Não Se Preocupe, Querida tem proposta interessante mas demora a engatar
Fofocas de bastidores do filme de Olivia Wilde, Não Se Preocupe Querida, chamaram mais atenção do que as qualidades do longa, que se preocupa muito com a estética e cinematografia, mas é bem irregular
Por GABRIELA FRANCO
O drama – que depois você descobre que se trata de uma ficção científica – Não se Preocupe, Querida, dirigido pela até então atriz Olivia Wilde (da série House e de filmes como Cowboys & Aliens e Tron ) chega às salas de cinema sendo lembrado muito mais pelo drama de seus bastidores do que pela qualidade do filme em si.
Tudo começou quando, durante o Festival de Cinema de Veneza que aconteceu no começo de setembro deste ano, os principais astros do filme, incluindo sua diretora, se envolveram em uma polêmica que foi um prato cheio para os tablóides e fofoqueiros das redes sociais. O astro e cantor Harry Styles teria se aproximado de Chris Pine e CUSPIDO em seu colo. Mais tarde eles elucidaram que se tratava de uma piada – mas a história acabou ganhando corpo sozinha e andou por si, revelando outros segredos e sugerindo que a interação entre a equipe do filme talvez não fosse tão amigável quanto parecia. Logo veio à tona a história de que a protagonista Florence Pugh não estaria nada satisfeita com a diretora e teria inclusive recusado a participar de quaisquer promoções sobre o longa.
Muita especulação corre sobre a verdadeira razão do descontentamento de Pugh, mas a principal foi que houve uma disparidade salarial entre as duas estrelas do filme, e Florence acabou recebendo muito MENOS do que Styles (com quem inclusive Wilde tem um relacionamento). Como se não fosse motivo o suficiente, ainda mais se tratando de DUAS MULHERES em Hollywood, com Wilde se colocando como “feminista” em público e puxando o tapete das monas na vida real, a diretora também acabou defendendo a contratação de um ator pro elenco com quem Pugh não queria contracenar – no caso, o problemático Shia LaBeouf, que foi substituído por Styles. Se você não mora em Marte, já deve estar sabendo que Shia tem GRAVES PROBLEMAS, incluindo acusações de ABUSO contra mulheres, razão pela qual Florence não ficou muito contente com sua escalação.
Acontece que LaBeouf refutou essa alegação, dizendo que foi ele quem quis pular fora da produção e compartilhou um vídeo no qual Wilde diz: “Este é um alerta para Miss Flo”, sugerindo que Florence Pugh era quem realmente precisava se comprometer para fazer a o filme funcionar. Só sabemos que tudo isso contribuiu para que Não se Preocupe, Querida caísse na boca de Matilde. Mas e o filme EM SI? Presta?
Vamos ao que REALMENTE importa, então
A trama se passa na década de 1950, onde casais aceitam morar em um condomínio chamado Vitória, uma comunidade experimental no meio do deserto que oferece toda uma estrutura de primeira classe com o objetivo de criar uma vida utópica para seus habitantes, incluindo um trabalho muitíssimo bem remunerado para os “chefes de família” que se dispuserem a aceitar o desafio.
Entre os voluntários estão Alice Chambers (Pugh) e seu marido Jack (Styles). O casal vive numa eterna lua de mel, com muito sexo e incrível bom humor, além de participar de festas e jantares com os amigos, como Bunny (a própria Olivia Wilde) e seu marido, entre outros casais.
A iniciativa é comandada por Frank (Chris Pine, nosso novo Capitão Kirk) e se parece com uma sitcom americano dos anos 50: a rotina é inexorável e todos parecem amá-la sem nunca questioná-la. Todos os dias os homens beijam suas esposas e saem cedo de casa com seus cadillacs reluzentes para trabalhar no Projeto Vitória. Já as mulheres ficam em casa, como boas esposas, cuidam do lar, das crianças, todas parecem AMAR cozinhar e ainda curtem os benefícios da comunidade. Aulas de balé, festas, piscinas, lojas onde podem gastar todo o dinheiro dos maridos sem limite.
Toda essa perfeição sofre uma cisão quando Alice começa a ter sonhos bem estranhos que fazem com que ela comece a questionar sua própria realidade. A coisa toda desanda quando ela é testemunha ocular do que acontece com sua vizinha Margaret (KiKi Layne, de Se a Rua Beale Falasse), depois que essa começa a ter os mesmos questionamentos de Alice. O filme tem uma “aura” de Mulheres Perfeitas (Stepford Wives), livro de Ira Levin que foi adaptado pros cinemas por Frank Oz em 2004 e conta com Nicole Kidman no papel principal. Tudo com certos enquadramentos que lembram filmes como 2001 – Uma Odisseia no Espaço, O Show de Truman, Vanilla Sky e A Origem. Foi então que percebi que não havia nada de muito novo nesta produção…
A pílula dourada
Pode-se dizer que Olivia Wilde fez a lição de casa, mostrando que aprendeu a dirigir. Tanto que o excesso de cinematografia, tomadas meramente estéticas, enquadramentos totalmente plásticos que fazem menção a diretores clássicos como Stanley Kubrick e Dario Argento e até ao atual mestre do terror Jordan Peele, acabam passando da conta, entulhando o filme com pornografia visual. Chega a ser um grito de Wilde no sentido de “Olha só, eu aprendi a fazer isso sim!”, o que, no final, transforma assistir a Não Se Preocupe, Querida em experiência meramente estética, deixando a desejar do ponto de vista narrativo.
O roteiro é assinado por Katie Silberman, que mirou em um assunto válido e MUITO SÉRIO envolvendo sexismo, violência de gênero e abuso sexual, mas que diluiu sua importância em uma história que demora a engatar e finalmente envolver o espectador.
A ação do longa, que teria como principal objetivo engajar o público e impactá-lo, começa DE FATO na segunda metade do longa, e nos pega atordoados e embevecidos pelas belas sequências de imagens que se seguiram sem muita conexão com a trama central. De repente, precisamos juntar peças desconexas muito rapidamente e imaginar tudo o que aconteceu para que a trama desembocasse até ali. E aí o filme acaba. FIM.
O resultado é um filme bem executado mas mal acabado, com atuações rasas, com uma narrativa vazia e cheia de furos que enfraquece totalmente a potência da mensagem que o filme carrega.
Os destaques ficam por conta das atuações de Florence Pugh e Chris Pine, da direção de arte e figurinos que são um deleite visual, da trilha sonora incidental, certeira e pontual. O filme pode até agradar a quem só queira ver um suspense bem produzido e com final fora do esperado. Mas quem espera algo mais profundo e inteligente, certeza que vai se decepcionar.
Isso, juntamente com a falação envolvendo a postura de Olivia Wilde com outras mulheres, torna a premissa de Não Se Preocupe, Querida numa falácia. Uma pena mesmo, já que sabemos que aos homens são dados todos os direitos, inclusive de serem medíocres e fazerem filmes ruins, mas a coisa muda de figura uma vez que você levanta uma bandeira mas faz questão de agir de outra forma. Tinha um futuro promissor, mas tropeçou na reta final.