Viva Zapata! Tem dois gibis pelo preço de um, freguesia!
Tradicional selo de quadrinhos independentes finaliza no Catarse uma bem-sucedida campanha de pré-venda de seus novos gibis, enquanto se prepara para retomar os eventos presenciais
Por THIAGO CARDIM
Se tem pelo menos um rosto que é visto frequentemente nos chamados becos dos artistas, aqueles espaços dedicados aos artistas de quadrinhos independentes e que se tornaram obrigatórios em eventos de todos os portes, é o do Daniel Esteves. Roteirista sempre em atividade, ele também é editor e mantém o seu selo Zapata Edições firme e forte, com diversos lançamentos de qualidade inquestionável, reunindo talentos incríveis.
Mas se tem uma coisa que a gente precisa corrigir no parágrafo anterior, definitivamente é o tempo verbal de “é visto”. Porque, graças à pandemia, com o adiamento dos eventos presenciais, já faz dois anos que o Daniel e os gibis da Zapata andam distantes do corre direto com o público. “Há anos e anos que temos já o hábito de fazer lançamentos em grandes eventos, como o FIQ e a CCXP”, conta pra gente, em papo exclusivo, o próprio editor. Só que não dá pra ficar parado. Então, o Zapata aproveitou que tinha na mão dois livros que foram viabilizados pelo ProAC LAB Aldir Blanc, com apoio do governo da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, e usou o Catarse pra fazer a pré-venda.
A campanha, que se encerra nesta sexta dia 8 (ou seja, ainda dá tempo de ir lá e garantir seus exemplares com desconto), foi um sucesso, alcançando quase 120% do valor previsto. Uma boa saída pra dar à Fronteiras e Piratas do Cangaço a visibilidade que merecem nestes tempos bicudos. “Já fiz Catarse em dois volumes do São Paulo dos Mortos, além do livro do Petisco, mas não sou tão ativo na plataforma como autor, apesar que como apoiador tô sempre lá”, explica ele. “Então também foi uma forma de retornar ao financiamento coletivo, já pensando noutros projetos que vão vir pro decorrer desse ano e dos próximos”.
Olhares da fantasia sobre o nosso povo – e nem foi proposital!
Um dos gibis, Fronteiras, é uma reedição da parceria de sucesso do Daniel com Alex Rodrigues, os mesmos responsáveis pelo ótimo Último Assalto – título que inclusive entrou na lista de melhores do ano do Gibizilla em 2020. “Vem numa linha de arriscar outros gêneros, mas sem deixar de contar o tipo de história que curto fazer”, conta ele. “É um drama familiar de guerra, numa América Latina imaginária”. Na história, duas cidades são separadas por um grande rio e por um conflito sangrento. E tudo ganha corpo na conexão entre Juan, cidadão ilustre de Cristóvão, herói da guerra, e Soledad, moradora de Aimará, um povoado perdido e isolado, habitado apenas por mulheres.
Já Piratas do Cangaço tem roteiro e arte do Al Stefano, com o Daniel no papel de coeditor. “É uma aventura que reimagina o cangaço num universo em que o ‘sertão virou mar’, trabalhando com personagens antropormofizados”. Em meio à realização da profecia de Antonio Conselheiro na obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, temos caravelas pilhando as ilhas do Nordeste, enquanto Carcará, Vela Seca e Fogueteira, três cangaceiros piratas, têm a missão de resgatar Labareda, um antigo Capitão, das mãos implacáveis da República.
Consegue perceber uma conexão narrativa em comum aqui? Talvez porque ambas as tramas oferecem uma visão mais “fantasiosa” da América Latina que tão bem conhecemos? “Não foi proposital”, deixa claro Daniel, reforçando que são duas linhas de histórias bem diferentes entre si, mas que convergem nalguns temas e formas de enxergar o mundo que estão presentes também noutras obras dos respectivos autores.
“Al Stefano tem esse lado mais lúdico, de fazer grandes aventuras, como já tinha feito em Mineirão e Zé Bonfim e em Salseirada. Já meu trabalho vai mais pro drama, com algumas inserções de outros gêneros, como em outros trabalhos, Último Assalto, Sobre o tempo em que estive morta, Por mais um dia com Zapata, etc”, contrapõe ele. “Calhou de, ao olharmos para os dois trabalhos depois de prontos, percebermos algumas conexões entre eles”.
Vamos voltar a nos encontrar…
Muito mais acostumados a dar as caras com seus lançamentos nos eventos, será que a boa performance deste tipo de pré-venda no Catarse vai ser mantida? “Tem sido interessante, se vamos fazer noutras obras que já tenham sido financiadas, só o tempo vai dizer, até porque com a programação de eventos voltando ao normal o mais lógico é fazer esse tipo de lançamento nos eventos”, conta. “Mas a ideia é voltar aos projetos tradicionais no Catarse, arrecadando verba para bancar o livro como um todo e não só fazendo pré-venda”.
E, por mais que os gibis já estivessem devidamente financiados por lei de incentivo, obviamente que um tanto de lucro é sempre bom pra manter o independente em atividade. Mas Daniel lembra que os grandes eventos, bem como os médios e pequenos num calendário anual, além da venda no site próprio e algumas lojas, já garantiam um modelo lucrativo nos últimos anos. “E a ideia é exatamente expandir o alcance dos nossos livros nos próximos anos, já que deixei de lançar somente os livros que eu mesmo escrevo e passei a coeditar material de parceiros de longa data. A responsabilidade como editor vai aumentando, não que já não agisse como ‘editora’ há muito tempo nos meus próprios trabalhos”.
Ou seja, o que não vai faltar é material da Zapata nesta volta dos eventos ao vivo, com gente de verdade, fora das telinhas. Recentemente tivemos o Circuito Catarinense de Quadrinhos, em Curitiba, e em julho vai rolar, em São Paulo, mais uma edição do Fuzuê Nerd – isso sem falar do retorno da POC CON e da Perifacon. Daniel sente que a coisa tá começando a esquentar de novo e já se sente confortável pra começar a dar as caras e buscar o público?
“Confortável e ansioso pra voltar a um calendário de eventos como antes”, diz, com alegria. “Lógico que tomando os devidos cuidados porque a pandemia não acabou, mas não tem como ficar sem esses eventos para o tipo de produção que fazemos. E é torcer também pra pandemia seguir em queda”.
Mas ele confessa que está voltando aos poucos porque está no meio do caos com finalização de vários projetos, não só de quadrinhos do seu próprio selo mas também pra outras editoras, além de material audiovisual no qual está envolvido. “Como ainda tenho o espaço de cursos (HQ em FOCO) e as demandas já corriqueiras do próprio selo, ainda estou em ritmo lento para o retorno aos eventos, mas com muita vontade de viajar esse Brasilzão pra vender quadrinho onde puder novamente”.
Ele acredita que a pandemia interrompeu um baita fluxo de crescimento e viabilidade das HQs nacionais. “Como não sou bombado na internet, o jeito é torcer pras coisas voltarem ao ‘normal’, pois é um dos elementos que vai garantir a continuidade daquele crescimento”.
Se depender do Gibizilla, vai seguir sempre pro alto e avante. Aproveite e acesse o site da Zapata pra descobrir novidades que vão além daqueles gibis de hominhos de sempre…