Uma pequena crônica dedicada ao Homem-Aranha
Este texto não é uma crítica do último filme. Ou uma resenha, sei lá. Isso você deve ter lido aos montes. Este texto é, da mesma forma que Sem Volta Para Casa, uma declaração de amor ao mais humano dos super-heróis. Mas, neste caso, uma declaração de amor bem íntima e particular.
Por THIAGO CARDIM
Antes de nada, sim, este texto tem SPOILERS. Alguns, não muitos. Mas, se você tem problemas com isso, além de recomendar que ouça o nosso podcast sobre o assunto, talvez seja melhor guardar o link pra ler depois de ver o filme.
No entanto, me permitam um parêntese aqui – depois de ver o filme, ficou claro pra mim que os tais spoilers com relação ao mais recente filme do Cabeça de Teia, Sem Volta Para Casa, dos quais as pessoas mais morriam de medo, são do tipo que não mudam EM NADA a experiência do filme. Sério. Saber se este ou aquele sujeito aparece ou não na trama sem qualquer CONTEXTO (que, aqui, é o que de fato importa) tem zero impacto no resultado final. Perdão. Precisava dizer isso.
Agora, passado o momento da digressão, falemos do Homem-Aranha. Não só do filme. Mas do personagem. Aliás, não “falemos”, assim, no plural. Aqui, no caso, é singular. É o Thiago mesmo, pessoa física.
Desde que me entendo por gente, por menino leitor de gibis, o Homem-Aranha é parte fundamental da minha vida. Aprendi a ler com a minha avó, que me incentivava com as HQs Disney, da Mônica… Aí, conformei contei no meu papo com o Fala Animal e também neste texto aqui, comecei a caminhar sozinho nas leituras graças a um gibi do Capitão América. Dali, não teve jeito, virei marvete inveterado. E aí conheci o Homem-Aranha.
Que prazer te conhecer, meu amigão da vizinhança
Quer dizer, conhecer o Homem-Aranha eu já conhecia, né. Dos desenhos da TV, por exemplo. A figura do camarada coberto da cabeça aos pés de teias, vermelho e azul, aquela coisa. Mas quando comecei a ler os gibis do sujeito, lá pela metade da década de 1980, foi paixão à primeira vista. Virou o meu personagem favorito – o que, em certos casos, me fazia ser uma espécie de “pária” no mundinho dos colegas que também liam gibis. Porque o favoritaço da galera era o Batman. Sempre foi. E nos anos 1990, veio a explosão dos X-Men. O Aranha era coisa de “velho”. Ainda mais com a Saga do Clone, que coisa horrorosa, como você consegue?
Eu conseguia porque, mesmo sob o jugo de roteiristas questionáveis, o Escalador de Paredes era tão, mas tão humano, que parecia o meu melhor amigo. Filho único, um tanto retraído, mais tímido do que as pessoas que hoje me conhecem sequer podem imaginar, eu por muitas vezes ficava trancado no meu mundinho de HQs, no meu quarto, enquanto a turma corria pra jogar futebol na praia ou taco na rua. Peter era um sujeito comum, cheio de questões, de problemas, que ganhava um pacotão de poderes mas não sabia muito bem o que fazer com eles. Porque nada daquilo poderia resolver a falta de grana pra pagar o aluguel, a saúde instável da tia que o criou, as caraminholas na cabeça pela morte do tio.
Peter era, como os críticos gringos amam dizer, o EVERYDAY MAN. Não o milionário excêntrico com dezenas de traquitanas, tampouco o deus nórdico encarnado, o supersoldado da Segunda Guerra ou o alienígena com habilidades que o tornam um semideus. O cara comum. O sujeito atrapalhado, desastrado… Mas eu sempre preferi traduzir como zé ninguém mesmo. Com todas as implicações que a expressão traz consigo. O Aranha era da galera, do povo, amigão da vizinhança do Queens e também do José Menino, ali em Santos. E o Aranha era, antes de tudo, Peter Parker. Porque as melhores e mais memoráveis histórias do personagem são aquelas que sabem abordar a pessoa por baixo da máscara, quem quer que ela seja.
Peter podia tranquilamente ser latino-americano. Podia morar na vila do Chaves. Podia viver no Brasil, invisível numa grande metrópole tipo São Paulo. Peter podia ser, sei lá, eu mesmo.
