Linkin Park e uma crônica de sofá
Navegando por entre memórias de duas décadas, timelines emocionadas, um show no Globoplay e um disco no Spotify
Por THIAGO CARDIM
Hoje, do alto dos meus 45 anos, eu meio que enxergo aqueles poucos anos em que fui um metaleiro purista quase como sendo uma outra encarnação. Ainda bem que durou pouco. Mas durou o bastante para que eu fosse um detrator do nu metal, um subgênero metálico que abarca toda uma dezena de bandas tão diferentes entre si (fala sério, colocar Slipknot, Limp Bizkit e System of a Down debaixo de um mesmo guarda-chuva parece coisa de maluco!) mas que era considerado pelos bangers das antigas como algo impuro, indigno de carregar o “sagrado” nome “metal”.
Que baita babaquice.
Mas, como eu disse, ainda bem que durou pouco.
O mais curioso, no entanto, é lembrar que a minha resistência ao nu metal seria definitivamente derrubada apenas ali por volta do ano 2000, quando chegou, na minha mesa da redação da finada AOL Brasil, um álbum chamado “Hybrid Theory”. Apresentando uma banda de nome Linkin Park, que um colega de trabalho insistia que tinha um integrante que era a minha cara (no caso, o Mike Shinoda, mas eu nunca vi qualquer semelhança de verdade), a bolacha me pegou de imediato, em especial pela integração sem medo de ser feliz com o rap.
Quatro anos depois, lá estava eu para a cobertura do show do Linkin Park por aqui, com abertura de ninguém menos do que meus conterrâneos do Charlie Brown Jr. “A noite da terapia do grito”, batizei eu à época, utilizando um termo usado pelo próprio frontman na coletiva de imprensa e que, mais tarde, vi que funcionava como uma luva dada a emoção que o vocalista Chester Bennington colocava na voz, a cada berro repleto de ansiedade e frustração.
“Uma das vozes mais proeminentes da sua geração, que fez ressoar e explodir a indignação adolescente do nu metal mesclando a sua berraria poderosa e cheia de sofrimento com os vocais rap cheios de ritmo e poesia do parceiro Mike Shinoda”, escrevi eu mesmo, no JUDÃO.com.br, quando o músico se foi, deixando uma geração de órfãos para trás.
O fim e o recomeço
Quando começaram, em algum momento deste 2024, os primeiros boatos sobre um possível retorno do Linkin Park com uma mulher nos vocais, vi muita gente torcendo o nariz – muitos por ser uma mina (e a gente sabe o nome disso, né…) mas outros tantos pela simples possibilidade de uma volta do grupo. Para estes fãs, o Linkin Park deveria ter sido sepultado depois da partida de Chester. Mas, como tantas outras bandas já mostraram com total competência, a morte de um dos integrantes não precisa necessariamente significar o fim dos trabalhos construídos até ali.
Porque não é sobre substituir. Sobre assumir o lugar.
Mas sim sobre continuar construindo sem nunca deixar de honrar o legado. Sobre lembrar. Sobre sonhar junto. E, ainda que pela TV (já que não pude ir ao show), ao ver o sorriso largamente estampado no rosto de Mike Shinoda na apresentação em território brasileiro que serviu como celebração do lançamento do novo disco e também foi devidamente filmada para se tornar um documentário que chega aos cinemas em 2025, tava literalmente na cara que ele e os parceiros tinham feito a escolha certa.
Não apenas sobre voltar. Mas também sobre COM QUEM voltar.
Ao escutar o disco “From Zero”, a sensação que fica é que este é o Linkin Park. Ponto. Claro que, em faixas como “The Emptiness Machine” e “Heavy is The Crown”, inteligentemente escolhidas para serem os singles do disco, a vocalista Emily Armstrong não apenas mostra a que veio como também espalha a sua assinatura com uma bem-vinda sensação de “novo”. Mas a rispidez furiosa de uma “Casualty”, por exemplo, a torna uma espécie de irmã espiritual de “Crawling”, esfregando o DNA da banda na cara de quem ainda tinha alguma resistência e deixando absolutamente cristalino o respeito ao que Chester representou para cada um deles, antigos ou novos integrantes.
