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13 Discos de 2022 - Black Pantera

13 Histórias de 13 Discos de 2022

‘Bora apertar o play em álbuns que eu escutei, experimentei, cantei e amei – e as histórias por trás deles, de Blind Guardian e Avantasia a Dropkick Murphys e Black Pantera, passando por Ratos de Porão, Fantastic Negrito e MC Tha

Por THIAGO CARDIM

Estamos oficialmente em novembro. E conforme o final do ano se aproxima, começam ELAS, as famigeradas listas de “melhores do ano”, em especial da turminha que trabalha com jornalismo musical. É um exercício que os coleguinhas ficam aguardando ansiosos – e nesta eu me incluo desde sempre, confesso. Mas, falando especificamente de discos, desta vez eu preferi começar a trabalhar com um olhar diferente. Ou melhor, “olhares”, no plural mesmo. Porque esta tá longe de ser a ÚLTIMA listinha que vou publicar a respeito do que andei ouvindo em 2022, já aviso.

Conforme venho fazendo desde 2014, criei um board no Pinterest e uma playlist no Spotify para registrar tudo que ouvi, em termos de discos inéditos, ao longo do ano que agora se encaminha para a sua reta final. Foi muita coisa e ainda tem MUITA COISA a caminho. Mas achei que neste momento em que vivemos, depois de tudo que aconteceu naquele domingão dia 30 de outubro, quando reencontramos as urnas eletrônicas, faria sentido REVISITAR algumas obras deste ano com certo significado especial para este que vos escreve. São discos, no fim, com boas histórias pra contar antes mesmo do play.

Sejam bem-vindos! <3

1) Jardineiros (Planet Hemp)

Era uma vez… uma banda carioca que, 22 anos depois, achou que ainda tinha muito a dizer com novas canções. “O momento político cobrou nossa volta”, explica o vocalista BNegão numa entrevista pra CNN Brasil. “Muitas pessoas nos falaram que criaram interesse para ter consciência social por causa das primeiras letras do Planet Hemp. Então a galera cobrava muito: Cadê vocês no meio dessa confusão toda que o Brasil tá passando?”. Pois aí estão eles.

E o que eu achei? Olha só, é fundamental analisar o álbum do Planet Hemp sob dois pontos de vista. O primeiro deles, claro, é o musical propriamente dito. É um disco que vai além do rock e dos flertes com o rap que sempre caracterizaram a banda. Tem um punk de sabor hardcore mais poderoso aqui, tem um trap ali, tem um ragga soando acolá. Rola até um groove de funk, daquele carioca mesmo. É uma bolacha bem diversa, ainda mais pela quantidade de participações especiais, de Criolo ao Tropkillaz, passando pelo retorno (muito bem-vindo) do chapa Black Alien, que fez parte do grupo no passado. E aí tem a coisa das letras. Se você é da turma que o Planet só sabe falar sobre maconha, talvez este disco ajude a mudar a sua opinião. Mais do que nunca erguendo suas vozes contra a opressão, ainda mais furiosos e raivosos, eles falam de política, de religião, de vida e morte.


2) A Paranormal Evening with the Moonflower Society (Avantasia)

Era uma vez… um maluco alemão que se viu, em plena pandemia, trancado em um novíssimo estúdio que montou em casa e que, entre brigas no Instagram com gente escrota que era contra o uso de máscaras, encontrou a oportunidade de se encontrar criativamente. “Toda a minha vida é baseada em ideias e sonhos infantis, dos quais surpreendentemente eu ainda consigo me safar”, explica Tobias Sammet, a mente criativa do Avantasia, em comunicado oficial. “Mesmo depois de 30 anos, a música é meu hobby favorito, maior e único. E o fato de poder viver disso me enche de profunda gratidão”. Com mais tempo do que nunca em mãos, ele construiu o disco com calma, prestando atenção aos detalhes como era nos primeiros anos da banda. “Nos últimos discos, terceirizei algumas coisas para meu produtor Sascha Paeth, principalmente para economizar tempo. No entanto, agora eu não tinha que economizar tempo. Nunca houve disco que soasse tanto como eu”.