O Homem-Aranha me fez rir e chorar nos momentos em que mais precisei dele. Algumas histórias me deram um suporte tremendo e conversaram diretamente comigo quando eu me senti mais sozinho. Quando a situação financeira em casa apertou, eu cheguei a pegar uns gibis mensais do Teioso, uns repetidos até, recortar e colar em quadrinhos que eu mesmo desenhava e escrevia os balões. Para ter a sensação de que tava lendo alguma coisa nova do Homem-Aranha. Foi aí, aliás, que entendi que gostava de escrever e me meti a fazer um curso de HQs na Baixada Santista.
Como Ricardo Seelig, da Collectors Room, nos disse a respeito de sua coleção de discos neste papo aqui no Imagina Se Pega no Ouvido, por vezes eu só pegava um gibi da minha gaveta (na época não era uma estante), ficava olhando pra capa, dava uma folheada, nem lia tudo. Mas só de lembrar do momento em que comprei aquilo, de onde eu estava quando li pela primeira vez, já me fazia um bem danado.
Passei a colecionar tudo que você puder imaginar do Homem-Aranha. Tudo que a grana permitia, claro. Camiseta, caneca, bonequinho, cueca, meia, caderno, adesivos. Mesmo quando ser fã do Aranha não era a coisa mais cool, descolada do mundo, eu tinha orgulho de ser amigão dele.
E aí, veio o primeiro filme
Quando, já como jornalista especializado em cultura pop, fui convidado para a exibição de imprensa do filme original do herói, ainda com Tobey Maguire, confesso que deixei o profissional em casa e fui, do alto dos meus 20 e poucos anos, vestido com a carapuça do moleque de 13, 14. Quando o Tio Ben morreu e Peter voltou pra casa, em silêncio, e abraçou a Tia May, chorei sem parar. Porque aquilo que tanto fez sentido pra mim nos gibis agora estava igualmente fazendo nas telas.
E, a partir dali, se tornaria recorrente a choradeira oficial a cada filme do herói. No segundo, me acabaria na sequência do trem. E no terceiro, sim, apesar dos pesares, eu, que já era pai, senti pra valer quando o Homem-Areia promete uma vida diferente para a sua filhinha.
Sam Raimi saiu do rolê, Tobey Maguire foi substituído por Andrew Garfield e tivemos um reboot, como de costume, do tipo que os fãs de gibis bem conheciam. Se Tobey era um Peter na medida, Andrew encarnava um Aranhoso certeiro, do tipo que escondia todas as frustrações debaixo de um furacão de piadas infames.
Uma máscara que eu, durante anos, aprendi a vestir também.
No segundo filme, tão irregular quanto o primeiro, a sequência inicial da captura de Aleksei, o vindouro Rino, foi o mais puro suco do Homem-Aranha zoeiro e me fez morrer de rir. Mas os 10 minutos finais, UAU, quando o menininho vestido de Homem-Aranha se mete a enfrentar o Rino já de armadura, quando o Peter veste novamente o uniforme ainda sob o efeito do luto da morte da amada Gwen e se coloca entre os dois… UAU. Aquilo SIM é o mais puro suco do Homem-Aranha coração. Chorei litros, me derramei.
A partir dali, cara, a coisa toda prometia TANTO. Ainda mais depois que tive a chance de entrevistar Andrew Garfield e senti o quanto ele gostava de usar o uniforme, o quanto se importava com o projeto, o quanto era atencioso com os fãs, peguei um carinho especial pelo ator. Ele virou Peter Parker pra mim.
Mas aí, o Aranha versão Espetacular foi engavetado, o terceiro filme nunca aconteceu, Sexteto Sinistro nunca mais… e eis que veio o tal do MCU.
A construção do Universo Marvel nos cinemas, este projeto megalomaníaco com centenas de personagens e um monte de tramas interligadas entre filmes. Mas sem Homem-Aranha. Porque os direitos cinematográficos eram (e ainda são) da Sony. Só que finalmente ficou claro que faltava este coração, esta alma, esta humanidade ao pacotão de heróis Marvel na telona. Eu, pelo menos, sentia muito isso. Não o EU jornalista especializado, percebam. Mas o eu FÃ. E aí que a futura empresa da Disney e a Sony sentaram pra conversar, fizeram um acordo, eu produzo aqui, vocês distribuem aí, a gente usa o cara no meio da nossa bagunça multicolorida… E chegamos ao TERCEIRO aracnídeo dos cinemas.
