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O fim da série que colocou o coração de volta nos super-heróis

Com o finale de “Superman & Lois”, encerra-se uma das mais delicadas e emocionantes séries a respeito não apenas do Homem de Aço – mas também do arquétipo dos super-heróis

Por THIAGO CARDIM

No mais recente episódio do nosso podcast, o Imagina Se Pega no Olho, a gente bateu um papo com os queridos do Quadrinheiros a respeito do crescente discurso crítico do escritor e roteirista Alan Moore criticando a idolatria à figura do super-herói – que não apenas representaria, segundo ele, o sonho de um adulto infantilizado mas também a iconografia ideal de alguém alinhado com o fascismo.

Mas a Gabi lembrou bem, no meio da conversa, que os super-heróis como os conhecemos hoje surgiram, antes de tudo, como símbolos de esperança. De um mundo melhor. Desenvolvidos basicamente por filhos judeus de famílias operárias, em meio ao clima de ódio semeado por um detestável baixinho de bigode ridículo durante a Segunda Guerra Mundial. 

E o primeiro deles, obviamente, foi um sujeitinho conhecido como Superman, criação de Joe Shuster e Jerry Siegel. De 1938 pra cá, claro, tivemos muitos Supermans nos quadrinhos. Diferentes versões do personagem, de John Byrne a Mark Waid, de Mark Millar a Jason Aaron, de Frank Miller a Grant Morrison, o que não faltam são abordagens diferentes pro mais icônico de todos os heróis.

Só que, como a Gabi pontuou, apesar dos pesares, o Super funciona quando o roteirista sabe de alguma forma abordar aquele que é o seu maior superpoder: o coração.

Por isso é que o Kal-El de Zack Snyder – com todo respeito ao querido Henry Cavill – simplesmente não parece funcionar, entre seus ataques de fúria e seu ranger de dentes, nem mesmo como uma “versão alternativa” do que poderia ser o Superman (para isso, prefiro o Homelander). Porque o que faz o Superman ser de fato SUPER não está ali. Mas está, com sobras, em “Superman & Lois”, a série que chegou recentemente ao fim depois de quatro belas temporadas.

E que me arrancou rios de lágrimas, sem exagero, ao final do episódio derradeiro.

Ser um Super-Homem é, antes de tudo, ser SUPER-HUMANO

Armado de um sorriso franco e escancarado, carregando consigo sempre uma dose inesgotável de otimismo, Tyler Hoechlin se tornou uma espécie de herdeiro direto do legado de Christopher Reeve. Nada de Dean Cain, tampouco Tom Welling. Em especial nesta temporada final, Tyler incorporou um Clark Kent que representa tudo que se imagina do Superman e, indo mais além, do próprio conceito original do super-herói.

O kryptoniano de “Superman & Lois” é, acima de tudo, o bom garoto de Smallville do qual a sua pequena cidade tem orgulho. Se nas primeiras temporadas vimos o lado marido e pai de Clark ainda mais aflorados (a luta contra o câncer de Lois foi intensa para eles e para os espectadores, diga-se), desta vez ficou claro o quanto a pequena cidade na qual ele foi criado faz sentido para a sua história e o quanto ELE faz sentido para ela. Conforme toda a questão de sua identidade secreta é colocada em xeque (naquele que é, de longe, um dos melhores e mais emocionantes episódios desta quarta temporada), a relação dos Kent com aquela comunidade e o quanto eles se tornam uma única grande família em torno do garoto que, por acaso, acabam descobrindo que TAMBÉM é o Superman, vira o grande tema da história.

Amor.

Amor pelos seus, pela família, pelos vizinhos, amor pelo próximo.

Um amor que, inclusive, é responsável por tornar a história de um vilão raso como o Apocalypse (Doomsday, no original) em algo bem mais interessante que a sua própria contraparte original dos gibis (fora o visual, bem mais interessante e com um orçamento muitíssimo menos do que aquele de “Batman vs Superman”). Porque este Apocalypse é o Superman “Bizarro”, de uma outra realidade. Que vai se transformando e “evoluindo” em mais e mais violência à medida que “morre”. Até que algo o detém. Justamente a visão da Lois Lane que, naquele outro mundo, numa outra vida, era a SUA vida. O seu amor. Algo muito mais poderoso do que uma sequência irrefreável de sopapos.

O amor que, aliás, transforma o Lex Luthor vivido por Michael Cudlitz (simplesmente sensacional, aliás) em uma das versões mais brutais do personagem. A saudade que ele sentiu da própria filha serviu como o motor de sua vingança contra Lois Lane e sua família, depois de sua prisão ao longo de mais de uma década por um crime que não cometeu. Mas perder o crescimento de Elizabeth (participação especial de Elizabeth Henstridge, que nos trouxe saudades imediatas de Agents of SHIELD) acaba se tornando mais forte do que a chance que a vida lhe dá de tentar recuperar o tempo perdido, fazendo o ódio desmedido se tornar maior do que o amor. O Lex maniqueísta e friamente calculista acaba injetando mais sangue e fúria em suas artimanhas.

Ver ele e Clark saindo no soco, como dois HUMANOS, debaixo de lâmpadas que reproduzem o efeito do sol vermelho, é um embate bem mais interessante do que qualquer uma das próprias porradarias com o Apocalypse. Mais intenso, mais aflitivo, mais dentro do contexto.

E conforme vemos este Clark mais humano, o Clark para muito além do Kal-El, desfraldando seu lado alienígena, assumindo seus erros, pedindo desculpas aos filhos, tirando os óculos e abrindo a camisa para frear uma bala em pleno restaurante do centro da cidade, também o vemos sofrendo os efeitos da humanização e de fato envelhecendo, depois do sacrifício feito pelo enorme coração de Sam Lane (neste caso, literalmente).

A segunda metade do episódio final, narrada pelo próprio protagonista, contando como foram os anos que a partir dali se seguiram, é de tirar o chapéu. Tocante e lindíssima, do crescimento dos filhos à aparição relâmpago do Krypto, da despedida de Lois à quebra de uma das mais longevas regras da própria DC Comics em prol de uma história que este personagem merecia ver e ter contada. É tudo uma verdadeira pintura.


É necessária uma correção importante aqui, no entanto: apesar de ter Greg Berlanti na produção e ser exibida no CW, “Superman & Lois” NÃO era uma série do Arrowverso. Clark e Lois apareceram em crossovers, mas ESTA versão deles era isolada, fechada em si mesma e em nenhum momento conectada com as outras séries.

Portanto, não, este não é o fim do Arrowverso – o último prego no caixão foi com o fechamento da série do Flash. Este aqui foi o fim de “Superman & Lois”, uma série com vida própria (e, neste caso, apesar de um defensor do Arrowverso, digo que AINDA BEM) e que encerrou o seu arco da melhor forma possível, com dignidade e o coração no lugar certinho.

A gente merecia, há muito tempo, um Superman COMO ESTE. Os leitores de quadrinhos. Os fãs de filmes e séries. O mundo, aliás. Aliás, um Superman apenas não. Um super-herói e ponto. Que honra o legado de Christopher Reeve como intérprete do personagem e como ator e lutador pelos direitos humanos (sugerimos FORTEMENTE ver o documentário sobre ele, também no Max, é pra chorar e sorrir ao mesmo tempo).

Tyler Hoechlin sai de cena como um Superman que, aliás, torna a missão de James Gunn com o seu vindouro filme BEM MAIS DIFÍCIL. Boa sorte ao poderoso chefão. 😉


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