E o que eu achei? Definitivamente, o melhor lançamento da banda desde “Ghostlights”, de 2016. Dá pra definir o álbum com algumas palavras-chave – e a primeira delas é PESSOAL. O disco conceitual, que vai para uma pegada que mistura Tim Burton com Alice no País das Maravilhas, coloca a tal Moonflower Society como protagonista, um grupo de inspirações artísticas, as musas da criatividade do autor, sua luz diante de um cenário de trevas. Isso fez com que as vozes se tornassem, antes de tudo, as personagens principais deste disco, tornando-o quase INTIMISTA. À exceção da enorme faixa de encerramento, “Arabesque”, Tobias opta por diminuir o aspecto épico e megalomaníaco tão presente no Avantasia, tirando aquelas muitas camadas de corais e orquestrações. Com foco nas performances, o álbum se torna também mais EMOCIONAL, com canções que rasgam o peito em entregas menos gritadas e mais cadenciadas, quer seja nas baladinhas, nos power mais acelerados, nas canções anos 80 com tecladinho safado… Tem pra todos os gostos.


3) This Machine Still Kills Fascists (Dropkick Murphys)

Era uma vez… um bando de beberrões de Boston que jamais deixaram de lado suas raízes de punks antifascistas e, justamente para celebrá-las, foram buscar inspiração em um músico cujo violão atacava fachos muito antes de Iggy Pop sonhar em se juntar aos Stooges. Por isso, em seu primeiro disco totalmente acústico, deram vida a letras nunca gravadas de Woody Guthrie, um ícone da folk music que, lá nos anos 1940, já falava sobre opressão e o poder da classe trabalhadora unida – sempre tocando um instrumento com a frase “This machine kills fascists” escrita nele. “Como uma arma contra a ignorância ou o ódio, a música pode lançar uma rede tão ampla em termos de alcançar as pessoas e atrair sua atenção, mais do que um artigo de notícias ou algo assim”, diz Ken Casey, principal vocalista dos Murphys, em entrevista pro site Guitar.com. “Não sei se estaríamos prontos para fazê-lo mais cedo. O plano era fazer este álbum há 20 anos, desde que fomos aos arquivos do Guthrie [em Nova York, na época]. Mas se tivéssemos feito isso quando falamos a respeito pela primeira vez, provavelmente teria sido um álbum que soaria como nossas coisas normais. Foi definitivamente um desafio quando chegamos ao estúdio e decidimos não usar amplificadores”.

E o que eu achei? Simplesmente sensacional. Porque, ainda que seja um disco acústico na raiz, ele tem a assinatura dos Murphys por todos os lados, soando nitidamente punk e absolutamente irlandês, ecoando como de costume seus ancestrais, os imigrantes que ralaram o traseiro na brita pra fazer os EUA serem o que são. E o mais legal é que TAMBÉM soa como o trabalho de Guthrie, pra você que já teve a chance de ouvir o cara, uma espécie de proto-Bob Dylan mais virulento. Um disco no qual as letras são protagonistas, estão em destaque e são emolduradas por violões que sabem encontrar o equilíbrio entre raiva e ternura. No fim, o disco soa como uma imensa máquina do tempo que conecta Murphys e Guthrie, mesmo com as diferenças esperadas entre a vida dos trabalhadores de outros tempos e de hoje, mas justamente evidenciando o que existe de similar entre estes músicos e, claro, o que infelizmente ainda não mudou na vida de quem AINDA é massacrado pelo capitalismo.

