Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Sobre Africa, Toto e Weezer

Um pouco da história de um dos maiores hits pop do rock mundial e sua relação com a força da internet

Por THIAGO CARDIM


Agora que os norte-americanos do Toto, também conhecidos como o “Roupa Nova americano”, estão em turnê pelo Brasil, nada mais natural do que ver dois fenômenos se replicando mais uma vez: os textões explicando que o vocalista Joseph Williams é filho do maestro John Williams (compositor de algumas das trilhas sonoras mais famosas da história do cinema, como Star Wars, Indiana Jones, Superman, Tubarão e por aí vai) e, claro, os muitos registros da execução do clássico absoluto “Africa”, não apenas o maior hit da carreira do Toto como também uma das canções mais conhecidas do universo da música pop. Basta deixar o seu player de rádio sintonizado na Alpha FM que, no máximo em 1h, a música deve ser honrosamente executada.

Pois senta aí que vamos te contar um pouco de história… 😉

Maior sucesso da carreira da banda surgida em 1976 e que atualmente é formada pelo núcleo Joseph Williams (vocal), David Paich (teclado, vocal) e Steve Lukather (guitarra), que atuam ao lado de um monte de outros músicos de turnê, Africa foi o único hit número 1 do Toto na disputadíssima parada top 100 da Billboard, em 1983. E apesar de terem lançado ao todo 17 discos de estúdio, foi com Toto IV que se consolidaram como um dos maiores sucessos de vendas daquela década. Mas… por que Africa? Qual diabos é o segredo da música?

“Se isso for um sucesso, eu vou sair correndo pelado pela Hollywood Boulevard”, disse Lukather, na época em que Paich apresentou a proposta da música pro restante da banda. Ao Guardian, ele conta que achou a sonoridade deliciosa, mas tinha problemas com o conceito e, claro, com a letra. “África, Dave? Nós somos de North Hollywood, sobre o que caralhos você tá escrevendo aí? Abençoar a chuva caindo na África, você é Jesus, por acaso?”. Por seu lado, Dave conta que, assim que comprou um teclado novo, começou a dedilhar e já saiu o riff inicial da canção. Começou a MURMURAR uma melodia e, bingo, o refrão surgiu do nada. “Foi como se um poder superior estivesse escrevendo através de mim, porque aquilo veio tipo mágica”.

Fanático por conhecer o mundo, ele recorda que, quando criança, era vidrado na África, adorava filmes sobre grandes exploradores e aventureiros. “Cheguei a estudar numa escola católica só pra meninos e muitos dos professores tinham feito trabalho como missionários no continente africano. Eles me contavam sobre como abençoavam os vilarejos, as plantações e, claro, a chuva, quando vinha. Foi daí que veio esta parte da música”. No fim, portanto, Africa é sobre a solidão de um missionário, uma história de amor romantizada por um continente que ele ainda não tinha tido a chance de conhecer. “Foi baseado em como eu imaginava quando criança, do que eu lia na National Geographic”. Quando a faixa foi lançada e se tornou aquele estrondoso sucesso, enfim o Toto teve a chance de tocar na África e o tecladista realizou seu sonho. “As pessoas me diziam ‘como assim, você nunca esteve na África antes? Você descreve as coisas de um jeito tão bonito’. Isso aquece meu coração”.

No fim, Steve teve que engolir seus pensamentos, porque Africa se tornou um hit esmagador e que virou queridinho da cultura pop e da internet nos dias de hoje. “Eu tava vendo South Park e de repente apareceu aquele personagem, tocando Africa na guitarra. E aí percebi que era eu, com cavanhaque e tudo. Ri durante uma hora e liguei pra banda. Aí Africa apareceu em Family GuyAmerican Dad e até num dueto do Jimmy Fallon com o Justin Timberlake na TV”. O guitarrista diz ainda que escuta, de vez em quando, pessoas dizendo: “cara, eu odeio esta porra de música”. Mas ele responde, com toda a sinceridade do mundo: “tem vezes que eu também odeio”. Afinal, eles tocam a parada sem parar há mais de 30 anos. “Mas nós sobrevivemos aos nossos haters e tem sido muito legal. Estamos felizes de encontrar este novo público, em parte também graças aos artistas de música eletrônica que colocam Africa em seus sets. Acho que combina bem com o Skrillex”.

