Sobre o lado infame do Doutor Destino
A gente te explica a conexão mais recente, nos gibis, entre Victor Von Doom e o Homem de Ferro – e os motivos pelos quais o novo personagem do MCU é tão interessante, com ou sem Robert Downey Jr.
Por THIAGO CARDIM
Thanos pode ser a grande ameaça à vida do Universo, Galactus pode ser o faminto devorador de mundos, mas vamos combinar: eles são inimigos maiores do que a vida. É, basicamente, todo mundo contra eles e salve-se quem puder. No quesito “vilão”, na melhor ACEPÇÃO da palavra, o maior antagonista da Marvel sempre foi o Doutor Destino.
Reed Richards que nos perdoe, mas ele não era apenas aquele bandidinho do Quarteto Fantástico. Ele era uma ameaça viva e real a todo o Universo Marvel. As Guerras Secretas, as duas, que o digam. Victor Von Doom teve as manhas de se tornar um deus não uma, mas DUAS vezes. E ainda refez a criação à sua imagem e semelhança sem pensar duas vezes. PONTO.
Muito se tem falado, claro, a respeito do Doutor Destino nos últimos dias, principalmente por conta não só da confirmação de que ele fará a sua estreia no MCU – depois de três versões live-action questionáveis em filmes anteriores do Quarteto Fantástico – mas também pela revelação de que ele será interpretado pelo próprio Robert Downey Jr., o mesmo ator que fez história como o Homem de Ferro.
E aí, obviamente, a galera se recordou que, em determinado momento nos gibis, o Doutor Destino assumiu a alcunha de Homem de Ferro, vejam vocês a ironia. Foi lá em Infamous Iron Man, gibi de 2016 escrito por Brian Michael Bendis e com arte belíssima de Alex Maleev.
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Qual é a treta?
A gente te conta: tudo começou com as Guerras Secretas, as novas, de 2015, escritas por Jonathan Hickman e que, eu imagino, devem servir como base pro SEGUNDO novo filme dos Vingadores, aliás.
Sozinho, Victor Von Doom descobriu as incursões que ameaçavam a Terra e que os Illuminati de Richards, Stark e cia tentavam combater. Moldou seu próprio plano com o objetivo de salvar a nossa realidade e encarou os Beyonders de frente, sem medo de ser mais uma vez fulminado. Venceu. Se não fosse pelo Doutor Destino, neste momento a maior parte dos heróis da Marvel estaria oficialmente morta (ainda que morte signifiquem bem pouco na cronologia da Casa das Ideias). Tudo bem que o que ele fez depois – criando o seu próprio mundo reunindo diversas terras alternativas da Marvel e no qual ele era o monarca absoluto – é beeeeeem questionável, mas…
O ponto é que estas Guerras Secretas acabaram e, em certo momento, começou a saga chamada Guerra Civil II. Pois é, uma NOVA treta entre os heróis marvetes. Tudo começa quando o inumano Ulysses, que tem o poder de ter visões de grandes catástrofes do futuro, é descoberto. E a divisão parte daí – vamos usá-lo para impedir que os crimes aconteçam ANTES que eles aconteçam de fato? Ou isso é apenas uma análise de um futuro “provável” e que pode colocar como “culpada” uma pessoa que sequer se manifestou desta forma?
A cisão entre os heróis foi forte mais uma vez e, no final, digamos que perdemos Tony Stark. O mundo ficou sem o Homem de Ferro.
Mas tínhamos Von Doom no meio do caminho.
Von Doom busca uma nova chance, um novo ponto de partida. Inesperadamente, ele salva Maria Hill, diretora da SHIELD, das mãos do criminoso Diablo. Claro, estamos falando de alguém cujo passado é repleto de atentados terroristas e outros atos bastante questionáveis — e, portanto, seu ato de heroísmo desprendido chama bem a atenção das autoridades.
Mas Victor tem um esconderijo secreto bem interessante: no caso, o mesmo esconderijo onde Tony Stark guardava suas armaduras e onde uma inteligência artificial com os padrões de pensamento do próprio Homem de Ferro pinta como uma espécie de coadjuvante bastante pentelho e divertido, um grilo falante que também não acredita muito nas boas intenções deste senhor. Um baita acerto dar uma espécie de Alfred para a cruzada de um Batman metálico e com severas doses de megalomania.
As primeiras páginas do número de lançamento de Infamous Iron Man trazem um flashback que Bendis inteligentemente resgatou da época da Cabala, quando as principais lideranças vilanescas se reuniram para traçar alianças (ou quase isso) com Norman Osborn, considerado herói nacional pós Invasão Secreta e alçado ao cargo que outrora foi de Nick Fury.
O Capuz, um recém-chegado e sem muitas papas na língua, sai na frente de figuras como Loki, Namor e Rainha Branca e faz aquela pergunta que quase todo mundo já se fez um dia. Destino é um gênio científico, tecnológico e uma das mentes mais brilhantes do planeta; é um mago de poderes supremos que quase rivaliza com o Doutor Estranho; tem tanto dinheiro na conta bancária quanto Tony Stark; é dono de seu próprio país; tem imunidade diplomática. Ou seja, ele tem todo o poder e toda a grana que poderia querer. Pelo menos, a gente acha. Portanto, qual é o seu segredo? O que ele quer, afinal, além de poder e dinheiro? Qual seria o real objetivo do Doutor Destino em sua jornada? A vingança contra Richards é pouco, muito pouco. Deve existir algo mais.