4) The God Machine (Blind Guardian)

Era uma vez… uns alemães que ficaram conhecidos como “bardos”, justamente por sua obsessão em retratar o seu olhar sobre as mais diferentes histórias de fantasia para o mundo do heavy metal. Uns caras que ficaram durante ANOS completamente obcecados com um disco de canções originais gravadas com uma orquestra – e que, em 2019, finalmente aconteceu. Mas depois de “Legacy Of The Dark Lands”, eles precisavam seguir em frente. E encontrar sua sonoridade. Ou talvez reencontrar. O que mudou tudo? “O coronavírus”, diz o guitarrista André Olbrich, em entrevista para a revista Tuonela. “Acho que isso é um ponto chave porque, naquele momento, para mim, todo o meu entorno e o mundo mudaram. Parecia mais difícil, quase como mudamos para uma espécie de modo de sobrevivência. Tivemos que nos tornar mais duros, mais intensos. Tudo parecia um pouco caótico e, para mim, parecia autêntico escrever músicas mais pesadas e brutais naquele momento. Então, eu acho que esse álbum realmente capturou o espírito do tempo, o momento como nos sentimos agora e isso é o que sempre está em nossa música. Este álbum mais rápido parece natural para nós mas, por outro lado, nunca planejamos fazer um álbum retrô ou copiar os velhos tempos”.

E o que eu achei? Muita gente diz que este é quase como o “Imaginations From The Other Side” de 2022 e eu tendo a concordar. Sim, é um disco que soa como Blind Guardian, inegável, mas muito mais metal e menos espadinha. Mais na sua cara, mais direto e reto, menos cheio de exageros, de pompa e circunstância. É mais guitarra, baixo e bateria do que qualquer outra coisa. Claro que temos canções inspiradas em Deuses Americanos, do Neil Gaiman, ou então na saga A Crônica do Matador do Rei, de Patrick Rothfuss, ou mesmo em The Witcher e Battlestar Galactica. Mas tem algo mais sombrio por trás de tudo isso, lidando com as modernas caças às bruxas, o ambiente de paranoia, guerra e mesmo com a morte da mãe do vocalista Hansi Kürsch. O resultado é dinâmico mas também agressivo, entregando algumas das canções mais rápidas e brutais do Guardian em muitos anos.

5) Of Kingdom and Crown (Machine Head)

Era uma vez… uma banda americana que, desde os primórdios, carregou consigo a pecha de “salvação” do metal americano. Ao longo dos anos, eles fizeram seus sons do jeito que bem entenderam, navegando do thrash pro tal do nu metal sem preocupações e, depois do brilhante “Unto the Locust” (2011), muita gente só esperava que eles fossem daquilo pra cima – até que veio o bastante criticado (e melódico) “Catharsis” (2018), que fez o vocalista e líder Robb Flynn repensar seus próximos planos. “Eu sempre quis fazer um álbum conceitual – na verdade, tentei e descartei a ideia porque às vezes tem aquele prazo final da gravadora e eu simplesmente não senti que a história era forte o suficiente”, explicou ele, em entrevista pro site Metal Injection. “Com este álbum, não tínhamos isso realmente pairando sobre nós porque veio o lockdown e uma pandemia e ninguém sabia quanto tempo a merda iria durar. E então isso meio que me deu mais tempo para ajustar a história. E a história ficou bem ajustada. Quando eu originalmente comecei esse conceito, era um arco de história muito americano. Era mocinho contra bandido, mocinho vence. Não havia nada de ruim nisso. Mas eu simplesmente não conseguia me conectar a ele”. Eis que então Flynn, que se autodefine como um nerd fanático por animes, se inspirou em Attack on Titan, que ele assistia com os filhos, pra fugir da obviedade. Quem é o herói, quem é o vilão? Ninguém sabe muito bem.