Antes do Kiko do Foguete arrombar o Twitter com seus desejos de menino milionário mimado, existia por lá um bot que ficava diariamente mandando mensagens com a letra da música. Mas uma busca simples pelo seu microblog favorito (seja ele X, Threads ou BlueSky) também retorna frases como “não fale comigo até eu ouvir a minha Africa do Toto de toda manhã” ou “se você estiver estressado, lembre-se que existe Africa do Toto”. Para Ben Lunt, especialista em tendências digitais e diretor executivo da agência londrina BMB, em entrevista a Vice, o segredo de Africa é justamente a música estar completamente fora de seu tempo.

“Pra quem gostava de rock naquela época, Africa era até meio fora de moda, mas hoje é um daqueles prazeres ocultos. É uma música que cruza gerações, que desperta a nostalgia na galera da minha idade e que acaba sendo pegada emprestada pelos mais jovens. Pode ser que a molecada curta a música porque ela talvez se pareça com as canções que seus pais tocavam quando eles eram crianças. No fim, tem a ligação afetiva com a infância e faz você se sentir seguro”, tenta explicar ele. “E normalmente, quando algo se torna um meme, tem sempre alguma coisa sendo subvertida. Mas não acontece isso com Africa. As pessoas geralmente usam a canção como uma expressão de amor”.

Para Kate Miltner, pesquisadora especializada em internet da University of Southern California, existe atualmente uma fetichização do que é “puro e sincero” dentro da cultura da internet. “Você pode ver uma foto de um cachorro e um cervo aconchegados, com a legenda ‘puro demais para este mundo’. A internet acabou abraçando a canção porque ela vem de uma época em que a honestidade era muito mais social, aceitável”. Para ela, aliás, justamente o atual clima político global, absolutamente polarizado, permite que a gente curta a letra um tanto ridícula sem reservas. “É uma permissão pra catarse. Afinal, vivemos tempos bem estranhos hoje”.

Pra quem não lembra de “Africa”, a gente te dá esta forcinha.

Mas aí que o Weezer entrou na roda

Tudo começou com uma menina norte-americana de nome Mary. Ela tem 14 anos, vive na região de Cleveland e toca numa banda cover surgida na franquia de escolas musicais School of Rock. Pois muito que bem.

Quando começou a fazer aulas de guitarra, a jovem fã do Green Day foi apresentada a uma banda que nunca tinha ouvido antes: Weezer, um quarteto fofo de rock alternativo que sabe muito bem flertar com a boa música pop. “Aí eu escutei e fiquei apaixonada”, conta ela, em entrevista ao Noisey. “Meu álbum favorito é o Pinkerton (1996) e minha música predileta é Across the Sea“.

“Eu escuto muita música estranha dos anos 80”, explica ela, lembrando que, por conta de uma aparição na trilha sonora de Stranger Things, muitos de seus amigos estavam falando de uma canção chamada Africa. “E aí que uma banda da escola fez uma versão da canção alguns meses atrás e eu achei aquilo muito legal”.

Portanto, tá aí, já temos Mary, Weezer e Toto como partes desta equação, certo? Legal. Faltava, então, misturar tudo isso pra ver que bicho ia dar. E rolou justamente quando Mary e os amigos (igualmente jovens aspirantes a músicos) tavam conversando sobre umas entrevistas em que o Weezer falava sobre suas inspirações pro disco Pacific Daydream, lançado ano passado. “Quase como se os Beach Boys e o Clash tivessem se apaixonado diante do oceano e tivessem um filho lindíssimo”, chegou a declarar o vocalista Rivers Cuomo. Só que a menina em questão teve uma ideia, em tom de piada, e soltou: “Eu aposto que eles se inspiraram em Africa, do Toto, pra este novo disco”.