“From Zero” é um recomeço, claro, mas deixando claro que este é o Linkin Park. Ainda que seja um NOVO Linkin Park, ainda é aquele Linkin Park que fez a cabeça de toda uma molecada hoje com seus trinta e poucos anos – e, por incrível que pareça, também começa a pavimentar uma nova geração de fãs mais jovens, mas igualmente encantados e conectados.
Ver toda a paixão e fervor não apenas dos vídeos que foram produzidos pelos muitos celulares tremelicantes na apresentação de São Paulo, mas também de cada uma das postagens de anônimos que o algoritmo me fazia questão de entregar conforme eu ia dando likes e mais likes nas redes sociais, mostrava o quanto a banda fez falta nestes últimos 7 anos de elaboração do luto. O quanto a turma estava enxergando este retorno como a volta de um grupo de amigos queridos, há muito não vistos.
As dezenas de comentários emocionados que li, as confissões de choros presos na garganta finalmente sendo liberados, os sonhos de vê-los ao vivo sendo realizados, as histórias de como a banda esteve com cada um deles em momentos difíceis de suas vidas… Tudo isso só ajudou a completar o quebra-cabeças.
Você pode não ser fã. Pode até nem gostar do som da banda. Tá tudo bem, direito seu. Mas negar a força que este tipo de sentimento tem, achar que só um Iron Maiden ou Metallica seriam capazes de causar isso, é ser NO MÍNIMO insensível à vibração causada pelo sexteto (além de ser um velho rockista bem do babaca, mas isso é assunto pra outro dia).
Ao vivo, pelo menos de acordo com o que pude ver do sofá de casa, este novo Linkin Park está se encontrando, o que é absolutamente natural. A banda ainda entende aos poucos como construir seu show, tecnicamente falando, se afiando e reconectando depois de tanto tempo parados ou sem tocar uns com os outros – embora o coração claramente esteja lá. De um lado, o sorriso de Mike, do outro o deslumbramento de Emily, encantada com o carinho, com a recepção, com as pequenas e imensas demonstrações de amor dos brasileiros. Como uma nova amiga chegando a um grupo de gente que se conhece há muito tempo, ela vai entendendo aos poucos os códigos, as piadas internas. Normal. Vai rolar. Logo, logo ela saca qual é a do Rock Lee e do Gaara ao som de Linkin Park.
(se você vai falar sobre a conexão com a cientologia, talvez seja bom lembrar também de Tom Cruise, de John Travolta e de outros medalhões quetais que todo mundo diz que ama)
Já a voz da moça, rapaz, é um trovão. Grita belamente, sussurra ferozmente. E ela faz com que a sua interpretação seja apenas e tão somente sua, sem tentar em momento algum emular o que o Chester fazia. Ouvir clássicos como “Numb”, “Breaking The Habit”, “In The End” e “One Step Closer” agora repensados, reformulados, é curioso porque sim, são as mesmas músicas… e ao mesmo tempo, não são. Como eu disse ali em cima, só que ao contrário, ainda é aquele Linkin Park, ainda que seja um NOVO Linkin Park.
Como fã que sou de uma série de outras bandas, sei bem como é deliciosa a sensação de voltar do show do seu grupo favorito praticamente sem voz, com o corpo todo dolorido, quase como que expurgando todos os seus demônios ao longo de 2h. E acho uma delícia ver todo este pessoal passando pela mesma situação, se encontrando, fazendo novos amigos na arquibancada, na pista, no metrô de volta pra casa, reconhecendo no outro as suas próprias histórias.
Dizer que sou “fã” do Linkin Park talvez seja um exagero. Mas sempre gostei muito da banda. E fico feliz de ver que, assim como seus próprios fãs, eles também estão passando pela sua própria terapia do grito. E do riso. E da lágrima. E de tudo junto e misturado.