O próprio músico explica a história do disco. “Estamos em um mundo futurista distópico violento e devastado, no qual onde o céu está sempre manchado de vermelho carmesim. A trama gira em torno de dois personagens. O personagem número um, Ares, perde o amor de sua vida, Ametista, e inicia um ataque assassino contra as pessoas que a mataram. O personagem número dois é Eros, que perde sua mãe para uma overdose de drogas e, em sua espiral descendente, se radicaliza graças a um líder carismático e sai em sua própria fúria assassina – e ele é uma das pessoas que matou Ametista. E assim as letras detalham como suas vidas se entrelaçam”.

E o que eu achei? Brilhante. Genial. Talvez um dos melhores álbuns da carreira do Machine Head, pau a pau com o próprio “Unto the Locust”. É um disco, antes de tudo, muito BONITO. É climático, te coloca na história quase que imediatamente, além de ser bastante complexo, com muitas camadas sonoras. Tem melodia, tem refrões que te fazem cantar junto, riffs que você acompanha de bate-pronto no air guitar. Mas está longe, muito longe, de ser um disco leve. É uma cacetada, é uma bolacha igualmente PESADA, cheia de violência, que chega com sangue nos olhos e a faca no meio dos dentes trincados. Você fica nitidamente em dúvida entre apreciar a música e bater cabeça – na dúvida, faça os dois.

6) Special (Lizzo)

Era uma vez… uma diva do pop que, aos pouquinhos, começou a se destacar em um cenário apinhado de tantas divas do pop. Mas ela era (e ainda é) diferente do padrão que a “indústria” sempre obrigou as divas pop a seguirem. Com muita personalidade e talento, a moça foi fazendo as coisas do seu jeito e forçando os engravatados a engolirem seus preconceitos. E então, eis que ela resolveu lançar um álbum que é uma espécie de manifesto para que todos possam se sentir, a seu modo, especiais. “Apenas aceite tudo que eu sou”, diz Lizzo numa entrevista pro podcast de Zane Lowe. Ela afirma que sua fama faz com que ela possa usar sua “incrível plataforma no palco como uma grande mulher negra” para abrir espaço para outros que parecem como ela e vêm de origens semelhantes. Citando a letra de sua nova música “If You Love Me”, na qual ela canta “If you love me, you love all of me”, Lizzo afirmou ainda que é grata por seus fãs mostrarem tanto amor e espera que eles tratem outras pessoas ao seu redor da mesma forma. “Eu não quero ser o token da garota negra gorda que recebe o respeito. Eu quero ser capaz de me colocar em uma posição na qual eu possa tornar essa experiência de vida mais fácil para pessoas que se parecem comigo”.

E o que eu achei? Em um ano em que tivemos de um lado um disco novo da Beyoncé e do outro a nova bolacha da Taylor Swift, dois blockbusters musicais arrasadores, o álbum da Lizzo me pegou bem mais porque tem este sabor de verão. É um disco delicioso, iluminado, um pop com infusão de R&B, no qual a gente enxerga todo o poderio da voz da cantora, em seus momentos mais poderosos, enquanto curte uma produção de alto nível feita pra você se divertir – mesmo nos momentos mais delicados e introspectivos dela. Embora esteja cercada de produtores de alto calibre, “Special” é basicamente uma obra da Lizzo, sem a necessidade de um panteão de participações especiais. É uma Lizzo por completo, sem subterfúgios, sem rodeios.

7) Meu santo é forte (MC Tha)

Era uma vez… uma cantora da periferia paulistana, lá de Cidade Tiradentes, que faz um funk de inspiração pop poderoso, com um delicioso tempero dos sons das religiões afro-brasileiras. O ponto aqui é que Thais Dayane da Silva, a MC Tha, sempre ouviu que se parecia com a cantora Alcione em suas fotos mais jovem – e ficou com isso na cabeça. Mas sua família, muito mais focada no sertanejo, no forró e no baião, tudo de herança nordestina, nunca esteve muito próxima da obra da veterana do samba, que Tha acabou conhecendo muito mais como cantora romântica do que qualquer outra coisa. Até que chegou a escutar a faixa “São Jorge”, no grupo do terreiro que frequenta, e que é bastante representativa das gravações afro-religiosas de Alcione. Aí ela descobriu outras canções na mesma pegada e então foi amor à primeira vista. “Claro, ela é uma mulher negra, então não está dissociada da música afro, nunca. Mas na minha cabeça não chegava essa informação”, afirma ela, em entrevista pro site Tracklist. “Acho também que esse projeto é importante para isso. Trazer à tona essas canções que já foram cantadas, que tem compositores incríveis”. Surgia então este EP histórico.

E o que eu achei? Um dos discos mais bonitos que ouvi no ano, sem exagero. A identidade funkeira de MC Tha não se perde em momento algum e é uma delícia ver estas batidas adentrando o terreiro numa boa, numa suave, fazendo uma ponte cultural entre expressões periféricas, mas a homenagem não deixa de ter um gostinho setentista, sem soar uma daquelas viagens retrô forçadas. É Alcione reinterpretada e, mais do que isso, modernizada, mas ainda assim verdadeira em sua conexão com as raízes africanas. O atabaque de “Meu Santo é Forte!” come solto, complementado por uma banda afiadíssima e pelas vozes de cantores da Comunidade de Jongo Dito Ribeiro. O único problema? É um disco curto. Trata-se, na real, de um EP com cinco músicas. Eu queria mais, muito mais. Talvez isso possa ser inspiração plena pra um novo de inéditas?

8) Libre! (Uganga)

Era uma vez… um grupo musical do triângulo mineiro cujo vocalista é, na verdade, alguém que começou a trajetória como baterista da lendária banda Sarcófago. E que, em sua trajetória solo, sempre fez um mix de thrash metal com hardcore bastante pontuado por elementos do hip-hop e mesmo de sonoridades regionais (mineira, nordestina, afro-brasileira…). E com letras que nunca fugiram da luta contra a opressão. Mas que decidiu, prestes a completar três décadas de atividade, fazer uma espécie de manifesto, um disco que é a mais pura expressão do que o Uganga quer ser. “A escolha do título Libre! se deu pelo fato de nos afirmarmos como parte de um único e diversificado povo na América do Sul. Somos filhos da mesma terra e das mesmas causas. Acho insano o Brasil só olhar para a América do Norte ou para o outro lado do Atlântico, inclusive culturalmente”, afirma o líder Manu Joker, em entrevista ao jornal Estado de Minas. “As coisas têm melhorado, é claro, mas ainda rola uma certa empáfia em relação ao resto do continente – para mim, uma tremenda burrice. A exclamação deixa isso ainda mais claro, como um grito, uma declaração”, diz.

E o que eu achei? O álbum é uma espécie de “próximo passo” do que eles mesmos já tinham feito no ótimo “Servus”, de 2019. É um disco de metal, ora, claro que isso é mesmo. Mas não SÓ isso. Tem Manu cantando e versando como num rap, tem batucadas que fazem referência ao que se ouve nos terreiros (e cuja temática já foi abordada inúmeras vezes pelo Uganga, é bom que se diga), tem o groove sincopado do ragga, tem até uma pegada forte de música eletrônica, um dub que pode surpreender aos desavisados. E, ao escutar as letras, você vai sacar que eles sabem BEM o que está acontecendo no país ao seu redor e fazem questão de não ignorar isso. É, pra ser franco, um belíssimo ponto de partida pra quem NUNCA ouviu o Uganga e acha que heavy metal no Brasil é sinônimo apenas de Angra e Sepultura. Vale começar por aqui e revisitar toda a bela discografia dos caras.

9) Hate Über Alles (Kreator)

Era uma vez… uma banda poderosa lá da Alemanha, que ajudou a definir o thrash metal como o conhecemos – mas que nunca teve, fora do nicho metálico, a projeção que as suas contrapartes americanas ganharam. Uma banda que nunca fez concessões, que sempre soou intensa, pesada, insana e que nunca teve medo de se posicionar sobre assuntos mais espinhosos, dialogando mais com o punk em termos temáticos do que os seus colegas ianques. E eis que, em 2022, eles soltam um disco que, mais uma vez, fala sobre o que acontece nosso redor. “Foi o que senti nos últimos anos, principalmente estando em casa como todos nós durante a pandemia”, explica o vocalista Mille Petrozza, em entrevista ao Loudwire. “Eu não tinha nada para fazer a não ser escrever um novo disco e me conectar com os fãs na internet, mas como não havia nenhum show físico possível naquela época, então Hate Über Alles se tornou um reflexo dos últimos cinco anos”. E ele ainda completa – “Não gosto quando as bandas apenas lançam discos para voltar a fazer turnê. Não quero soar muito artístico, mas acho que o novo álbum deve ser uma obra de arte – deve ser uma declaração que deve ser algo que reflita a emoção que você sentiu quando escreveu a música”.

E o que eu achei? Que Mille está absolutamente correto e que o disco novo reflete EXATAMENTE as emoções do grupo neste momento sombrio e cheio de incertezas. Trata-se de um álbum absolutamente Kreator, em todos os aspectos que se pode imaginar, e isso está longe de ser algo ruim – porque, apesar da assinatura sonora identificável, não é uma velha coleção de canções repetidas. Tamos falando de thrash metal corpulento e veloz, com canções de arena, pra galera bater cabeça e cantar junto, e totalmente político. Antifascismo, antirreligioso, a favor da igualdade em todas as frentes e da boa e velha pancadaria.

10) White Jesus Black Problems (Fantastic Negrito)

Era uma vez… um incrível músico americano chamado Xavier Amin Dphrepaulezz. Criado em um ambiente familiar com o coração muçulmano ortodoxo, seus horizontes culturais explodiram quando se mudaram de Massachusetts para a Califórnia. Ali ele se encontrou enquanto artista e, em 2015, ganhou a atenção da internet com o lançamento de sua apresentação no NPR Tiny Desk Concert, lá no YouTube. Neste momento, sua alcunha de Fantastic Negrito explodiria para o mundo. Premiado e consagrado, considerado um dos artistas mais incríveis e criativos de sua geração, ele estava se preparando para um novo álbum que fosse uma celebração de artistas que ouviu na adolescência. “Eu escrevi a lista de um monte de artistas e o primeiro cara que eu peguei foi o Sting. Nos reunimos, gravamos uma música e foi um ótimo começo para um álbum de duetos”, disse ele, em entrevista para a Loudersound. Mas aí veio a pandemia. “E acabou aquele sonho, porque não dava para encontrar com as pessoas”. Então, Xavier foi além e deixou a sua curiosidade a respeito de suas próprias origens falar ainda mais alto. Desconfiado sobre o passado de seu pai, ele foi cavando, cavando, desatando nós… e descobriu que seus heptavós eram um escravo africano e uma serva escocesa, que se conheceram e se apaixonaram na Virgínia há 270 anos. Tudo numa época em que as relações inter-raciais eram contra a lei. Por causa de sua bravura e perseverança, o casal não apenas ficou junto, como seus filhos se tornaram legalmente livres, assim como as gerações que se seguiram. “Então eu amei a história deles. E pensei, hey, vou sair do caminho e deixar esta história ser contada. Vou embarcar neste trem que está indo a 100 milhas por hora. E isso apenas me levou a lugares que eu não sabia que existiam no meu cérebro em termos sonoros”.

