A música (e o grito) da segunda temporada de One-Punch Man são brasileiros
Batemos um papo exclusivo com Ricardo Cruz, integrante do lendário JAM Project e compositor da canção de abertura da segunda temporada do atual hit dos desenhos animados japoneses (e cuja segunda temporada acaba de chegar ao Netflix)
Por THIAGO CARDIM
(publicado originalmente no JUDÃO.com.br – e devidamente atualizado)
Começou que muita gente dizia que One-Punch Man nem ia mais ter uma segunda temporada — afinal, depois que um dos animes mais comentados dos últimos anos estourou lá em 2015 a partir do webcomic da ONE e foi posteriormente reverberado pelo Netflix, era de se esperar que fôssemos ter mais do que meros 12 episódios em breve. Não rolou. Na real, uma nova leva de histórias do Saitama viraram meio lenda, até.
Em 2016, confirmaram que ia rolar MESMO, se acalma aí galera, mas aí a produtora Madhouse saiu do circuito, entrou a J.C. Staff (Slayers), com Chikara Sakurai (que trampou em Naruto Shippuuden) entrando no lugar de Shingo Natsume e, proooooooonto, já começou a chiadeira. Eis que quase três anos depois, em 2019, a série estreou DE FATO – e dividiu opiniões. Muita gente questionou a qualidade da animação justamente por conta da mudança de estúdio, outros reclamaram do ritmo da história e do foco maior nos novos coadjuvantes e menos no próprio Saitama…
Quem finalmente está vendo a chance de assistir a estes novos episódios só agora em 2022, quando o Netflix finalmente disponibilizou os ditos cujos em sua MARAVILHOSA versão dublada (outro acerto sensacional, talvez o melhor deste o clássico Yu Yu Hakusho), consegue sacar que pelo menos UMA COISA, no entanto, não mudou: os responsáveis pela música de abertura.
Da mesma forma que rolou na temporada inaugural com a maravilhosa The Hero!! ~Ikareru Ken ni Honō o Tsukero~, a tarefa ficou a cargo do lendário grupo JAM Project.Só que a graça desta nova canção, Seijaku no Apostle (batizada em inglês de “Uncrowned Greatest Hero”), é que ela é criação de um brasileiro – no caso, Ricardo Cruz. Na época, tive a chance de conversar com ele a respeito do processo de composição da abertura.
No clipe da faixa abaixo, claro, ele é o único ocidental da galera.
Apresentando um pouco do Ricardo
Aos 17 anos, fascinado pela cultura japonesa, Ricardo partiu para a Terra do Sol Nascente em um intercâmbio, com o objetivo de aprender japonês. Logo descobriria o quão grande é por lá o mercado fonográfico para as chamadas animesongs. Quando voltou, aproveitou a fluência em inglês e japonês e foi trabalhar como tradutor, como jornalista da revista Herói e até ajudou a plantar as sementes do primeiro Anime Friends, em 2003. Foi lá que conheceu ninguém menos do que Hironobu Kageyama, voz da abertura de Dragon Ball Z e da canção-tema dos Changeman. E, claro, um dos integrantes do JAM Project.
Mandando suas fitas-demo pra Kageyama, gravadas meio que em tom de brincadeira, os dois começaram a conversar e surgiu o convite para integrar a banda, ainda que de maneira semi-integral, já que o cantor está aqui no Brasil. Mas isso nunca impediu que ele fizesse parte do processo usual do JAM. “Toda vez que fecha pra fazer alguma abertura de série, música incidental, música de games, existe uma audição entre os cantores do grupo pra criarem a música. Na maioria das vezes eles me chamam, aí eu mando a minha versão do que eu acho que é a música ideal pro que eles tão querendo no momento”, explica Ricardo.
“A gravadora me passa um briefing do que tá sendo pedido e eu tenho um prazo pra entregar a versão. Já fiz várias músicas pro JAM neste esquema, como a abertura do Garo [Nota do Editor: no caso, Waga na wa Garo, abertura de uma das séries da franquia de demônios x cavaleiros criada por Keita Amemiya].
Ricardo já curtia One Punch-Man antes mesmo do anime existir — no caso, já tinha ido atrás das tirinhas digitais originais. “Quando a turma do JAM me falou que ia fechar pra fazer a abertura deles, eu fiquei MALUCO. Eu mandei inclusive demo pra primeira temporada, mas a escolhida foi a do Kageyama”, revela. “Eu curto muito o anime, é uma paródia, uma grande homenagem aos mangás/animes do estilo shonen, que são aqueles feitos pra moleques mesmo, o grande filão que a gente cresceu vendo aqui no Brasil. É muito legal ver as referências, ver eles brincando com todo o clima, com os clichês”.
