
Here Be Dragons mostra Avantasia maior do que seus convidados
Além da sonoridade cada vez com menos medo de flertar com o pop, disco da empreitada de Tobias Sammet ajuda a cristalizar como banda de fato o que até então era apenas visto como “projeto”
Por THIAGO CARDIM
Se tem uma coisa que rigorosamente todo grande nome da música faz, seja um rockstar, seja uma diva pop, sejaum nome consagrado do funk ou sertanejo, é exaltar sempre o seu próximo disco como sendo o melhor de sua carreira. Portanto, era bem de esperar que um sujeito bem-humorado como Tobias Sammet, o criador e líder do combo metálico de nome Avantasia, seguisse pela mesma linha.
“Este novo álbum carrega o espírito mais aventureiro e ousado que minha música teve em décadas. E é bastante imprudente, destemido, poderoso e inspirador, nada introvertido”, disse ele, em comunicado oficial, ao anunciar o recém-lançado Here Be Dragons.
Como entusiasta de basicamente tudo que o Sammet faz desde a época do Edguy (inclusive, saudades), como alguém que tem The Scarecrow (2008) como um dos discos de sua vida, era óbvio que eu estava esperando ansiosamente a chegada deste álbum – ainda mais porque o primeiro single, Creepshow, super carrega nas tintas de um hard rock de inspiração quase pop, refrão e melodia grudentos até a tampa, podendo tranquilamente entrar sorrateiramente na playlist de um desavisado que sequer gosta de heavy metal.
Mas como entusiasta de basicamente tudo que o Sammet faz desde a época do Edguy, eu também levo declarações como estas, digamos, com um pé atrás (se fosse americano, provavelmente eu diria “com um grão de sal”). O que dá pra dizer ao se ouvir Here Be Dragons, primeiro disco não-conceitual (portanto, uma obra sem ter todas as faixas conectadas numa única história) do projeto, é que Tobias está certíssimo quando afirma que se trata do “capítulo mais coeso da história do Avantasia”.
A começar pelo fato de que finalmente, aliás, temos o Avantasia soando não como um projeto, de fato, mas sim como uma BANDA. E isso é uma ótima notícia.
Calma que eu explico.

Menos pelas participações especiais e mais pela música
Inteligentemente, nos últimos anos o próprio Tobias tem posicionado o Avantasia como uma espécie de “experiência”. Como uma apresentação especial que funciona como portal para um outro mundo de nome Avantasia, onde você terá duas horas da mais pura e simples diversão com um cenário megalomaníaco e muitos fogos e luzes, enquanto todos os seus problemas, boletos e neuroses ficam guardadinhos na chapelaria.
Desta forma, tanto faz se Michael Kiske está super atarefado com o Helloween, se Oliver Hartmann vai se dedicar aos seus projetos pessoais ou se Jorn Lande terá que se debruçar sobre seu novo disco solo. Porque o Avantasia é maior do que as suas participações especiais. E aí está, de fato, um acerto imenso.
Ao criar o conceito de “família”, por mais que seu próprio nome esteja inclusive assinando o logo do projeto, Tobias explica pra você, querido ouvinte, que VOCÊ faz parte desta família mais do que ninguém – e, portanto, não importa quem seja ou QUANTAS sejam as participações neste ou nos próximos discos, se o nome “Avantasia” está envolvido, é garantia de qualidade, de entretenimento, de uma “válvula de escape” da realidade opressora rumo a um universo mágico no qual qualquer um é bem-vindo.
Não por acaso, Here Be Dragons começou a ser comentado muito mais pela própria liberdade criativa de Tobias, como maestro desta orquestra, do que de fato pelas aparições estelares – e justamente Creepshow se tornou single inaugural e clipe, com destaque apenas para Tobias, para o guitarrista-produtor Sascha Paeth e para o baterista Felix Bohnke. Ponto. Este é o núcleo, o coração avantasiano, e o restante são peças que vão se conectando.
Mesmo os convidados especiais de Here Be Dragons são, no fim, meio que já esperados, meio que uma combinação de diferentes gerações do próprio Avantasia – do retorno de Kiske, que esteve lá desde os primeiros discos (como inspiração absoluta do mundinho power metal); às participações de Bob Catley, Ronnie Atkins e Geoff Tate, que têm sido figurinhas carimbadas nos últimos anos; passando por Roy Khan, que tinha tido um papel de destaque em The Scarecrow; por Tommy Karevik (atual vocal do Kamelot) e Kenny Leckremo (H.E.A.T.), que andaram cantando com o Avantasia em turnês mais recentes; e finalizando com o destaque mais do que merecido para a multifacetada Adrienne Cowan, backing vocal da banda ao vivo e que agora se torna protagonista de sua própria faixa (Avalon, um dos melhores momentos do disco, aliás).