Este é um mote BEM interessante a se trabalhar, considerando que a resposta, com um Von Doom aparentemente em busca de redenção, tem grandes chances de ser “honra”. Ser reconhecido, ser admirado, ser a melhor versão de si mesmo. Ser mais do que apenas um vilão, um herói. Melhor do que todos eles. Do tipo que não precisa dominar o mundo, mas sim mudá-lo. Ajudá-lo a evoluir.
E talvez ESTA abordagem seja a inspiração para a versão MCU do Destino.
Mas o Doutor Destino é tão legal assim?
Pô, é sim, hahahahaha
Assim como o Coringa é o vilão mais legal da DC Comics, é praticamente inegável que o Dr. Destino é a grande representação do mal na Casa das Ideias.
Veja só como ele se enquadra bem na lista de qualidades que um vilão clássico tem que ter: ele quer dominar o mundo (confere), ele é totalmente arrogante (confere), ele tem uma legião de seguidores fiéis (confere), ele tem dinheiro a dar com pau (confere), ele é manipulador e mentiroso (confere), suas ações atingem escala global e algumas vezes até universal (confere), ele tem uma obsessão sem fronteiras por seu nêmesis intelectual (confere), ele fala em terceira pessoa (confere), ele é inteligente pra cacete (confere), tem poderes místicos e ao mesmo tempo é uma brilhante mente científica (confere) e ainda é o ditador absoluto de um pequeno país do leste europeu (confere). Bingo!
Basta lembrar, por exemplo, de sua participação na primeira saga da série Guerras Secretas. No meio de um roteiro bobo e rasteiro, Jim Shooter abriu as portas para a participação memorável de Destino – que consegue roubar os poderes cósmicos da entidade suprema e absoluta (até o fim da série, claro) de nome Beyonder. Não é pra qualquer um não, fala sério.
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Aliás, é hora dos escritores entenderem que ele tem que controlar e manipular as situações de longe, da forma mais cínica possível, livrando-se de toda e qualquer acusação contra seus planos usando a boa e velha diplomacia internacional. Afinal, ele controla uma nação, não é um mero operativo de campo. Não precisa ficar trocando sopapos com super-heróis. E está devidamente protegido pelas legislações e tratados da ONU. Portanto, não pode ser tocado…mas tem que se manter nas sombras, sem chamar atenção para as suas atividades ou pode acabar causando um incidente internacional que pode virar uma guerra. Olha só as possibilidades criativas da bagaça.
Ele rege a Latvéria com mãos de ferro. Uma parte do povo o odeia… mas uma boa parte do povo também o ama. Afinal, a Latvéria é uma nação próspera. Destino ama a Latvéria. E, além de Reed Richards, ele também odeia os Estados Unidos e a sua invasiva e agressiva política internacional. Ele jamais choraria pelos atentados do dia 11 de setembro, como sugeriu J. Michael Straczynski na HQ especial do Homem-Aranha logo após o acontecimento.
Que tal lembrar, por exemplo, as implicações políticas do Destino 2099 (que, segundo consta, era o próprio Victor Von Doom da cronologia regular da editora), que rapidamente conquistou o mundo e tomou conta dos Estados Unidos? Por que diabos um homem tão ardiloso e sagaz como ele jamais teria tentado impor uma campanha militar contra aquele que considera o seu maior obstáculo para fazer do mundo um “lugar ideal”? Quem sabe, numa espécie de corrida armamentista, ele não pudesse ter que acabar encarando, nos bastidores, um certo Tony Stark? Isso não seria demais? Talvez fosse até o caso de afastar Destino de vez das sagas cósmicas da editora (podiam aproveitar e fazer o mesmo com o Homem-Aranha, que fica muito melhor combatendo o crime nas ruas de Nova York).
Um outro lado a ser explorado também é do Destino mago – afinal, ele se envolveu com todo tipo de artes místicas para libertar a alma de sua mãe (uma bruxa de origem cigana), presa no inferno sob o cativeiro do demônio Mefisto. Por sinal, o assunto rendeu uma memorável graphic novel na qual Doom e o Dr. Estranho, mago supremo da Terra, seguem para os domínios infernais do cramulhão mor da Marvel para libertar a Sra. Doom. Deu pra ver de que tipo de vilão estamos falando? Ele não é meramente um sujeito fortão e psicótico com um uniforme simbionte babando sangue.
Trata-se de uma ameaça real e muito difícil de ser abatida com o uso dos punhos ou mesmo com uma intrincada armadilha.
Destino alterna crueldade e nobreza como ninguém, com uma dose certa de humor negro. E pode tranquilamente resvalar para o caricato se o roteirista não tomar muito cuidado.
Basta ver a pegada “playboy mimadinho” que Tim Story deu a ele nos dois primeiros filmes do Quarteto, enquanto Josh Trank preferiu uma abordagem “hacker bad boy” naquela versão bizarra de 2015. Em nenhum destes três retratos, nós vimos o real potencial do personagem.
Qual vai ser o Destino de Robert Downey Jr.?
Fica a cargo do destino… 😉