No caso da abertura da primeira temporada, o brasileiro acabou não participando nem mesmo como cantor justamente por conta do prazo apertado. “Não lembro bem porque foi, mas não ia dar tempo de alugar estúdio, gravar voz, este processo todo. Porque eles mandam a versão de um minuto e meio muito antes. Esta versão mais curta, que vai pra TV, já estava nas mãos deles quando entrei na conversa”.
Mas o cara chegou mais cedo no rolê desta vez. Aliás, digamos que BEM mais cedo mesmo. “Chegou o e-mail pedindo pra mandarmos ideias, eu fiquei empolgado e aí parece que as coisas vêm de um jeito mais explosivo”, brinca ele. “E eu fui tomar banho. Eu sempre gosto de fazer estas coisas no banho, a água caindo, você fica envolvido neste mundinho. E lembro que neste banho, em 15 minutos, saiu a música. Me veio o refrão, depois a parte A, parte B. Peguei o celular, cantarolei as melodias, depois fui refinando ao longo do dia e aí construí a versão final”. Basicamente, portanto, estamos falando de um processo criativo bastante instintivo. “Foi colocar pra fora imaginando o que eu sentia com aqueles cenas de porrada na minha cabeça”.
Caiu nas mãos da gravadora e dos produtores do desenho animado e então o trabalho de Cruz acabou recebendo sinal verde. “Quando recebi a notícia de que a minha música tinha sido aprovada, eu fiquei incrédulo, porque este é um marco da minha carreira”, comemora o músico. “O primeiro foi, claro, entrar pro próprio JAM, e o segundo agora é assinar uma canção tão importante que vai pro mundo inteiro”. Ricardo diz ainda que tem um peso maior justamente por ser One Punch-Man, porque por ser algo de um gênero que ele cresceu ouvindo. “É mais fácil você criar uma música pra algo assim, que você entende, a alma deste gênero. Isso torna todo o processo muito mais divertido”.
Falando sobre o processo
A composição da música foi inteiramente dele, mas ele explica que, no Japão, existe uma divisão bastante clara entre arranjo e melodia, que são tratadas como coisas diferentes. “Então eu compus a melodia, entreguei pra eles com o instrumental, tinha uma pegada até meio James Bond esta demo, e eles lá aprovaram a melodia de cabo a rabo, tudo que vocês vão ouvir de melodias de voz, veio da minha criação”. Mas os criadores vão conversando e criam o arranjo. “Isso vai pra um arranjador, coloca este efeito aqui ou ali, aí vai pras mãos do arranjador, que assina nos créditos da música”.
A letra, no caso, foi pro Yukinojo Mori, um profissional bastante reconhecido na indústria fonográfica japonesa. “Geralmente, o JAM não gosta de envolver pessoas de fora neste processo todo, mas acho que até por participação do estúdio de animação, que aqui opinou bastante, acabou indo pra ele, um cara que fez a letra de Cha-La Head-Cha-La (Dragon Ball Z), por exemplo”.
Sobre a música em si, Ricardo conta que canta algumas com eles, mas não todas, justamente pelo fato de estar no Brasil. “Geralmente as que eu componho eu canto junto e mais algumas que eles me convidam. Então nesta eu tô lá, cantando junto sim, tem frases minhas no meio. No esquema JAM, a gente alternando as frases, no refrão todo mundo junto”, diz. “E o gritão da música, inclusive, é meu. Toda semana lá, na TV japonesa”, brinca.
Ele reforça que uma das grandes características dos animesongs é misturar gêneros — e por isso mais do que uma coisa mais metal/hard rock, as faixas de One-Punch Man têm um pouco de nu metal e até de punk. “As primeiras indicações dos caras, quando vieram, pediam pra gente levar em consideração o punk rock na hora de compor. E uma das coisas que o Kageyama me disse lá no Japão é que queria que o arranjo desta segunda abertura ficasse BEM roqueiro. Tá bem pesado, tá bem foda”.
Visivelmente empolgado com o resultado, ele diz estar preparado pras comparações com a primeira abertura. “Acho que tá à altura, tem tudo pra agradar quem curtiu a primeira música”, arrisca. “Talvez a diferença é que a coisa do momento pra bater cabeça tá lá, mas eu acho que tem uma coisa um pouco mais assustadora, mais sombria, talvez. Tem uma construção diferente neste sentido, mas esteticamente tá no mesmo clima. Acho que é algo até meio complementar uma da outra”.