTE em uma tirada tão hilária que eu vou simplesmente evitar comentar aqui para não te tirar a graça. Na real, até a própria Greta Gerwig ri de si mesma em uma frase que é sacanagem explícita com uma das maiores críticas feitas ao seu trabalho – quem acompanha a filmografia dela, vai sacar de imediato.

Então, conhecendo empresas como conhecemos, sabendo bem como é o mundinho corporativo e seus bastidores, como diabos os engravatados concordaram em ser tão zoados, assim, aberta e livremente? Só o questionamento franco e aberto a respeito da falta de mulheres no board de diretores da Mattel seria o bastante para se tornar um pesadelo de relações públicas aqui.

A solução é mais simples do que parece: capitalismo. Ele é a resposta. O filme vai ser, de acordo com a primeiras prévias, uma explosão de bilheteria. Vai dar dinheiro a rodo pra Mattel, pra Warner, vai vender camiseta, acessórios, obviamente bonequinhos e bonequinhas. Portanto… o capitalismo concorda em rir de si mesmo desde que seja dentro de um ambiente controlado o suficiente para que isso gere cifrões e não dores de cabeça. Se fazer “autocrítica” está na moda, se vai atiçar os humores no Twitter, pois façamos e está tudo bem.

Não se engane: a gente fica feliz – e COM RAZÃO – ao ver estas mensagens na telona. Deixei isso bem claro lá pro meio do texto. Mas tudo ali tem um motivo. É a Barbie rindo da Barbie para poder vender mais e mais Barbies.

Com isso eu estou dizendo pra você NÃO ver o filme? Mas é óbvio que não. Só vai. Mas que isso é uma questão, ah, isso é. E bem válida. E se você TAMBÉM sair pensando sobre isso, além de todas as outras coisas que o filme naturalmente provoca, digamos que vai te dar sentimentos conflitantes, sem dúvida. Mas vai ser duplamente positivo.

É “política”, que chama. E tá em tudo. Inclusive numa vida de plástico, que é – ou deveria ser – fantástica (um beijo pra quem pegou a referência). E se você acha que tô problematizando demais… bom, talvez você não tenha lido textos o bastante do Gibizilla, né? 😊

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