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Ringue: uma história de luta em muitos diferentes sentidos

Batemos um papo com a turma do Estúdio Molotov HQ a respeito de sua mais nova produção, a HQ sobre um trabalhador rural que sobe ao ringue numa luta por sobrevivência

Por THIAGO CARDIM


Em qualquer que seja a plataforma da cultura pop, seja em filmes, séries ou quadrinhos, o tema das “lutas clandestinas” costuma aparecer com certa recorrência. Em circuitos “alternativos”, longe do olhar das autoridades, uma turma de personagens disfuncionais sai na mão enquanto um bando de endinheirados fazem suas apostas regados a champanhe e notas de dólar voando pra todos os lados.

Certeza que você já viu esta cena em algum lugar. Pois então. A HQ “Ringue”, que acaba de ser financiada coletivamente via Catarse, teria a mesma pegada… se não fosse, obviamente, uma obra do Estúdio Molotov HQ.

Afinal, estamos falando de um grupo de quadrinistas que produz gibis sempre com uma perspectiva revolucionária, sobre as contradições do capitalismo – abordando questões sociais e políticas relacionadas a realidade da classe trabalhadora do ABC Paulista e do estado de São Paulo. Portanto, a palavra “luta” em “Ringue” aqui ganha diferentes contornos. Ainda bem.

“No quadrinho, acompanhamos Luis (também conhecido como Índio), um trabalhador rural do interior do Piauí do ano de 1984, que pega sua bicicleta e viaja com sua filha Fernanda para São Raimundo Nonato, pois lá esperava conseguir um emprego e o dinheiro necessário para viajar com ela até São Paulo, e assim dar melhores condições de vida para sua pequena”, explica, em entrevista ao Gibizilla, o roteirista Victor Zanellato, membro do Estúdio Molotov HQ, e também autor de “Assalto ao Útero” e “Pavilhão”.

Você já deve imaginar, portanto, que as coisas acabem não acontecendo exatamente como Índio esperava: chegando na cidade, ele não consegue um emprego e surge apenas uma oportunidade para ele. No caso, entrar em lutas clandestinas em um ringue localizado em uma antiga senzala do latifundiário mais poderoso da região. “Como disse, essa não é apenas uma história de luta sobre boxe, é luta pela sobrevivência, é luta contra os interesses do latifúndio, é luta para ver uma filha tendo uma vida melhor que a sua própria”, reforça o escritor.

“Exausto, após um soco em sua cara, o homem de 35 anos cai ao chão. Sem forças para levantar e não perder a luta, ele se lembra daquilo que o mantém de pé em todas as suas batalhas: uma pequena criança, de rosto gentil e temperamento difícil, Fernanda, sua filha, a qual ele daria a vida para que ela pudesse realizar seus sonhos. Ele se levanta, seu corpo pesa uma tonelada, mas ele aguenta, pois assim ele conseguirá dar a sua filha, uma melhor condição de vida”

A equipe que subiu ao Ringue

Além do roteiro de Zanellato, “Ringue” traz arte e cores de Diogo Mendes, também membro do Estúdio Molotov HQ e também autor de “Assalto ao Útero” e “Pavilhão”. A arte-final ficou com Fernando Dias, que está entrando agora na produção de HQs, enquanto Elliot Emiliano, que já foi colorista do “Guia Para Toda Gestante” e também trabalha como character designer, atua como assistente de cor do projeto.

Zanellato conta que o projeto surgiu através de um convite de um amigo que tinha uma ideia de história de boxe e estava trabalhando em um roteiro – mas que, devido a outras demandas, não conseguiu continuar. O roteirista se apropriou da ideia e trouxe a questão da migração para o centro da história por dois motivos: primeiro que, normalmente, histórias de boxe são muito “americanizadas”, e segundo que ele já vinha produzindo histórias que buscavam contar as narrativas dos trabalhadores do ABC Paulista. “E tem como falar dessa história sem falar da migração de inúmeros trabalhadores das regiões Norte e Nordeste?”, questiona ele. Definitivamente, não.

Além disso,  o quadrinho faz referências a “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, além de ter inspiração obviamente em algumas narrativas sobre boxe.

Importante reforçar que a obra faz parte da antologia “Sangue, Suor e Lágrimas”, que começou com os títulos “Assalto ao Útero” e “Pavilhão”, e fecha a trilogia de histórias de dramas da classe trabalhadora precarizada. Mas o roteirista conta que o Estúdio Molotov HQ vem preparando estes personagens e os apresentando em histórias dramáticas para, no futuro, trazê-los em histórias com outras perspectivas.

“[Em histórias] que não falem apenas sobre sofrimento e dor dentro do sistema capitalista, mas também sobre a necessidade da nossa organização enquanto classe, e a luta para melhores condições de vida”, revela. “Então, depois de uma coletânea de terror que será anunciada em breve pelo Estúdio, se preparem, pois Ray e a Juventude Vermelha e Armada Vermelha vem aí, histórias com muita fantasia e ficção científica, nas quais vamos ver os personagens que tanto sofreram nas nossas histórias lutando para que essa dor termine através da construção do Poder Popular”.

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