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5 coisas que você precisa saber sobre o Gojira

A banda francesa, que foi destaque na abertura das Olimpíadas de Paris, é um dos mais interessantes nomes do metal contemporâneo

Por THIAGO CARDIM

Quando começaram os primeiros rumores a respeito da participação dos franceses do Gojira na abertura dos Jogos Olímpicos atualmente disputados em Paris, a comunidade metaleira ficou em polvorosa, querendo entender COMO diabos isso aconteceria. Afinal, salvo honrosas exceções, não é preciso dizer que o heavy metal está longe de ser um gênero musical de apelo “popular” – o que também está longe de ser um problema. Seria apenas uma banda de apoio, sem grande protagonismo, algo só pra constar…?

Mas quando o quarteto apareceu e entregou uma performance poderosa da tradicional canção “Ah, Ça Ira” ao lado da cantora de ópera Marina Viotti, o resultado não poderia ter sido mais METAL. Com uma reinterpretação de faixa surgida por volta de 1790, absolutamente representativa da época da Revolução Francesa, eles estiveram presentes no segmento que fez alusão à história política do país, em busca da liberdade. Com direito a fogo e fumaça, o Gojira ainda foi acompanhado por um trecho de “Os Miseráveis” e por uma Maria Antonieta cantando, mesmo com a cabeça devidamente guilhotinada.

Da mesma forma que a tal cena da “Santa Ceia” encenada por performers drag (e se você achou que aquilo foi “ofensivo à religião cristã”, saiba que te acho um imbecil e creio que deveria sair deste site agora mesmo), a aparição do Gojira não saiu da boca do povo. A banda viu seus números de reproduções nas plataformas de streaming serem absolutamente catapultados nos últimos dias, sentindo-se orgulhosos por representarem a comunidade metálica em um evento de repercussão internacional.

“É uma era bem sangrenta da história francesa. Então, foi algo muito metal”, disse o frontman Joe Duplantier em entrevista ao jornal The New York Times

A gente reuniu aqui cinco fatos sobre o Gojira que podem – e devem, porque a banda é EXCELENTE – te ajudar a conhecer melhor o trabalho deles.

1) O nome da banda é inspirado num monstrão japonês

Poisé, e se você apostou no Godzilla, o lagartão que há décadas faz sucesso destruindo recorrentemente a cidade de Tóquio, acertou. Aliás, quando eles surgiram na comuna de Ondres, na região de Landes, sudoeste da França, em 1996, o nome da banda era mesmo Godzilla. Mas eles preferiram usar o nome original do personagem, em japonês mesmo, e acabaram mudando em 2001 – a tempo de lançar seus dois elogiados primeiros discos, “Terra Incognita” (2001) e “The Link” (2003).

“O mito do grande lagarto atômico levado ao máximo nos agradou desde o início. Estava em nossas cabeças um símbolo de poder devastador”, disseram eles, em entrevista pra revista eletrônica francesa VS. “Mas quando a versão americana do Godzilla (aquele de 1998, dirigido por Roland Emmerich) saiu, esse nome começou a nos incomodar. A imagem do monstro havia mudado em comparação com a versão japonesa em preto e branco dos anos 1940, e os sons da palavra Godzilla não nos agradavam mais. Então decidimos adotar o nome original em japonês: Gojira. Isso simboliza um passo importante na vida do grupo; uma certa abertura de espírito e a gravação do nosso primeiro álbum”.



2) A banda NÃO canta sobre temas satânicos

Aliás, pode até parecer meio ridículo ter que escrever isso, mas não, nem toda banda de heavy metal fala sobre demônios e afins, como alguns influencers cristãos gringos parecem ter acreditado (sem entender a letra da música) ao ver o Gojira tocar na abertura das Olimpíadas.

“Não é nada disso. Trata-se da história francesa. É o charme francês, você sabe, pessoas decapitadas, vinho tinto e sangue por toda parte – é romântico, é normal. Não há nada de satânico nisso”, disse o vocalista pra revista Rolling Stone. Na verdade, as letras do trabalho autoral do Gojira flertam com o lado mais espiritual e filosófico, além de um forte posicionamento em defesa do meio-ambiente e dos direitos dos animais.



