Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Do Limoeiro pro Morro sem perder a essência

Batemos um papo com o ilustrador paraibano Gabriel Jardim, que reinterpretou a turminha mais famosa do Brasil numa versão adolescente bem diferente daquela que a gente vê mensalmente em Turma da Mônica Jovem, com sabor de funk e periferia

Por THIAGO CARDIM
(publicado originalmente no JUDÃO.com.br)

Na vida e na cultura pop, tudo é mesmo uma questão de contexto. Desde sempre a gente vem lendo as histórias da Turma da Mônica com os personagens ainda crianças, ainda naqueles eternos 7 anos de idade, vivendo aventuras naquele lugar que se parece com tantos outros lugares do nosso Brasil e atende pelo nome de Bairro do Limoeiro. É um bairro simples, de classe média, com a vendinha, a padaria, a escola municipal, o campinho de terra batida, sem grandes afetações. Tão comum que podia ser o bairro onde eu ou qualquer um de vocês cresceu, sem nunca determinar exatamente em qual cidade ele fica.

Mas aí a molecada cresceu e, nos gibis da Turma da Mônica Jovem, o Bairro do Limoeiro ficou mais descoladinho, sabe? Mais pop, mais cheio de referências, mais shopping center e lanchonete. Isso é, digamos, o CANON do Mauriciodesousaverse. Só que a grande graça da internet é a sua capacidade de REMIXAR. De pegar certos ícones e virar do avesso. Como fez, por exemplo, o quadrinista paraibano Gabriel Jardim.

Ele simplesmente pensou: “mas e se a infância da Mônica, da Magali, do Cebolinha e do Cascão tivesse sido não num Bairro do Limoeiro mas sim no Morro do Limoeiro, como é que eles teriam crescido?”. Um pouco menos classe média e um pouco mais periferia? Porque, afinal, o morro é uma parada tão brasileira e que está em tantos lugares do país quanto o bairro bucólico da vendinha e da padaria. “Por que não pegar dois dos maiores ícones do Brasil e juntar? Sendo eles Mauricio nos quadrinhos e a cultura funk e de favela”, explica Gabriel. “Sendo assim, fiz os personagens da Turma da Mônica como moradores de morro”.

Publicadas inicialmente apenas em suas próprias redes sociais, as ilustrações que o cara criou assim, meio despretensiosamente, viralizaram loucamente. “A maioria da galera tá achando massa e isso me deixa muito feliz. Tenho recebido mensagens bastante tocantes de gente que é de periferia, que está se identificando”, conta ele. “Alguns professores também, que reconhecem seus alunos, ficam felizes por isso e querem levar isso de alguma forma pra sala de aula”. Mas claro que tem AQUELAS pessoas, né? AQUELAS que a gente nem precisa explicar quais são.

“Quanto aos comentários negativos, eu lamento pelos próprios autores. Pois eles não criticam o meu trabalho pelo que ele é, eles atacam com preconceito e ignorância as pessoas de comunidade, disfarçando de opinião”, diz Gabriel. “Eu nem respondo ou dou cartaz pra esse tipo de coisa. Quanto mais esse tipo de pessoa se incomoda, mais eu sei que estou no caminho certo”.

Quadrinista e ilustrador independente de João Pessoa, Gabriel já publicou HQs independentes financiadas pelo Catarse (CaféDe dentro da couraçaMatrioska e MIZERA), além de receber indicações pro troféu HQMix, nas categorias “Novo Talento Desenhista” e “Novo Talento Roteirista”, o que se prova que ele ataca bem em ambas as posições. Mas se você quer saber DE FATO o quanto esse cara tem de talento, recomendamos FORTEMENTE a leitura de Preto Tipo A, lançada pela Guará, Simplesmente SENSACIONAL, tudo assim, em letras garrafais.

Originalmente, a ideia para a Turma do Morro veio de duas influências. A primeira foi o projeto do xará paulistano Gabriel Picolo, que vinha fazendo ilustrações maravilhosas demais nas quais reimaginava os Jovens Titãs, o grupo adolescente da DC Comics, como sendo um bando de adolescentes em situações casuais que jovens daquela idade passam – e eis que ele acabou REALMENTE desenhando gibis nesta pegada pra DC, escritos pela americana Kami Garcia. Aí rolou também a iniciativa Rap em Quadrinhos, do nosso chapa LØAD em parceria com o ilustrador Wagner Loud, na qual eles desenharam os principais rappers nacionais como super-heróis nas capas de gibis.

E foi isso. 😉

Juntemos um pouco da JOVIALIDADE adolescente com as referências musicais da periferia e, bingo, eis que a Turma do Morro deu as caras. “As referências vêm de vários lugares. Coisas que assisto, que escuto, que converso. Especificamente pros personagens, cada um tomei como base alguém que pertence a essa cultura”. Caso você não tenha reconhecido de imediato, a Mônica tem um quê de Anitta (mas do tipo que não espera três meses pra dar uma coelhada), a Magali foi inspirada na MC Pocahontas (com um QUÊ de Tati Zaqui), o Cebolinha bebeu na fonte do DJ Kalfani e o Cascão tem toques pouco sutis de MC Guimê.

“Além disso, misturei características dos próprios personagens pra deixá-los identificáveis”, explica o autor. “Ah sim, e todos eu produzi ouvindo muito funk pra entrar no clima”.

A grande graça está em sacar os pequenos detalhes — no caso da Mônica, por exemplo, a bolsinha com cara de Sansão tá na cara, mas você reparou que ela tem “fé” tatuado no pulso? As tatuagens da Magali (que tem um sorvete no braço e a palavra “Mingau” no peito, em homenagem ao felino que também aparece nas imagens) e do Cascão (que carrega o guarda-chuva, o porquinho Chovinista, o nome da amada Cascuda e o símbolo do Corinthians, claro) também ajudam a contar histórias.

E se o Cebola tira um troco fazendo seu corre como motoboy (usando a camisa do Palmeiras), é lá no baile que ele se realiza, indo pra trás da pick-ups enquanto os amigos cantam e dançam ali na frente. No fim da noite, os quatro tiram onda, com bons amigos, comendo um sanduba no boteco mais próximo.

Não, não existe uma trama com eles, uma HQ completa ou algo assim. AINDA. Só os desenhos que ele fez assim, sem muita intenção. Mas dá uma olhada na coleção de ilustrações toda aqui e me diz se você não monta toda esta narrativa na sua cabeça?