O ponto aí é que Mary se empolgou com a piada. E aí pensou “será que eu consigo fazer com que eles façam um cover pra esta música?”. Afinal, o Weezer é bom de reinterpretar clássicos com a sua própria cara, indo de Paranoid Android, do Radiohead, a uma improvável versão de War Pigs, do Black Sabbath. Então, ela foi pro Twitter, criou o @weezerafrica e passou a escrever loucamente com a hashtag #WeezerCoverAfrica pra lá e pra cá. Ela só não imaginou que a internet, ah, esta que quando quer é mesmo uma linda, se mobilizaria pra fazer isso acontecer DE VERDADE. Porque, afinal de contas, Africa se tornou a música favorita da internet nos últimos anos.

A aproximação dela com os caras do Weezer começou em dezembro, perto do Natal de 2017, quando o batera Patrick Wilson tuitou que nenhum álbum de canções natalinas mexia tanto com ele quanto A Charlie Brown Christmas (1965), do Vince Guaraldi Trio, trilha do especial de mesmo nome estrelado pelos personagens da turma do Snoopy. E a Mary replicou “isso é incrível, Patrick. E nada me conecta mais com o universo do que o Weezer fazendo um cover de Africa, do Toto”.

O músico não se fez de rogado: “eu ri”, respondeu ele. Ela também já tinha aproveitado todas as chances possíveis pra responder outras mensagens semelhantes pros outros integrantes do grupo, incluindo o próprio Cuomo.

David Paich, tecladista do Toto e compositor original da faixa, entrou na brincadeira e começou a provocar Rivers nas redes sociais. Aí que semana passada, o Weezer postou uma provocação, marcando @weezerafrica ao liberar uma versão pra Rosanna, uma OUTRA música do Toto que abre o disco Toto IV (1982), no qual está, vejam vocês, nada menos do que o sucesso arrasa-quarteirão de Africa.

Olha, a menina deve REALMENTE ter ficado desapontada. Mas a campanha não ARREFECEU e seguiu em frente. E aí que esta semana, talvez comovidos ao descobrir quem era a pequena pessoa por trás desta conta do Twitter tão insistente, os caras do Weezer liberaram o seu tão aguardado presente e tocaram Africa. VITÓRIA. “Eu juro que não sei o que vem a seguir”, mandou Mary, meio desnorteada mas muito feliz. “Deixem apenas eu curtir isso por um momento”.

E, quer saber? O diacho da versão do Weezer é REALMENTE bem boa, rapaz. Steve Lukather, guitarrista do Toto, concorda. “Estou lisonjeado e agradecido ao Weezer”, soltou ele, também no Twitter. “Nós gravamos isso logo da segunda vez, sem ensaio, em 1981. Não que alguém se importe, hahaha. Espero que a gente se encontre um dia. A não ser que vocês nos odeiem, hahahahahaha”. Logo depois, o músico agradeceu a oportunidade de ver Africa se tornar top 1 do iTunes e demais plataformas digitais, tantos anos depois.

A canção inclusive seria incluída, em 2019, no disco azul autointitulado do Weezer, que traz basicamente covers do grupo para artistas e bandas como Black Sabbath, Michael Jackson, Electric Light Orchestra e Tears for Fears.

A própria Mary se orgulha da campanha #WeezerCoverAfrica, mostrando um discurso bastante maduro. “Com tudo que tá acontecendo politicamente, as discussões sobre a neutralidade da rede, é legal ver que todos concordam que isso é divertido. Acho ótimo que todas as pessoas diferentes estejam querendo curtir isso”.

E vejam: ela disse isso ali no começo do primeiro mandato do Trump – MAL PODIA IMAGINAR A POBRE GAROTA.

Em tempo, claro, vejam o Weezer executando Africa. 😉

Post tags: