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O porre (e a ressaca) da nostalgia

De Spawn à Saga do Clone, os gibis dos anos 1990 estão de volta com tudo no mercado brasileiro. E você aí decide na sua casa se isso é ou não uma boa notícia.

Por THIAGO CARDIM  


“Sentimento ligeiro de tristeza sentido por alguém, pela lembrança de eventos ou experiências vividas no passado; saudades ou tristeza por algo ou alguém que já não existe mais ou que já não possuímos mais”. Esta é uma das definições da palavra NOSTALGIA, conforme o dicionário Michaelis. Mas, antes de falar sobre o assunto em si, gostaria de acrescentar aqui um complemento, feito pela psicoterapeuta Graça Leal numa matéria da revista Vida Simples.

“O que podemos dizer é que a nostalgia está relacionada a uma sensação de saudades de um tempo vivido, frequentemente idealizado e irreal. Nostalgia é um sentimento que surge a partir da sensação de não poder mais reviver certos momentos da vida”, explica ela. Gostaria que você se focasse aí nas expressões “frequentemente idealizado” e “irreal” conforme formos discutindo um pouquinho do assunto…

Um assunto que eu gostaria de iniciar a partir do tão falado relançamento de Spawn no mercado brasileiro, via Panini. Obra máxima dos gibis de hominhos de Todd McFarlane, ícone supremo da primeira fase da Image Comics, este é um gibi que causou reboliço ao ser anunciado neste retorno ao BR. Todo mundo falando da parada com saudades, do quão incrível Spawn era. Pois deixa eu dar o MEU depoimento, de quem estava lá quando a HQ do Macca foi lançada, do alto dos meus 44 anos de idade: Spawn é uma merda.

Sempre achei. Desde a primeira vez que li. Achei tudo ruim, desde o traço do Toddyinho até a trama que era uma mistura modorrenta de Batman, Homem-Aranha e uns refugos mal-acabados do Stephen King. Mas calma: porque, quando tinha lá por volta dos meus 30 anos, tive a chance de RELER Spawn. Dar mais uma chance. Vai que… ? Pois continuei achando UMA MERDA. Ponto. Portanto, não vou gastar meu dinheiro de pai assalariado e pagador de boletos com esta caceta mas nem que a vaca tussa em russo.

O mesmo vale pra Saga do Clone, do Homem-Aranha, que vendo sendo ressignificado por alguns fãs do Teioso depois que a Panini anunciou que vai lançar encadernados da parada completa. Eu sou FANÁTICO pelo Aranha. Uma parte significativa da minha atual coleção de gibis é dedicada a Peter Parker e sua hoje imensa família de personagens-aracnídeos. Quando adolescente, achei a Saga do Clone TENEBROSA. Depois de adulto, reli umas duas vezes. E continuei achando HORRÍVEL. Já li, já tenho umas edições velhas só pra dizer que tenho. Tá mais do que bom.

O mesmo vale pro The Darkness, aquele treco escrito e desenhado pelo Marc Silvestri, cujo visual me atraiu porque era mesmo incrível… só que descambava num massavéio pavoroso, que chegava a subestimar a minha inteligência de 15 e poucos anos de idade.

Nostalgia pela nostalgia, portanto, não me pega NEM A PAU.

Mas e a nostalgia de algo que VOCÊ GOSTAVA?

Vou contar aqui duas histórias pessoais, do meu lado fã mesmo, que ajudam a ilustrar bem a questão. A primeira: o ano era 2003 – portanto, 21 anos atrás. Eu tinha meus parcos 23 aninhos. O lugar era a edição inaugural do Anime Friends, primeiríssima edição do evento que hoje é figurinha carimbada do nosso calendário brasileiro de cultura pop.

Acompanhado do intrépido Paulo Martini, um dos meus melhores amigos da vida e sócio das maiores roubadas, resolvi adentrar uma das salas do evento na qual estavam sendo exibidos desenhos antigos que eu AMAVA. Ia rolar uma sessão especial de Transformers, geração 1, o clássico, uma das minhas maiores obsessões enquanto menino caiçara de 10 anos cercado de bonequinhos. Paulo, fã integral e especialista na franquia, me acompanhou.

