Lázaros e a exaltação aos brucutus dos anos 1980
Criação do quadrinista Emmanuel Merlotti surgida ainda em sua adolescência, o personagem é um ex-detetive e atual caçador de recompensas que poderia ser tranquilamente vivido por Sylvester Stallone ou Arnold Schwarzenegger em seus dias de glória
Por THIAGO CARDIM
Em 2017, o chapa Marcos Brolia escreveu um texto delicioso lá pro JUDÃO.com.br no qual contava um pouco da história do estúdio Cannon Films, produtora conhecida pelas produções de ação explosiva e exagerada, “a casa de filmes de alta potência e alta voltagem”, que colocou nas telas pérolas de baixo orçamento, muitos tiros e MUITAS explosões, estreladas por caras como Charles Bronson, Sylvester Stallone, Jean-Claude Van Damme, Dolph Lundgren…
Quem, como eu, tem mais de 30 anos na cara, deve se lembrar de franquias que faziam o maior sucesso nas chamadas (e finadas) videolocadoras, tipo Braddock – O Super Comando, Comando Delta e o clássico absoluto American Ninja. Pois um outro herói teria grande chance de ter se juntado a esta trupe caso fosse um sujeito de carne e osso e não um personagem de gibis – no caso, Lázaros, aquele homem da lei renegado, detetive desligado da força policial que passa a atuar como caçador de recompensas, travando uma batalha com os chefões do crime, psicopatas e serial killers que infestam sua cidade, uma daquelas metrópoles de vielas sujas e sombrias.
Já deu pra sacar, então, qual é o clima da graphic novel Lázaros Hunter: O Silêncio dos Inocentes, obra do quadrinista e cartunistas sul-mato-grossense Emmanuel Merlotti. Recentemente financiada via Catarse, a obra é uma espécie de reinício para o personagem, originalmente surgido em 2015. No prefácio, escrito por Levi Andrade (ex-Panini e atual Hyperion Comics), o protagonista é descrito como “o típico ex-policial desgostoso com o sistema, durão, canalha, mas com um coração de ouro escondido no peito. Afinal, o sujeito tem que mostrar que é machão na frente de todo mundo. Caso contrário, como vai ser levado a sério e ainda conseguir derrotar o bandidão no final?”.
Um tira muito louco numa aventura do barulho
Filho de artista plástico, Emmanuel começou a trabalhar como cartunista em um jornal local da cidade de Campo Grande. Logo depois, se tornou um microempreendedor e começou a fazer caricaturas em eventos pra ganhar o pão nosso de cada dia. Mas, inspirado por ídolos diversos como John Buscema, John Byrne, Alan Davis, Will Eisner e Moebius, o cara deixou a paixão pelos gibis falar mais alto e, em 2015, lançou sua primeira HQ no FIQ, Festival Internacional de Quadrinhos. Aí, fez a peregrinação devida por uma série de eventos, começou a participar de coletâneas… Só que as aventuras de Lázaros ainda rondavam sua cabeça…
“Eu criei Lázaros há muito tempo, possivelmente lá atrás na minha adolescência”, explica ele, em entrevista exclusiva pro Gibizilla. “Quando ainda sonhava em me tornar desenhista de quadrinhos! Eu o lancei de forma independente em 2015, 300 cópias, formato americano. Em 2016, fui indicado em três categorias no HQ Mix, fiz mais uma publicação no formato gibizinho, mas seria mais como um livro de sketches e capas”.
Portanto, essa edição recentemente financiada coletivamente é, na verdade, a TERCEIRA estrelada pelo anti-herói. Mas o autor preferiu que ela funcionasse como um recomeço da trajetória de Lázaros, uma história fechada que não se conectasse com as anteriores. Mas as referências aos brucutus lendários dos anos 1980, ah, estas continuaram firmes e fortes. “As histórias de Lázaros vão estar sempre revivendo com referências aos personagens tão emblemáticos dessa época”.
Esta graphic novel frenética de 80 páginas serve como ponto de partida para que Emmanuel inicie o desenvolvimento da trilogia do personagem. “Se eu contasse uma história antes de iniciar a cronologia do personagem, seria mais fácil para desenvolver sem comprometer ou entregar algo da história antes da hora de apresentar o personagem de forma apropriada nessa trilogia que estou preparando”, explica.
A história, que acabou, portanto, virando uma prequel, traz Lázaros diante do sequestro misterioso de um garoto surdo que brincava em seu quarto nos subúrbios da cidade. A busca o coloca diante de um inimigo perigoso que mantém o garoto em cativeiro num prédio abandonado. Nada mais anos 1980, por assim dizer. E ele ainda gosta de colocar umas pitadinhas de elementos de horror, quase como um presente para os fãs das revistas clássicas do gênero como a lendária EC Comics, do mesmo William Gaines que foi dono da MAD.
O exército de um homem só
Depois do fim da campanha, a aventura de Lázaros será vendida pelo site oficial http://www.lazaroshunter.com.br, mantido pelo selo Redação Comics – cujo nome presta uma homenagem às antigas salas de produção de quadrinhos que copiavam o formato das redações dos jornais. Mas se você pensa que isso significa que o Emmanuel tem uma equipe enorme trabalhando com ele, se engana. O selo Redação Comics é o Emmanuel sozinho e ele mesmo.
A produção artística dos gibis, por exemplo, é inteirinha do cara – roteiro, desenhos, cores, tudinho. “Eu até gosto de ter essa liberdade e, como fui aprendendo ao logo da minha carreira, nunca me limitei a só desenhar. Eu passei a atuar em todas as etapas do desenho. Acabei aprendendo a pintar, a arte-finalizar…”, conta ele. “Eu priorizei os quadrinhos como a razão da minha vida, então abri mão de muita coisa. Não é uma decisão fácil a se tomar com 42 anos de idade”.
O restante também é tudo com ele, da editoração à publicação, da impressão à distribuição. “Na verdade, eu criei esse selo para assinar minhas publicações. E claro que se um dia minhas criações ficarem famosas, o nome da editora já temos, rs”. Aos poucos, o artista vai descobrindo o quanto é complicado assumir essas tarefas de distribuição e divulgação ao mesmo tempo em que segura a parte artística. “Não é nada fácil ter de assumir todas as etapas, mas tenho feito muitas amizades nesse ramo e, com os contatos, as coisas ficam um pouquinho mais fáceis”.
A intenção a partir de agora é lançar tudo por este selo – a começar, no ano que vem, por outro projeto também a ser viabilizado pelo Catarse, com o número 1 de Lázaros Hunter, agora real e oficial. “Aí sim vou começar a trilogia do meu personagem!”, afirma. Mas deixando claro que agora tá querendo fazer as coisas mais certinhas. “Nesse quase um ano de campanha, aprendi que a primeira coisa que tem que ficar pronta, antes de começar a campanha no Catarse, é a edição”, conta. “Inclusive com o boneco (Nota do Editor: versão finalizada da estrutura da revista, prontinha para impressão) pronto em mãos antes, antes de colocar no ar seu Catarse”.
Olha só, fica aí o aprendizado. ¯\_(ツ)_/¯
“Acho que, mesmo tendo nascido em 2015, Lázaros está em início de carreira”, confessa o quadrinista. “Se eu lançar uma edição por ano, ele vai conquistar cada vez mais leitores e consequentemente quero criar uma série de produtos do meu personagem”.
Definitivamente, Chuck Norris ficaria orgulhoso.