A praga da Spoilerfobia
Calma. Quando TUDO vira spoiler, nada mais é spoiler. E se isso se torna mais importante do que a experiência como um todo, temos um problema grave aqui…
Por VINICIUS CARLOS VIEIRA*
Sempre que você tem um texto para escrever e não sabe por onde começar e o que dizer sobre aquele assunto, é provável que apele para o expediente de procurar o significado do assunto do dicionário como ponto de partida. Mas isso é um spoiler do que virá a seguir nesse monte de linhas que se seguem.
Para o dicionário Merrian Webster, “spoiler” pode significar um monte de coisas. Primeiro, aquele que estraga ou arruína, ou que tem pouca chance de ganhar algo, mas é capaz de impedir o rival de vencer. Pode ser também aquela placa que está nos aviões e nos carros para fazer ambos ficarem “mais grudados” no asfalto. Por fim, quase remetendo à primeira explicação, spoiler também pode ser uma informação sobre a trama de um filme ou programa de TV que, se contado, pode estragar a experiência de surpresa ou suspense.
Mais um spoiler. A ideia aqui é falar só do último significado. Mas talvez isso já nem seja mais um spoiler.
Esse spoiler em questão nasce justamente dessa ideia de arruinar a experiência narrativa de um espectador ou leitor. A expressão nasceu lá em 1971 na revista de humor americana National Lampoon. A revista durou 28 anos e, em seu segundo ano de vida publicou o artigo “Spoiler”, onde Doug Kenney listava um monte de finais de filmes e livros famosos para “economizar o dinheiro dos leitores”, que então não precisariam vê-los e lê-los.
Mas o que era uma brincadeira, virou uma obsessão.
Pelo menos, demorou tempo suficiente para não deixar que Kenney e nem a National Lampoon precisassem conviver com a completa perda de controle do tema.
O problema talvez tenha nascido da crescente interação entre os espectadores e uma facilidade grande demais de algum ser humano sem nada para fazer da vida, ter resolvido contar o final de algum filme qualquer em alguma rede social ou fórum. O ponto seminal dessa mudança de paradigma é desconhecido. Talvez o momento exato onde alguém sentiu que toda sua experiência cinematográfica estava sendo destruída por saber que o Bruce Willis estava morto desde o início.
Mas talvez seja fácil entender esse “pânico público” para que ninguém soubesse que a Nicole Kidman e seus filhos estavam mortos também, ou que o Keyser Söze estava lá na sua cara o filme inteiro. Afinal, são realmente detalhes que carregam a trama para um lugar completamente diferente daquele que o filme estava indo. E isso já estava sendo discutido bem antes de qualquer um desses filmes.
Em 1955, os créditos finais de As Diabólicas incluíam o pedido: “Não destrua o interesse de seus amigos nesse filme. Não conte para eles o que você acabou de ver. Muito obrigado”. Anos depois, Alfred Hitchcock não só mandou comprar todas edições do livro Psicose do mercado para ninguém saber o final, como também anunciava nos cartazes: “Por favor, não conte o final, é o único que nós temos”.
Mas será que depois de ver esses dois clássicos do cinema, munidos do final, o espectador não vai mais se divertir? Obviamente que vai! O Mágico não é mágico coisa nenhuma, é só um picareta, mas nem por isso sua história ficou menor ou menos importante.
Em 2011, a Universidade de San Diego patrocinou um estudo para testar se os spoilers diminuem realmente a diversão dos leitores. Eles juntaram um monte de contos com finais que se sustentavam por reviravoltas e contavam esses finais para os pesquisados. O resultado: quem sabia o final se divertiu mais do que quem não sabia.
É lógico que é difícil entender como mediram direitinho isso. Mas mediram. E o resultado foi realmente surpreendente, afinal os “spoilerfóbicos” não deixaram barato. Em 2015 refizeram a pesquisa, mas agora, em vez de uma única pergunta (“se divertiu ou não?”), criaram um questionário de 12 itens enquanto divulgavam spoilers mais temáticos sobre a narrativa, não só em reviravoltas finais. O resultado: as pessoas sentiam menos vontade de continuar lendo os contos.
O que isso tudo quer dizer? Nada. Apenas que as pessoas parecem se preocupar com spoiler muito mais do que deviam. Como se estivéssemos vivendo uma realidade absolutamente frágil e que esqueceu de curtir o caminho.
Talvez seja uma questão geracional (frescura).
Talvez seja o crescimento dessa sensação de controle da obra (frescura).
Talvez seja só frescura mesmo, um receio de que as pessoas descubram suas faltas de bagagens (eu fico com essa última opção!).
Não existem tantas opções assim de reviravoltas e surpresas, portanto, a maioria do pessoal deveria saber onde aquilo vai chegar e, simplesmente, curtir a viagem. Mas talvez tenha mais coisas envolvidas.
Principalmente, porque é preciso separar o spoiler do spoiler (aquele real).
Contar o final do filme para seu amigo não tem graça. Gritar na internet aquela reviravolta é infantil e demonstra o quanto você não deveria estar em uma rede social. Quem fez a obra, a fez para entreter e emocionar o espectador ou leitor, e essa reviravolta faz parte desse esforço. Então deixe ela em paz e vá fazer outra coisa. Veja outro filme. Leia outro livro. Desinstale o aplicativo da rede social de seu celular. Suma.
Mas nem tudo é spoiler. É aí que reside a obsessão cega dos “spoilerfóbicos”. Uma fragilidade narrativa tão poderosa que não permite que eles descubram nada sobre a obra inteira. Algo que beira o exagero e a neurose. Se você não pode saber que a Dorothy não está mais no Kansas ou que o Thanos está em busca das Joias do Poder, problema seu. Ou melhor, frescura sua.
E em um mundo que pegou a globalização e transformou numa maluquice que deixaria o Umberto Eco orgulhoso, as redes sociais acabam sendo incapazes de separar essas diferenças. Fazendo justiça, elas (as redes) mesmo não têm culpa, mas sim o pessoal que está nela que estraga. Uma quantidade exorbitante de gente que não sabe viver em um mundo sutil. Quando tudo é spoiler, nada é spoiler. E a guerra continua.
Munidos de bom senso, o spoiler seria respeitado, você não saberia o que tem na caixa enquanto o Brad Pitt grita no deserto, muito menos descobriria que ele não existe antes de vê-lo existir. Ninguém gostaria de ver os filmes sabendo disso. Pelo menos não na primeira visita à obra. É gostoso lembrar da sensação desse impacto. Mas saber que o assassino mata gente pensando nos Sete Pecados Capitais ou que eles ficam se batendo em um porão não são spoilers.
Portanto, deixem de ser chatos e curtam a experiência.
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* Editor, criador e crítico do CinemAqui, jornalista por formação, escritor por definição e chato por natureza. Viu filmes demais e leu mais quadrinhos do que devia, o resultado foi essa vontade de discutir, entender e se emocionar com ambos. Se tornou crítico de cinema pelo amor à Sétima Arte e continua a cada dia ainda mais apaixonado por cada frame, quadro, quadrinho ou linha escrita.