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Imaculada promete, mas não faz milagres

Apostando na velha fórmula de explorar os elementos sombrios do catolicismo com um fundo de crítica social, o filme não mostra nada de novo no gênero nunxploitation

Por GABRIELA FRANCO

Caríssimos fãs do horror, tem novas freiras buscando o seu susto nas telonas. Sob a direção de Michael Mohan, o filme de terror “Imaculada” narra a trajetória de Cecilia (interpretada por Sydney Sweeney, de “Euphoria” e “Todos Menos Você”, a queridinha da vez em Hollywood), uma doce e pacata jovem noviça do interior dos Estados Unidos, que se muda para um centenário e prestigiado convento situado em uma idílica e afastada região rural italiana.

Cecília entende mal e porcamente o italiano, falar então, nulla. Nadica de nada. No começo, se comunica apenas com as freiras e padres bilíngues, mas é acolhida de forma calorosa por todas as irmãs, que parecem enxergar nela alguém muito especial… o que já lhe causa um certo estranhamento.

Durante uma conversa com uma das noviças, ela conta que o padre Sal Tedesco (Álvaro Morte, de La Casa de Papel) visitava muitas igrejas em sua localidade e se interessava por noviças que passaram por experiências de quase-morte. Como ela havia sofrido um acidente em um lago congelado quando criança, passando alguns minutos dada como morta e voltou, o padre disse que ela era muitíssimo abençoada e que Deus lhe tinha uma missão reservada: ir à Itália e estudar mais sobre isso, firmando seu compromisso como uma das “noivas de Cristo”. Guardem essa informação.

Ao longo de sua estadia no convento, obviamente que acontecimentos sinistros vão se desenrolando (afinal, é um filme de terror). Um dos grandes elementos aterrorizantes do filme é justamente explorar a relação do espectador com elementos da religião. Mas nada muito novo sob o sol, embora isso tenha bastante destaque na trama. O lugar é centenário e tétrico, com todos os componentes góticos do catolicismo como crucifixos, diversas velas tremulando, imagens e quadros de santos em sofrimento e dor, além de ser totalmente isolado e ermo, longe da civilização.

Não há luz elétrica no convento e ele também serve de abrigo para freiras em estado psicótico e senil: ou seja, a protagonista logo detecta situações peculiares que a fazem questionar sobre a segurança do seu novo lar, um espaço que claramente oculta segredos soturnos e macabros. 

Progressivamente, as suspeitas de Cecilia acabam se materializando quando, após seus votos de confirmação e de ter se tornado oficialmente freira, ela desperta um belo dia inexplicavelmente grávida. A partir daí, todos no convento começam a tratá-la como uma espécie de Virgem Maria Reloaded. 

Não bastasse o verdadeiro terror de estar se sentindo literalmente ESTUPRADA, ter tido o seu corpo violado e carregar uma criança nunca desejada, Cecília também se vê imersa em uma série de circunstâncias estranhas e suspeitas, assombrada por entidades malignas e envolta em crimes e torturas.

Em meio a visões apavorantes e acontecimentos enigmáticos, ela se empenha em desvendar a origem de sua condição e a verdadeira ocupação do convento – afinal o que parecia ser um milagre para todos ali, estava se tornando um verdadeiro pesadelo para ela.

Em resumo, ok, o filme não é bom… mas também não é ruim, o que parece ser uma posição infeliz para uma obra cinematográfica.

Tem uma ótima fotografia e explora ângulos interessantes. Já a protagonista, Sidney Sweeney, parece apática durante grande parte das cenas, já que o papel não lhe abre maiores possibilidades, até que se vê praticamente impelida a agir, já que está grávida e sozinha em uma situação assustadora.

Fora uma cena específica com mais tensão envolvida, mais para o final da trama, que parece exigir da atriz certos recursos dramáticos, sua passagem pela película é quase dispensável, mesmo como personagem principal. A trama parece misturar ficção-científica e religião, o que não é lá uma boa pedida se a execução não for esmerada. Mas, revelar mais do que isso é dar spoilers desnecessários.

Para quem é dos números, eu diria que a nota final é 4,5, com esforço arredondada para 5, porque a produção é boa e a fotografia realmente chama a atenção. No mais, eis um daqueles exemplares bem genéricos, definitivamente mais um filme de terror com freiras feito.

No entanto, assistir ao filme me trouxe alguns pontos interessantes a serem discutidos sobre o gênero…

Falando sobre terror e religião

Usar a religião, especialmente a cristã, como elemento de terror, não é nenhuma novidade. 

No cinema, ele é praticamente um subgênero dos filmes de horror e tem até nome: Nunxploitation – que teve seu auge nos anos 1970, e se destacou pela representação das freiras católicas ou mulheres “carolas” em produções que exploravam a repressão sexual das mulheres e a opressão das instituições religiosas, em particular a Igreja Católica sobre seus corpos e mentes.

