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O Abrigo de Kulê: dos livros pros webcomics

Obra da escritora e jornalista Juliana Valentim ganha um novo olhar criativo na plataforma de quadrinhos digitais Infinitoon

Por THIAGO CARDIM

Nos anos 1940, em uma paisagem rural no interior do Brasil, a chegada de um caixeiro-viajante (um mercador ambulante, pra quem não faz ideia do que estamos falando) muda completamente a vida dos moradores de uma cidadezinha. Você pode estar achando que esta é a bucólica sinopse de uma típica novela global das 6, mas estamos falando do início dos trabalhos da trama de O Abrigo de Kulê, romance da escritora Juliana Valentim.

Natural de Brasília, a cronista, poeta e romancista coloca em discussão temas como preconceito, injustiças sociais e sororidade ao contar a história de Maria, uma jovem apaixonada por livros que se via presa às imposições da época – até conhecer Gabriel, contador de histórias e viajante. A palavra “liberdade” acaba conectando ambos, ainda que seus caminhos se cruzem e depois se separem. E volta a aparecer quando a questão da escravidão ganha ainda mais corpo na trama.

Depois de ser lançado em formato livro, O Abrigo de Kulê ganha agora uma adaptação para quadrinhos. Com roteiro de André Pacano e arte de Flávio Custela, o gibi é na verdade uma HQ virtual produzida e publicada pela Infinitoon, com duas temporadas de oito episódios cada. A obra pode ser lida gratuitamente, às segundas-feiras, pelo aplicativo da editora nas lojas Apple e Play Store.

“Eu sou da geração que consumia muito os quadrinhos impressos”, explica Juliana, em entrevista exclusiva por Gibizilla. “Cresci lendo os gibis da Turma da Mônica e, mais recentemente, passei a consumir trabalhos de artistas contemporâneos como os do brasiliense Thiago Palma, por exemplo. Não sou uma especialista em HQ, mas sempre acompanhei este formato com fascínio”.

Ela enxerga o crescimento promissor de uma tendência das webcomics no Brasil e, por isso, optou por este tipo de adaptação. “A possibilidade de acessar histórias diretamente pelo celular ou computador torna as webcomics especialmente atraentes para uma geração que cresceu imersa na cultura digital”, afirma. “Como autora, ainda que eu tenha paixão pelos livros tradicionais, vejo a digitalização do conteúdo como uma tendência global que deve ser acompanhada”.

No entanto, ela reforça que estar no digital obviamente não descarta uma versão física em algum momento. “Isso não impede de termos uma versão impressa posteriormente. Quem sabe?”.

A autora e os novos autores

Diferente do romance, narrado em terceira pessoa, os capítulos dos quadrinhos são guiados ora por Gabriel, ora por Maria, com suas visões e pensamentos. Após a separação, o homem encontra abrigo em um circo, onde vive momentos de alegria, indecisão e saudade, enquanto a jovem amada, devastada, encontra alento em poder ajudar. Quando descobre uma fazenda que mantém trabalho escravo, esta passa a ser sua luta: ajudar Kulê, seus amigos e as famílias.

A autora diz que o processo de transição do romance para o formato de HQ virtual exigiu um roteiro cuidadoso de Pacano, focando na visualização das cenas e na economia narrativa característica das HQs. “Foi necessário manter a essência e os principais temas do livro, mas, ao mesmo tempo, explorar novas maneiras de contar a história através das ilustrações”.

Ela diz que esteve envolvida no processo, mas dando total liberdade à equipe criativa. “Foi muito interessante ver meus personagens ganhando vida pelas mãos do ilustrador Flávio Custela”, explica. “Algumas caracterizações ficaram bem diferentes do que imaginei quando escrevi o romance. Isso é muito legal. Dei apenas alguns pitacos no roteiro e nas imagens, mas o mérito é todo da equipe responsável pela adaptação”.

No fim, é impossível não enxergar algum tipo de conexão entre Maria, uma apaixonada por livros, e a própria autora. Afinal, existe algum tipo de inspiração nela mesma? “Ah, essa pergunta me toca profundamente!”, diz. “Minha história como uma apaixonada por livros certamente influencia muito naquilo que escrevo. A conexão que sinto com os livros, a forma como me perco em suas páginas e como eles moldam minha visão de mundo são temas que permeiam minhas histórias. Livros são minha paixão, mas também minha fonte de inspiração inesgotável”, finaliza.

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