E o que eu achei? Embora Fantastic Negrito tenha lançado um disco conceitual que, no fim, se conecta com um filme de mesmo nome, justamente para dar mais amplitude a esta história, você consegue embarcar totalmente em “White Jesus Black Problems” sem que as obras sejam codependentes. E o resultado talvez seja um de seus melhores trabalhos até o momento – quiçá o melhor, até. Uma mistura lindíssima de blues, jazz, funk, soul, rock, country, que em certos momentos soa quase Hendrix, em outros carrega um groove meio Robert Johnson, e até mergulha acolá em sonoridades gospel, quase religiosas. Ora esperançoso, ora melancólico, é um trabalho experimental, complexo, até meio difícil de absorver numa primeira escutada. Pode soar até um tanto esquisito. Mas vale a pena MESMO se deixar envolver.

11) Necropolítica (Ratos de Porão)

Era uma vez… uma das bandas mais importantes do rock nacional, com quatro décadas de atuação nas costas, mas que não lançava nada novo desde 2014. Até que a pandemia serviu como uma espécie de gota d’água para que os caras se mexessem e colocassem pra fora toda aquela fúria guardada em meio a uma verdadeira distopia de extrema direita ganhando força, em seus flertes com o fascismo verde e amarelo. “Foi meio de susto”, explica o vocalista João Gordo, em entrevista pro Scream & Yell. “O Jão (guitarrista) tinha um monte de base, o Juninho (baixista) tinha um monte de vontade. Eu não tinha nada, só preguiça e saco cheio. Pensava: ‘eu vou morrer e vai acabar por aqui, o Século Sinistro é o último disco’. Aí o Juninho juntou as forças dele, pegou a bike e foi lá na vila Piauí (onde mora o Jão). Olha só que esforço! Ele e o Jão montaram umas bases, aí ele pegou e foi pra Santos, encontrou o Boka (baterista) e fizeram mais coisa. Não tem quase participação minha na composição. As faixas são exclusivamente dos três. A hora que eu vi tinha 12 músicas pra colocar letra”.

E o que eu achei?
Ratos sendo Ratos, simples assim. Um trampo direto e reto, com letras porradaria, falando sobre o momento atual, sobre governo Bolsonaro, sobre religião, sobre ditadura e totalitarismo. E o som é igualmente cru, uma parada old school que é totalmente crossover, numa conversa entre punk e metal que a banda sempre fez bem demais, e que conversa diretamente com a bela trinca “Cada Dia Mais Sujo e Agressivo”, “Brasil” e “Anarkophobia”. É um disco irritado. De uma banda irritada. Pra um público irritado.

12) Rakshak (Bloodywood)

Era uma vez… um país que, em teoria, tem pouquíssima tradição na música pesada. Até que, em 2018, pintou um grupo que, ao fazer versões cheias de estilo para canções relativamente conhecidas, tornou-se um fenômeno batizado de “indian folk meets rap metal”, ao misturar a pancadaria típica do gênero com a sonoridade étnica da Índia. Nascia então o Bloodywood, que em 2022 enfim lançou seu disco de estreia, o impressionante “Rakshak”, com sua capa excepcional. “A cena aqui é pequena, mas muito forte”, afirma o rapper Raoul Kerr, que divide os vocais com Jayant Bhadula, em entrevista ao Metal Utopia. “É incrível poder perceber que estamos tendo impacto global. É um território nunca antes navegado e estamos amando cada segundo disso. Esperamos que esta jornada inspire outras bandas indianas a tentarem também”. Ele faz questão de deixar claro que uma das razões pelas quais eles fazem música atualmente é porque acreditam que isso pode ser um catalisador global para a mudança, em busca de um mundo melhor. “Você vai nos ouvir cantando mensagens sobre política, corrupção, jornalismo tóxico, abuso sexual e bullying, além de nossas próprias batalhas pessoais contra a depressão”.

