Os gurus da surf music fazem show ensolarado em uma São Paulo chuvosa
Depois de 26 anos longe do Brasil, Hoodoo Gurus traz performance nostálgica e emocionante na abertura da turnê nacional
Por GABRIELA FRANCO
(publicado originalmente no site IGORMIRANDA.COM.BR)
Crédito das fotos: André Santos
Os australianos do Hoodoo Gurus desembarcaram em São Paulo nesta última quarta-feira (12), matando a saudade dos fãs que esperaram 26 anos desde sua última visita, em 1997, no antigo Metropolitan, no Rio.
Sucesso nos anos 80/90 com suas baladas de surf music, a banda formada pelo notável vocalista Dave Faulkner – que já não ostenta a vasta cabeleira de outrora, porém a voz continua incrível – veio QUASE em sua formação original, trazendo Richard Grossman no baixo e o excelente Brad Shepherd na guitarra solo. Apenas o baterista, Nik Keith, que vem substituindo Mark Kingsmill nas baquetas desde 2015, é “novidade” para os brasileiros nos palcos.
A turnê internacional vem divulgar seu mais novo álbum, Chariots of The Gods, lançado em março de 2022 e ainda engloba outras cidades brasileiras, como Porto Alegre (13/4), Rio de Janeiro (14/4), Curitiba (15/4) e Florianópolis (19/4).
Descobrindo os Gurus
O Hoodoo Gurus foi um dos pilares do chamado australian rock dos anos 80/90, que conta com bandas como Midnight Oil, Spy vs Spy, Men at Work, Gang Gajang, entre outras, e que acabaram ganhando a pecha de “surf music” porque afinal, australianos.
Mas obviamente os estilos musicais de cada uma extrapolavam o estereótipo. Spy Vs Spy sempre caiu mais para o ska; já o Midnight Oil sempre teve uma postura muito mais política e engajada do que apenas servir de trilha sonora para vídeos de surfe do canal OFF. Estas bandas, cada qual a seu modo, foram importantes para colocar a Austrália no mapa da música pop de massa, daquelas que tocavam nas rádios, faziam shows com estádios lotados e estreavam clipes na MTV da época.
No caso do Hoodoo Gurus, o estilo sempre mais voltado para as baladas melódicas, com arranjos intrincados de cordas, letras românticas ou que falam de liberdade, amizade e outros relacionamentos humanos, tudo embalado com riffs de guitarra que lembram em muito os clássicos da surf music dos anos 60 e uma bela separação de vozes nos vocais, bem ao estilo Beach Boys.
O tenor alto de Dave Faulkner, inclusive, é característico na banda e parte indissolúvel de sua identidade.
Os Gurus ao vivo
O show deste 12 de abril em São Paulo mostrou uma banda que não perdeu em nada sua essência. Foram carismáticos – falaram em português em grande parte da interação com o público – e estavam musicalmente impecáveis, apesar da acústica da Vibra São Paulo não ajudar muito.
Logo nas primeiras músicas, A Place in the Sun e a ótima Another World, já deu para notar que a equalização estava ruim. A segunda, em especial, tem uma introdução marcante de violão que ficou praticamente inaudível, tirando grande parte do punch da canção.
Para quem não se lembra, o Vibra São Paulo é a antiga Credicard Hall, conhecida justamente por possuir uma péssima acústica, até que o mestre João Gilberto deixou isso bem claro no show de inauguração da casa em 1999 e o estigma pegou (se provando verdadeiro, infelizmente).
Dito isso, a impressão foi que, ao longo do show, o som foi melhorando, mesmo estando deveras baixo para um show de rock – e creio que isso tenha tido inclusive impacto no engajamento do público. No repertório, clássicos como Out That Door, Night Must Fall, What’s My Scene, I Want You Back, Bittersweet e ainda outros de começo de carreira como Tojo, Poison Pen e Like Wow – Wipe Out que são dos primeiros discos, Stoneage Romeos e Mars Need Guitars, de 1984 e 1985 respectivamente.
Também não faltaram canjas do novo álbum como a ótima Don´t Try to Save My Soul, Carry On e a canção título Chariots of The Gods.
Outro grande destaque vai para o guitarrista solo Brad Shepherd, que fez um show à parte (inclusive largando a guitarra e assumindo a gaita em determinado momento), com solos e riffs incríveis em uma performance memorável justificando a longa espera dos fãs brasileiros pela banda.
Sobre o público dos Gurus
Uma questão que merece ser analisada é justamente a platéia do show, composta em sua grande maioria de pessoas de meia-idade, provavelmente 40+. Foi um show para quarentões e eu me encaixo na categoria. Alguns foram acompanhados de pessoas mais jovens, provavelmente pais querendo compartilhar um momento nostálgico com os filhos, sobrinhos e agregados.
Mas a grande maioria era de homens maduros, alguns saídos até diretamente do trabalho, ostentando o famigerado terno e camisa social, a gravata provavelmente guardada no bolso, para se ter um minuto de liberdade e soltar a voz curtindo sua banda favorita.
A resposta da audiência, todavia, não foi das mais animadas – isso não tem nada a ver com idade ou com o tipo de música da banda. Do meu lado, já cobri shows de bandas dos anos 80/90 o suficiente para saber que a razão não tem nada a ver com isso. Creio que a falha no som e o desânimo do público talvez tenham afetado a banda, que entregou um show impecável, porém pragmático.
Os poucos momentos que DE FATO incendiaram a sala foram justamente durante a performance dos grandes hits da banda, os que tocaram nas rádios por aqui e o bis com as conhecidíssimas e amadas Come Anytime e 1000 Miles Away.
Alí sim, a platéia cantou junto e se fez audível, mas durante o restante do show eu podia ouvir perfeitamente pessoas conversando entre si e isso, o que, sinceramente é inadmissível em uma performance ao vivo em local fechado: se estou em um show ao vivo, a música precisa preencher o local justamente abafando sons alheios e que fazem nos lembrar da realidade.
Pairava no ar uma energia do tipo: “O que eu fiz da minha vida? Deveria ter largado tudo e ido morar numa kombi e surfar na Austrália”.
Mas, independente disso, Hoodoo Gurus continua sendo o bom e velho Hoodoo Gurus e isso é uma delícia. Faço votos de que, nos demais shows em outras cidades, tudo funcione e seja perfeito, como o som e a performance que eles oferecem.
Longa vida aos Gurus.
Observação: Uma iniciativa que vale uma nota é que a Associação de Surfe da Grande São Paulo e a Associação de Surf da Rocinha, no show do RJ, estarão recebendo equipamentos de surfe usados para o projeto Surfista Solidário, que ajuda jovens carentes a ingressar no esporte. A entrega dos equipamentos garante desconto no ingresso. Pude observar algumas pessoas com pranchas de surfe logo na entrada em São Paulo e isso aqueceu bastante o coração.
SETLIST
A Place in the Sun
Another World
Don’t Try To Save My Soul
Out That Door
Night Must Fall
Carry On
Tojo
If Only…
The Right Time
Chariot of The Gods
Come On
I Want You Back
Poison Pen
Equinox
Castles in The Air
What’s My Scene
Miss Freelove ’69
Bittersweet
Like Wow – Wipeout!
BIS
I Was the One
Come Anytime
1000 Miles Away