Filmes como o ÓTIMO “Os Demônios” (1971), além de “Satânico Pandemonium” (1975) e “Alucarda, a Filha das Trevas” (1977) e até mesmo o célebre “Carrie, a Estranha” (1976) são exemplos marcantes que geraram controvérsias significativas naquela época. Mas ultimamente ele parece ter renascido com os spin-offs da franquia “Invocação do Mal” como “A Freira” (1 e 2), partindo para “A Maldição da Freira” (2018), “Benedetta” (2021), “Irmã Morte” (2023), e agora este “Imaculada”.

Mas afinal, de onde vem essa ligação do terror com a religião?

A correlação tem raízes profundas na psicologia humana e em nossa história cultural, principalmente porque mexe com medos e conflitos ancestrais que atuam em nosso subconsciente. 

Mas essa vinculação não é não se restringe apenas à influência do cristianismo – embora seja a religião mais popular do mundo e por isso seja frequentemente mencionada, muitos filmes exploram crenças pagãs (muitas vezes sob uma roupagem cristã), como “Midsommar” e “A Bruxa”, ou ainda religiões de matriz africana como “A Chave-Mestra” (2005) e até judaísmo e islamismo como “O Golem”, de 1920, e o recente “O Djin” (2020). A gente mesmo falou por aqui sobre alguns filmes de terror fora da nossa visão ocidental de mundo…

Uma maneira simples de entender essa correspondência, que chega a ser interdependente, é perceber que na maioria dos filmes e histórias, não apenas no gênero de terror, há uma representação da luta entre o bem e o mal e temos, na maioria das religiões, essa dualidade sendo muito explorada. É praticamente um tema central em muitas tradições religiosas. A presença do mal sobrenatural muitas vezes requer uma resposta igualmente sobrenatural, o que pode levar os personagens a buscar ajuda de figuras religiosas ou a recorrer a rituais religiosos.

Outros componentes que também são bastante explorados nessa liga são o medo da morte e do desconhecido: Tanto o terror quanto a religião lidam com o desconhecido e o inexplicável. Ambos exploram conceitos como vida após a morte, forças sobrenaturais e milagres. Os filmes de terror muitas vezes usam elementos religiosos para criar uma sensação de mistério,ameaça e incerteza.

Outro ponto são os simbolismos e mitologias, as religiões frequentemente contêm uma rica mitologia e material simbólico que os cineastas tendem a usar para criar histórias e imagens impactantes. O uso de ícones religiosos, como crucifixos, rosários e rituais de exorcismo, ou rituais em geral, com certeza adicionam profundidade, dramaticidade e autenticidade às narrativas de terror.

Por fim, outros itens que fazem parte da narrativa de terror e calam fundo em muitos espectadores são os sentimentos de culpa e redenção, que são fundamentais para muitas tradições religiosas, especialmente a cristã. Os personagens muitas vezes enfrentam consequências terríveis por seus “pecados” ou transgressões, e sua jornada pode envolver uma busca por remissão ou expiação que geralmente envolve muito sofrimento, já que, pela tradição cristã, o sofrimento e a dor trazem santidade e purificação.

A mulher e a religião

Outro ponto interessante de observar em filmes de terror como “Imaculada” é a ligação da religião com mulheres, a violação de seus corpos e a exploração de tabus.

A ligação entre mulheres e filmes de terror é bem intensa e íntima. Segundo Hilda Lopes, diretora dos curtas “Em Cima do Muro”, “Onze Minutos” e “Estela”, ninguém conhece ou vive o terror diariamente tanto quanto as mulheres:

“Todas crescemos com medos extras, o medo da violência, da violação da integridade de nossos corpos. Quando falamos em mulheres cis, pensamos também no medo da gestação e o peso da maternidade”, disse ela, em entrevista pra mim mesma, no portal Tangerina. 

Filmes de terror frequentemente exploram questões relacionadas à sexualidade feminina e ao corpo como uma maneira de provocar reações emocionais intensas e desafiar normas culturais e sociais. Alguns bons exemplos são “Anticristo”, de Lars Von Trier, e “A Invasora”, filme francês de 2007 que faz alusão ao estranhamento e medos que uma gravidez exerce sobre uma mulher.

A sexualidade feminina, especialmente relacionada à gravidez e à maternidade, é frequentemente vista como um território misterioso e desconhecido. Filmes de terror exploram esses temas para criar uma sensação de horror e fascínio em relação ao desconhecido.

Outro recurso narrativo muito usado por roteiristas de terror é mostrar o corpo feminino  frequentemente retratado como vulnerável e sujeito a violações. Tal olhar geralmente pode refletir ansiedades culturais sobre o controle do corpo feminino e o medo da violência sexual.

Arquétipos e estereótipos de gênero também são bastante explorados, nos quais as mulheres são frequentemente retratadas como figuras de pureza ou de tentação, o que está totalmente ligada à visão religiosa cristã e ultra romântica que se tem da mulher.

Voltando à “Imaculada”, temos todos esses contextos abordados em um mesmo filme e que, por isso mesmo, mereciam um enredo muito melhor, que exigisse mais da mente e do coração do espectador ao invés de apenas usar e abusar de todos os simbolismos da religião e do feminino para vender mais um filme genérico de freira.

E que arrumem uma plataforma mais interessante pra Sydney Sweeney mostrar DE FATO a que veio, ao invés de torná-la apenas a final girl da vez.