Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Skeletá é o Ghost dobrando a aposta na farofa e extravagância

Quase como a parte 3 de uma espécie de trilogia de transformação da banda em rock de arena, novo álbum mostra a que veio o quinto (e purpurinado) Papa

Por THIAGO CARDIM

Numa ótima e esclarecedora entrevista recente sobre sua trajetória como músico e principalmente como cantor, concedida ao Chaozine, o sueco Tobias Forge falou sobre o quanto o seu “eu” jovem ficou encantado pelo mundo do rock mais pesado graças às performances visuais de nomes como Kiss (claro…), Twisted Sister e W.A.S.P.  – servindo como sua porta de entrada definitiva para o bate-cabeça que viria a seguir.

Obviamente que, em comum, em especial ali por volta dos anos 1980, todas estas bandas têm algo que inspirou diretamente o Ghost desde os primórdios: as fantasias, as maquiagens, o cenário, os efeitos visuais, tudo que envolve boas doses de exagero e ultraje (longe de ser a rigor).

Mas existe um outro algo que conecta estes nomes e vai além da performance: a sonoridade. O peso das guitarras que ao mesmo tempo tem pitadas de melodias pop e fáceis de cantarolar junto. Os refrões simples e diretos, que se tornam hinos de batalha com potencial de estampar camisetas décadas depois. E toda uma construção sonora feita na medida certa para uma verdadeira catarse coletiva em uma enorme arena repleta de desajustados, que ali encontraram seu lugar.

Isso é claramente o que Ghost quer ser cada vez mais desde Prequelle. E isso é claramente o Ghost que se pode ouvir a cada faixa do ótimo Skeletá, que parece a etapa final de uma trilogia. Como se fosse o capítulo de encerramento de uma série de três filmes sobre uma banda que quer provar ao mundo que é possível alcançar o estrelato com canções populares, emocionais e bem-humoradas saídas de uma tal congregação religiosa dedicada a Satanás (ou quase isso).

Ghost que soa nitidamente Ghost. Ghost que tem o DNA impresso no disco, com faixas que já dizem francamente “ah, esta é uma música do Ghost”. E Ghost prontíssimo para conquistar o mundo.

Vou tentar explicar a lógica usando o próprio universo integrado do Ghost como ponto de partida

Prequelle (2018) é o Cardinal Copia chegando e subvertendo as satanices dos discos anteriores e injetando doses ainda mais fartas de música pop na sonoridade da banda. Em Impera (2022), devidamente empossado como Papa IV, Copia eis que resolve tornar tudo ainda maior e megalomaníaco, fazendo desta banda um fenômeno que toca em estádio para públicos ainda maiores. Pois quando ele se torna o Frater Imperator e seu irmão gêmeo (apresentado ao final do filme Rite Here, Rite Now) é colocado no papel de novo Papa, Skeletá amplifica muito mais o conceito. É quase como se o irmãozinho em disputa com o outro em posição de poder ainda maior estivesse dizendo “ah, é, pois eu vou te mostrar o que EU consigo fazer”.

Skeletá é o Ghost de Prequelle e Impera devidamente extrapolado. E dá pra sacar isso de imediato a partir do visual do Papa V, que aposta ainda mais nos brilhos, nos paetês, praticamente um Milton Cunha saindo das entranhas infernais.

Skeletá é um disco bem guitarreiro, aliás

Basta ouvir, por exemplo, a excelente “Missilia Amori”, canção sobre um amor virado do avesso, com uma guitarrinha marota que te encanta à primeira audição. O que ela faz a cada riff é praticamente uma homenagem escancarada ao dedilhar de Ace Frehley nos tempos áureos do Kiss. O mesmo dá pra dizer da cavalgada poderosa que serve como estrutura para “De Profundis Borealis”, com uma bela metralhadora sonora saída das seis cordas e que, apesar de pesada, soa completamente limpa, melódica e acessível.

O clima oitentista, que já tinha sido entregue no single “Lachryma”, fica escancarado na abertura com a empolgante “Peacefield”, que é quase como “o que aconteceria se o Survivor fosse convocado para uma nova canção da trilha de um capítulo bem mais sombrio de Rocky Balboa”. Mas o momento em que este conceito de fato se torna mais perfeitamente cristalizado é na apocalíptica “Marks of The Evil One”, canção sobre sinais demoníacos do fim dos tempos, sobre aqueles quatro cavaleiros, e com potencial para se tornar o mais novo hit inevitável da banda, algo num cruzamento entre “Square Hammer” e “Mary on a Cross”.

Aliás, muito me espanta que ESTA faixa não tenha sido a escolha inicial para se tornar o primeiro single do disco (nada contra “Satanized”, que inclusive é uma delicinha de tudo).

Skeletá, obviamente, como bom disco de rock de arena que se pretende ser, tem espaço também para suas belas baladas. Apesar de uma letra que fala daqueles que se perdem no caminho em busca de Deus e acaba se encontrando na escuridão, “Guiding Lights” é uma daquelas canções de coração rasgado que soa como algo do repertório do Journey que a banda provavelmente esqueceu de gravar. E deveria.

Já “Excelsis”, a música que encerra o disco, é aquela composta claramente pensando em encerrar TAMBÉM o show da banda, antes do bis obrigatório. É aquela convocação quase religiosa, de tons mais otimistas e esperançosos, convocando todos para serem uma grande nação e cantarem juntinhos, abraçados, largados e exaustos depois de assistir ao saltitante ritual do Papa V Perpetua.

No entanto, preciso confessar que, num disco com diversos momentos preciosos, aquele que mais me atraiu e me fez cravar como “a melhor do disco” foi justamente “Umbra”, música safadinha aparentemente sobre um amor sendo consumado (neste caso, fisicamente) dentro de uma igreja. A mais pura definição da farofa, em meio a um disco de guitarras tão proeminentes, “Umbra” se destaca pelo trabalho lindíssimo de teclados, tornando-a quase como uma irmã espiritual de “Spillways” – que, não por acaso, é um dos momentos mais inspirados de “Impera”.

Quando você chega ao final de um disco e fica automaticamente pensando como aqueles grandes momentos da audição vão soar ao vivo, é sinal de que alguma coisa de muito certo a banda fez. Portanto, mais uma vez, meus parabéns pra Tobias Forge. Porque, não importando a numeração do Papa, ele conseguiu de novo.

ESCUTE SKELETÁ NA ÍNTEGRA

ASSISTA AO CLIPES DO NOVO DISCO

::: COMPLETE A SUA COLEÇÃO DE ITENS DO GHOST usando o nosso link da Amazon :::

Post tags:
Post a Comment