3) A banda é abertamente de esquerda e progressista

Então, esquece aí este papo de que toda banda de metal é formada por um bando de reaças conservadores. Um exemplo prático: em seu último disco, “Fortitude”, eles trouxeram a canção “Amazonia”, que fala diretamente sobre a destruição ambiental no Brasil e homenageia os nossos povos originários. O disco foi lançado em 2021, então você deve se lembrar QUEM era o presidente da República por aqui nesta época. Indicada ao Grammy, a canção surgiu quando o vocal Joe Duplantier sentiu “medo pela humanidade” depois de ver a floresta queimar.

Mas não parou aí: a banda criou uma campanha de arrecadação para entidades indígenas no Brasil e, com o apoio de integrantes do Metallica, Slayer e Lamb of God, fizeram um leilão dos objetos das bandas, levantando US$ 313 mil (R$ 1,5 milhão). Então, Duplantier veio ao Brasil pessoalmente para participar de um protesto de povos indígenas em Brasília, em frente ao Palácio do Planalto. “Se ele tivesse a capacidade de entender e mostrar alguma compaixão, já teria feito isso”, disse o músico, quando perguntado se teria esperança de convencer Bolsonaro a preservar a floresta, em entrevista ao G1.

Outra aqui – no início de novembro de 2010, o Gojira entrou em um estúdio de Los Angeles com o produtor Logan Mader para começar a gravar EP de quatro músicas cujos lucros beneficiariam a Sea Shepherd Conservation Society, uma organização anti-caça às baleias. Como uma prévia, a banda lançou a canção “Of Blood And Salt” em maio de 2011 e apareceu em um álbum promocional da revista Metal Hammer UK com o vocalista convidado Devin Townsend e um solo de guitarra extra de Fredrik Thordendal, do Meshuggah. As outras faixas apresentavam Brent Hinds, Randy Blythe, Anders Fridén e Max Cavalera. O EP estava originalmente planejado para ser lançado entre agosto e setembro de 2011; no entanto, nunca viu a luz do dia porque o disco rígido que continha as gravações simplesmente travou.

4) A banda é explicitamente influenciada pelo Sepultura

“Eu descobri ‘Arise’ primeiro e fiquei impressionado – era tão sombrio, tão rápido e tão técnico. Foi logo depois que descobri Death e Morbid Angel”, contou certa vez Joe Duplantier, em entrevista ao Cuartel Del Metal. “E fiquei absolutamente impressionado com a arte deles. E então, eu tive algumas bandas no colégio e comecei a me reunir com meu irmão. Estávamos tocando em casa, às vezes depois da escola, e então decidimos formar nossa própria banda. Largamos nossas outras bandas, nos reunimos e ‘Chaos A.D.’ veio junto. E ficamos absolutamente maravilhados – absolutamente maravilhados”.

Detalhe importante: tal qual aconteceu com os Cavalera, o Gojira surgiu inicialmente quando Joe (vocal e guitarra) resolveu montar uma banda com o irmão, Mark Duplantier (bateria).

O amor pela obra dos Cavalera foi tamanho que o próprio Joe chegou a tocar no Cavalera Conspiracy, de 2007 até 2010, inclusive gravando “Inflikted”, o primeiro disco do grupo, lançado em 2008. “Tocar no Cavalera Conspiracy foi inacreditável. Eu cresci como um grande fã do Sepultura, e ficar em uma sala com Iggor e Max depois de todos esses anos sem tocar juntos foi incrível”, disse ele, numa entrevista para a Metal Hammer.



5) A banda virou nome de fóssil, pensa só!

Três fósseis de ofiúros (equinodermos que são como “primos” das estrelas do mar) da era jurássica foram nomeados em homenagem aos membros da banda pelos cientistas Ben Thuy e Lea Numberger do Museu Nacional de História Natural de Luxemburgo, e Tania Pineda-Enríquez do Museu de Florida da Flórida. Estamos falando de Ophiogojira labadiei, Ophiogojira andreui e Ophioduplantiera noctiluca. Os pesquisadores escreveram que os seres do gênero Ophiogojira foi nomeado em homenagem ao Gojira “por produzir canções de uma intensidade insondável, lindamente sombrias e pesadas, e explorar o abismo da vida e da morte, da força e do erro humanos, e dos oceanos prósperos e ainda ameaçados”.

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