Falando sobre Tom Holland
Olha só, eu tô longe, mas MUITO longe, de ser um dos odiadores do Tom Holland. Bem pelo contrário. Acho ele um ótimo ator, um cara divertido, carismático, que se entrega ao projeto como um todo com carinho… Ele tem um baita jeitão de fã que tá realizando um sonho, que tá vivendo o que muitos de nós gostaríamos de viver.
E sim, eu gostei bem dos dois primeiros filmes, vejam vocês. Acho que Tom Holland é tanto um bom Peter Parker quanto um bom Homem-Aranha. Funciona direitinho, tem uma baita química com o restante do elenco e com a maior parte dos heróis do MCU. Mas juro que entendo a bronca de alguns fãs (não todos), em especial os leitores das antigas. Xô ver se consigo explicar.
É sim um Homem-Aranha pra uma nova geração. É um Homem-Aranha pro meu filhote de 11 anos, que AMA a versão do Tom Holland, que aparentemente só entendeu o tanto que o pai gosta do Homem-Aranha quando viu aquele moleque ali meio perdido entre os medalhões na cena do aeroporto de “Guerra Civil”. E eu lido muitíssimo bem com isso. Mas, e sempre tem o “mas”, este é um Homem-Aranha do MCU. Aliás, não. É um Homem-Aranha PARA o MCU.
Não apenas em suas aparições nos outros filmes Marvel mas também em seus dois primeiros filmes solo, o Aranha do Tom Holland não existe para si mesmo, para contar uma história do Homem-Aranha com começo, meio e fim. E que, por um acaso, assim, está dentro do MCU. Ele é uma peça. Está ali para ajudar a construir uma história maior. O que sempre foi, aliás, a minha bronca com o tal do universo interligado da Marvel.
Por isso que eu ADORO, por exemplo, os dois primeiros filmes dos Guardiões da Galáxia, que existem por conta própria e não precisam usar esta ou aquela saga vigente do MCU como muleta. São meras referências aqui e ali e não o contexto maior do filme. Ao invés de explorar mais o tal “Bruce Springsteen dos heróis” como disse Tony Stark, ao invés de trabalhar mais a pegada “Amigão da Vizinhança” como naquela sequência toda da dancinha com o cara do cachorro-quente, temos Peter Parker servindo meramente como complemento do plano maior de Kevin Feige.
Ou melhor… TÍNHAMOS. Porque acho que é aí que este terceiro filme acerta EM CHEIO. E foi aí que ele pegou o Thiago Cardim que mergulhava de cabeça em “O Menino Que Colecionava Homem-Aranha”, lendo sentado no carpete do chão do seu quarto em Santos, pelos calcanhares.
Homem-Aranha, eu te amo
Homem-Aranha – Sem Volta Para Casa é, mais do que o fechamento da trilogia inicial mas sim, como muita gente vem dizendo, o nascimento DE FATO deste “novo” Homem-Aranha. Quando muita gente insiste em dizer que AGORA, finalmente, temos Tom Holland se tornando o Teioso, eu juro que entendo o ponto.
Porque este novo filme do Homem-Aranha não é um pedaço do MCU. É uma imensa declaração de amor ao Homem-Aranha, ao personagem, à sua mitologia, a tudo que aconteceu até agora. As presenças de Tobey Maguire e Andrew Garfield, por si mesmas, não são um fan service gratuito. Elas têm uma razão de ser, uma conexão para tornar Tom Holland quem ele é de fato. Eles estão ali, aproveitando esta zona toda de multiverso, pra ensinar o que significa ser Homem-Aranha, não importa quem esteja por baixo da máscara, não importa de que universo você venha.
Temos um Tobey Maguire como um Homem-Aranha mais velho, como um Peter que eu venho há mais de uma década querendo ver inclusive nos gibis, um herói mais maduro e não aquele adolescente de sempre e sempre. E é ele quem olha nos olhos do Peter / Tom e impede que ele seja tomado pelo ódio, pela vingança, pela vontade de saciar aquilo que queima em seu peito. Dá pra ver em seu olhar, aliás, toda a doçura triste do Peter dos três filmes dirigidos por Sam Raimi.