E o que eu achei? Já tinha me apaixonado pela sonoridade dos caras ao ver os primeiros vídeos do YouTube. Mas o álbum completo é, do início ao fim, simplesmente delicioso pra quem gosta de metal com experimentação. Tem os riffs brutais do thrash metal, o groove monstruoso do nu metal, tem um sujeito mandando gutural em hindi, outro retrucando cantando meio rap – e tem a beleza das percussões indianas (uma tamborzada boa demais chamada Dhol) e diferentes flautas. Em alguns momentos o resultado é doce e delicado, em outros é furioso e poderoso, mas em todos é absolutamente envolvente. E ainda tem a coisa de ser um som que não tem medo de se posicionar, de falar contra a opressão – em especial num país que é governado por uma galera bem escrota – e de inclusive fazer uma faixa que é um verdadeiro ode contra a cultura do estupro.

13) Ascensão (Black Pantera)

Era uma vez… um estado conhecido por gerar algumas das bandas de rock pesado mais influentes do país. Mas todas elas tinham algo em comum: a branquitude de seus integrantes. Só que o trio de Uberaba (MG) que atende pelo nome de Black Pantera veio pra mostrar, entre outras coisas, que os pretos fazem metal do bão SIM. E metal que, AINDA BEM, não tem medo de apontar o dedo e evita aquele papinho furado de “não mistura política com o meu heavy metal”. UFA. “É como se o mundo precisasse que a gente falasse sobre essas coisas, então a gente estudou muito sobre todas as questões e a gente se desconstrói todos os dias, porque a sociedade é machista, homofóbica e a gente acaba replicando essas coisas também”, explicou Chaene da Gama, baixista, em entrevista ao Wikimetal. “Então as letras foram vindo pra esse disco da necessidade de falar do assunto, de tentar atingir o público de uma forma que ele entenda. (…) Em um país onde  um preto morre a cada vinte e três minutos, não dá para a gente, como uma banda preta e com nome de Black Pantera, falar sobre outras coisas. É uma realidade cruel, a homofobia e machismo também assassinam, somos totalmente contra o governo negacionista, homofóbico, racista e corrupto”.

E o que eu achei? A trinca formada por Chaene, por seu irmão Charles Gama (vocal e guitarra) e pelo chapa Rodrigo “Pancho” Augusto na batera chegou afiadísssima neste disco, um dos melhores da música bate-cabeça nacional em 2022, disparado. Cantando em português, eles deixam claríssima a sua postura antirracista, em letras que retomam o mote de Djonga (“fogo nos rascistas”, só pra deixar claro) e metem o pé em um belíssimo thrash metal devidamente infectado pelo mais puro hardcore. Se você tem alguma dúvida sobre como esta combinação toda funciona lindamente, além de ouvir o disco, busca a apresentação que eles fizeram este ano no Palco Sunset do Rock in Rio, com participação especial dos caras do Devotos. Não vai se arrepender. É de arrepiar.

BÔNUS TRACK

Eu confesso que NÃO CONSEGUI resistir à tentação de colocar aqui TAMBÉM um disco que eu amei mas que já tinha merecido um texto apenas para ele – no caso, o Impera, do Ghost, atualmente uma das minhas três bandas favoritas, de longe. E repito aqui só um pedacinho da resenha que fiz, pra você entender a pegada. “Impera é um Ghost querendo definitivamente ultrapassar os limites do conceito que o próprio Tobias Forge criou lá no começo dos anos 2000. Tem peso, pô, claro que tem – escute o riff demoníaco e rasgado de Hunter’s Moon, a canção composta para a trilha do filme Halloween Kills. Mas não dá, nem de longe, pra chamar este álbum de “heavy metal”. A concepção de gênero acaba sendo por demais limitadora para uma obra que abre, por exemplo, com toda a empolgação quase dançante de Kaisarion, que embora não se pareça com nada que o Ghost fez antes, ainda assim é Ghost até os ossos. Vai entender. Eu, pelo menos, entendi”.



Comments
  • RODRIGO DA SILVA SOUZA

    Parabéns pelo texto , kreator vai está no topo da minha alista este ano um álbum brutal ! Gostei de alguns. Oi machine Head que ainda não tinha ouvido

    19 de novembro de 2022

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