Sabe aquele papo de “capítulo mais coeso da história do Avantasia”? Pois é. Here Be Dragons apresenta um Avantasia cujo conceito musical se tornou algo maior do que nomes piscando na fachada do teatro. E estamos falando aqui de um conceito que meio que integra tudo que de mais acertado a banda fez ao longo de sua discografia.
“Fiz tudo exatamente como queria”
Esta também é uma frase de Tobias a respeito do processo criativo de Here Be Dragons – e dá pra perceber isso claramente assim que você aperta o play. Em termos sonoros, enquanto os fãs mais hardcore vinham insistentemente pedindo para que ele retomasse a porradaria original dos dois primeiros Metal Opera, o disco parece uma espécie de sucessor espiritual de The Scarecrow, talvez mais até do que os dois discos posteriores que funcionavam como novos capítulos da mesma história.
Muitíssimo mais à vontade na sua mistura de hard rock e power metal – dois gêneros, aliás, que se misturam lindamente nas mãos de um compositor habilidoso – Tobias convida Catley, por exemplo, para mais uma power ballad certeira, e digo até que Bring On The Night fica ainda mais saborosa em sua versão 80’s, com tecladinhos safados, que a gente escuta como faixa-bônus no disco 2. Já Karevik dá voz, em The Witch, a um experimento que é meio “o que aconteceria se Tobias Sammet estivesse escrevendo uma música que mistura Kamelot e Def Leppard”.
Só que se você sente falta de um Avantasia mais, digamos, metaleiro mesmo, aquela sonoridade herdada do Helloween, as guitarras ácidas e dobradas de The Moorlands At Twilight ou mesmo a acelerada Unleash The Kraken (que coloca Tobias jogando o vocal lá no alto, quase emulando os momentos mais heavy do próprio Edguy) são pra você. E, mesmo assim, elas não deixam de conversar de alguma forma com as canções anteriores.
Agora, seja você hard rocker, metaleiro raiz, kpopper ou swiftie, impossível não se emocionar com o coração rasgado de Everybody’s Here Until The End, o tipo de canção pungente e sublime que Tobias faz muitíssimo bem e há bastante tempo.
Aliás, vamos lá, não importa se nos momentos mais rápidos, nos momentos mais suaves, nos momentos de instrumentais mais intrincados ou naqueles de melodias mais simples e ganchudas, Here Be Dragons assume sem vergonha a sua vocação de “disco pra cantar junto”. E isso faz total parte do posicionamento de “experiência musical” que o Avantasia tornou o seu tema hoje em dia, uma espécie de musical em pleno palco de heavy metal, um Wicked misturado com Rhapsody. O mais pop que o metal pode ser.
No fim, o disco soa também como um combo da própria história do Avantasia – e aqui, de novo, não digo isso de maneira pejorativa, mas sim como uma ÓTIMA notícia. E para provar isso, fui fazer algo que é um exercício bastante interessante: revisitar meus próprios textos a respeito do assunto. Portanto, fui buscar tanto no Whiplash quanto no JUDÃO.com.br as críticas que escrevi sobre lançamentos da banda (e sim, estou propositalmente deixando a palavra “projeto” de lado daqui pra frente).
Quando falei sobre The Scarecrow pro Whiplash, fiz questão de destacar Tobias como sendo “um dos maiores hitmakers do universo metálico”. Já no review conjunto de Wicked Symphony & Angel of Babylon, disse “quem dera todo fã de rock celebrasse suas influências e seus grandes ídolos com tamanho talento”. Sobre The Mystery of Time, ainda no Whiplash, cravei que “era um álbum conciso, autocentrado, uma obra que funciona perfeitamente sozinha, do início ao fim, sem pontas soltas”. Já no JUDÃO.com.br, falando sobre Ghostlights, disse que “tudo é ainda mais épico, grandioso e principalmente mais teatral”. E a respeito de Moonglow, exaltei “os exageros propositais de sempre tão aguardados num trabalho do gênero, tudo bem amarrado e resultando num disco lindíssimo”.
Pois sabe Here Be Dragons? É rigorosamente uma combinação de TODAS estas frases numa coisa só. E faz um sentido danado.
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Por falar nisso… BANGERS OPEN AIR!
O Avantasia volta ao Brasil em maio, como parte do Bangers Open Air, antigo Summer Breeze Brasil. O festival acontece, como já virou tradição, lá no Memorial da América Latina, em São Paulo – agora entre os dias 2 e 4 de maio. Você confere a programação completa no site oficial da festança metálica.
Os ingressos estão à venda no Clube do Ingresso.
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::: Leia tudo que a gente AINDA VAI publicar sobre o Bangers Open Air
::: Leia tudo que a gente publicou sobre as primeiras edições do Summer Breeze
::: Complete aqui a sua coleção de heavy metal, meu camarada!