Temos um Andrew Garfield, que tanto foi criticado, enfim alcançando a redenção que merecia. Depois de ficar completamente apaixonado por ele graças à sua performance brilhante no musical “tick, tick… BOOM!”, eu achava que ele merecia MUITO MAIS. E teve. Se o Peter / Tobey é a voz do sentimento, do coração, o Peter / Andrew é a voz da emoção primal da frustração. O Aranha que se sente um fracasso, que sofre com a rejeição, que não conseguiu esticar a mão e salvar a mulher que ama.
E temos um Tom Holland que, enfim, se depara com dois elementos que sempre foram CRUCIAIS para a existência do Homem-Aranha em qualquer uma de suas encarnações.
Tragédia e sacrifício.
A tragédia que lhe traria “com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”, tão fundamental para a sua formação. Porque Peter sempre lidou com inúmeras tragédias pessoais – Tio Ben, Capitão Stacy, Gwen Stacy, Jean DeWolff… Foram muitas. E todas elas, de alguma forma, ajudaram a moldar a sua personalidade.
A perda de Tony Stark não era dele. Era dos Vingadores. Do mundo. Mas a perda da Tia May, esta sim, é uma perda PESSOAL. Sua. Única. Irreparável. Agora o Peter tem o seu próprio Tio Ben. Que lhe dá um significado ainda maior para vestir o uniforme. Isso, de fato, faltava no Homem-Aranha de Tom Holland. A volta está completa.
Além disso, mais do que o piadista incorrigível, Peter Parker sempre foi aquele que tomou decisões que, de alguma forma, significavam se sacrificar pelo bem maior. Decisões complexas, decisões difíceis, decisões que assustam, que dão medo. Mas que só um ser humano poderia tomar. Não um alien, não um deus. E quando ele decide que, para salvar o nosso mundo, vai permitir que as pessoas que mais ama se esqueçam completamente que ele existe, temos o Peter Parker de Tom Holland sendo o mais Homem-Aranha que se consegue ser.
Sozinho, sem grana, sem uniformes tecnológicos ou apoio de superequipes, tendo que lidar com sua dor e com o peso de suas escolhas, Tom Holland se torna, enfim, o Homem-Aranha completo.
Mas e o futuro?
Na moral, tanto faz. Sério. Se este fosse o último filme do Aranha de Tom Holland e beleza, acabou aí, estaria tudo bem. Seria um arremate brilhante. Se fosse o fechamento da parceria de produção da Marvel com a Sony e então a Sony agora trouxesse o Aranha para fazer parte do seu universo particular de produções, enquanto o MCU segue em frente esquecendo que Peter Parker existe, estaria igualmente tudo bem também.
Mas a gente já ouviu, tanto da Marvel quanto da Sony, que teremos uma nova série de filmes do personagem, produzida pela turma de Kevin Feige. Amy Pascal também confirmou. O quanto isso vai ter impacto dentro do MCU? Tom Holland vai mesmo retornar? E o Venom? E Morbius? E o Kraven? E o Miles? São perguntas, perguntas e mais perguntas. Mas fica aí com elas por enquanto.
Porque o que importa AGORA, neste momento, é que Homem-Aranha – Sem Volta Para Casa pegou pelas mãos a molecadinha, como o meu próprio filhote do alto de seus 11 anos, e os fãs das antigas, como este senhor grisalho que vos escreve neste momento, juntou todo mundo e disse – “este é o Homem-Aranha. Olha que legado incrível. Olha quantos filmes, olha quantas histórias. Olha só qual é o espírito do personagem. Fala sério se isso não é MUITO legal?”.
O meu eu de 13 anos e o meu eu de 42 estão, ambos, ao mesmo tempo, agradecendo pela força de cada lembrança, de cada página, de cada história. E o meu eu pai agradece ainda mais por ter as portas abertas para construir novas e deliciosas lembranças com o meu pequeno.
Obrigado, Homem-Aranha. Sabia que ainda podia contar contigo.
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Fabian Lucio Fontoura
Ehhhhh, Cardim, mais uma vez fico com os olhos marejados com um texto seu… Parabéns, cara!!
Marco
Excelente texto. Parabéns. A propósito, o Aranha do Holland foi muito cuz#@* ai arriscar tudo e se portar como um garoto birrento só para salvar os seus queridos para a universidade…e depois insiste em salvar os vilões e depois q a May morre quer explodir tudo…cousa de moleque.