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Raphael Salimena

Raphael Salimena: terapia em quadrinhos na linha do trem

Batemos um papo exclusivo com o autor do encadernado “É o que tem pra hoje”, Raphael Salimena, cujas tiras circulam loucamente pelas redes e das quais você PROVAVELMENTE já riu em algum momento

Por THIAGO CARDIM

“Seu riso está garantido… desde que você encontre a piada”. A frase, utilizada no material de divulgação da coletânea de tiras É o que tem pra hoje, lançada pela Editora Draco, faz TOTAL sentido. Tal qual acontece com Paulo Moreira, o trabalho do quadrinista e cartunista Raphael Salimena (lembrado por alguns pela alcunha de “Linha do Trem”, graças ao nome de seu blog original de quadrinhos) se espalha furiosamente por aí.

Inevitavelmente, sou metralhado pelas tiras de ambos nas redes sociais, no WhatsApp, até mesmo no e-mail do trabalho corporativo número 1 já rolou. Mas se a obra do Paulo me arranca gargalhadas de imediato com seus diálogos certeiros e uma leitura tipicamente brasileira da cultura pop, ler algo escrito e desenhado pelo Salimena me traz aquela sensação de “hahahahahaha-aaah eita pera aí, fodeu”. É humor crítico, nonsense e que, honestamente, muitas vezes nem é humor mesmo.

“Desde que voltei a fazer tiras diárias, eu me proponho a ser o mais fiel possível ao que tá na minha cabeça, sem qualquer curadoria. Nem com humor eu tenho compromisso, ainda que obviamente muitas tiras têm proposta cômica”, explica o autor, em papo exclusivo com o Gibizilla. “Mas meu lance é pegar situações, sentimentos ou sensações que me intrigam de alguma forma e botar pra fora. Porque se aquilo é interessante pra mim eu acho que pode ser pra mais gente também”.

Salimena diz que muitas vezes nem sabe direito porque aquilo o intrigou, qual é a mensagem, ou sem se é que tem mesmo alguma mensagem. “Então respondendo honestamente, o assunto mais comum e o fio condutor sou eu, hahahaha. É um exercício narcisista e terapêutico mesmo”. Por entre comentários cotidianos, filosofia barata, política, o Coronguinha, aquela série hypada da vez e gatinhos fofinhos, em alguns casos ele até deixa este exercício mais claro e se desenha como personagem, tornando tudo muito mais metalinguístico. “Mas na própria capa do livro achei melhor assumir que essa é a natureza do material ali. Então acho que de certa forma essa já é a obra temática (sobre produzir gibis)”.

Raphael Salimena
Raphael Salimena

Mas enfim, é o que tem pra hoje

Além das histórias Vagabundos no Espaço e Argos – um fim do mundo muito louco (em parceria com Leo Martinelli), esta é a segunda compilação de tiras da série Linha do Trem que Raphael Salimena publica pela Draco. Mas, neste caso, estamos falando de material que acaba sendo novo pra muita gente. “Eu comecei a mandar minhas tiras exclusivamente pra assinantes no início de 2020. São 5 por semana, mais de 200 por ano, e a maioria delas é inédita pro público geral, então acaba sendo uma fórmula legal pra transformar em livro”.

Portanto, esse É o que tem pra hoje é o primeiro livrão retirado desse processo e reúne todas as tiras feitas nesse primeiro ano, em ordem cronológica.

Ele conta que teve a sorte de começar o esquema de assinatura para financiamento coletivo um mês antes da pandemia começar e do público abraçar a ideia. “Porque isso não só me segurou durante esses anos, mas se tornou meu trabalho principal. Eu já vivo de quadrinhos há algum tempo (meu segredo é morar no interior de MG e não ter carro nem filhos, jamais conseguiria isso em uma capital) mas agora os quadrinhos autorais são o carro-chefe e isso me deixa muito feliz”, explica ele.

Raphael conta ainda que a relação com o seu grupo de assinantes é a melhor possível, porque é um ambiente mais fechado entre pessoas interessadas no seu trabalho e isso permite largar um pouco aquela dinâmica (que sabemos bem) nefasta de redes sociais. “Produzindo pra quem me lê todos os dias eu não preciso me preocupar sempre em situar leitores desavisados, posso investir em algumas sacadas de continuidade entre as tiras, troco ideia com a galera pelo e-mail. É um lance meio fora dessa correria, um espaço mais pessoal, quase que analógico ainda que digital. Eu adoro”.

Mas, claro, acaba sendo inevitável que mesmo as tiras exclusivas para apoiadores acabem se espalhando por aí depois. Só que isso tá longe de ser um problema pro autor, vamos lá. “Em toda tira que eu mando tem uma mensagem dizendo que quem assina pode postar onde quiser. Queria que espalhasse mais ainda, hahahaha”. No entanto, ele reforça que tentou durante muitos anos disponibilizar tudo que faz pro máximo de gente possível. Foram 14 anos fazendo tira de graça pra internet, até parar pra pensar “peraí, HQs são o trabalho que eu gosto de fazer e o que eu faço melhor. Não faz sentido eu fazer isso de graça enquanto me estresso fazendo ilustrações que não têm nada a ver comigo”.

Portanto, esse foi o formato em que ele conseguiu de fato viabilizar isso como uma profissão. Maaaaaaaaaaaaaas… “Quero que as tiras continuem andando pra todos os cantos”, carimba. Então, pode parar de se sentir culpado por mandar aquela tirinha sobre o passarinho reclamando do humano arrombado que romantiza o ato de voar (você sabe qual é) no grupo dos amiguinhos. <3

Raphael Salimena
Raphael Salimena

E o que tem pra hoje é do tipo que não tem frescura

Nas redes sociais, principalmente no Twitter, o Raphael não apenas mostra a sua arte, mas se posiciona bastante a respeito de questões sociais e políticas. Não raro, a gente vê por aí os tweets do @linhadotrem viralizarem e não necessariamente tendo seus quadrinhos (que, sejamos francos, são carregados de teor crítico, é bom lembrar), mas sim apenas postagens de opinião. Será que isso de alguma forma já te trouxe dor de cabeça como artista, propriamente dito?

“Nossa, de jeito nenhum!”, crava ele. “É um lance meio ‘o ovo e a galinha’. Eu não tenho dor de cabeça justamente porque isso seleciona meu público. Quem cai no meu perfil já sabe que tipo de pessoa, de artista e profissional eu sou e isso me poupa de muitos aborrecimentos depois”.

Ele lembra que Twitter isso fica bem claro, mas o Instagram é uma rede que ele usa menos, então acabava entrando lá só pra postar as tiras mesmo. “Só que na eleição (Nota do Editor: aquela na qual o Lula ganhou e a familícia foi despejada, que fique bem claro), eu decidi usar todos os meios possíveis pra falar de política com as pessoas. E tinha gente no Instagram que não fazia ideia de quem eu era, mesmo que meu trabalho faça uma boa apresentação (é aquele lance do leitor de X-Men homofóbico, né)”.

Pois cê já imagina o que aconteceu. “Quando veio aquela enxurrada de mensagem antifascista, um povo pegou muito ar, hahahaha. Mas terminou tudo bem e o block existe pra ser usado”. =)

Pois ‘bora aprender como usa isso, né, minha gente?

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