Vimos juntos uns três episódios, bateu a fome, saímos. Enquanto caminhávamos pelo corredor, em completo silêncio, eu tive que tirar da frente o elefante que nos acompanhava: “cara, eu juro que não lembrava que esse negócio era tão RUIM”. Paulo então deu a única resposta possível: “não vamos tocar neste assunto, por favor”. Pois então.

Corta pra algo em torno de 2010, eu já com mais de 30 anos, já pai do meu primeiro filhote. Calhou de eu ver, pela internet, a abertura de Thundercats. Uau, como aquilo era lindo, como eu AMAVA aquele desenho, como eu era fanático pelo Tygra. Resolvi buscar alguns episódios pra rever ao lado da cria. Ah, os bons tempos. Encontrei versões dubladas e sentei no sofá com ele. Passou um. Passaram dois. Passaram três. E a decepção, rapaz, ela veio mastodôntica, tal qual um atropelamento de Thunder-Tanque.

Escrevi certa vez um texto pro JUDÃO.com.br que descreve bem a sensação. “Não tô nem falando só em termos de animação, já que a dita cuja deixa bastante a desejar. O resto também é de lascar. As histórias são rasas até dizer chega e com um desenvolvimento de personagem que beira o sonolento”. E ainda complementei: “Preferi não fazer o mesmo exercício com Caverna do Dragão, que eu AMAVA. Porque tenho praticamente 99% de certeza que o resultado vai ser o mesmo. Vou guardar estas lembranças junto do meu eu de 10, 12 anos de idade”.

Uma frase final resume bem: memória afetiva, gente, é UMA MERDA.

Sabe a expressão “tempo idealizado”? É isso. O quanto um gibi é bom DE VERDADE ou ele é apenas e tão somente a lembrança de um tempo bom da sua vida? O quanto ele é apenas e tão somente uma idealização? Fica aí o questionamento, porque a resposta DE FATO depende de cada um de vocês.

Isso quer dizer que toda nostalgia é necessariamente ruim?

Não, jovem gafanhoto. Sem exageros aqui. O que me incomoda DE FATO é que nostalgia pode estar lá, obviamente. Mas se a produção cultural se apoia apenas e tão somente nela, temos um problemão. Nostalgia não pode, de maneira nenhuma, ser MULETA.

Deixa eu dar um exemplo prático aqui: a mesma IndieVisível Press, por exemplo, que tá relançando The Darkness, trouxe pro Brasil os quadrinhos dos Power Rangers. Claro que estes gibis carregam uma dose considerável de nostalgia consigo – um pouco menos pra mim, que era de fato mais o público dos tokusatsu originais exibidos na TV Manchete, do que pra um público um tantinho mais jovem. Mas tanto faz. O ponto é que, de alguma forma, ali a nostalgia é só parte da mistura.

Porque são novas histórias. Tramas que não vimos na série, que dão mais profundidade aos personagens principais e mesmo aos coadjuvantes. E isso sem perder a essência dos Power Rangers originais. É aventura, é leve, é divertido, não tem qualquer pretensão adicional além disso. Mas é NOVO.

O mesmo vale, de alguma forma, pra recente série animada dos X-Men, sobre a qual já falei aqui no Gibizilla, aliás. Ela é obviamente ambientada dos anos 1990, até por ser continuação DIRETA da original. Apela para o saudosismo, obviamente, mas está longe de ser APENAS isso. Os diálogos, os relacionamentos, a ambientação… Tudo se permite ir BEM mais além. Ainda bem, aliás.

Pra encerrar, fica a dica do tio aqui…

Leia aqueles gibis do seu passado que você tanto ama – assim como você vai rever aquele filme velho que dá um quentinho no seu coração ou ouvir aquele disco que te traz as melhores memórias da adolescência. Legal. Mas não deixe de exercer o seu senso crítico, antes de qualquer coisa. Porque nem tudo envelhece bem como deveria – e tá tudo beleza você voltar a ter contato com estas paradas depois de mais velho e achar tudo uma porcaria. Faz parte. E isso não vai, como gostam de dizer uns e outros, destruir a sua infância. Porque ela está lá, onde deve ficar: no passado.

Leia, assista e escute as suas velharias… Mas não deixe de abrir o coração para o NOVO. Para novos autores, novas histórias, novas narrativas. É sempre bom ter a chance de se encantar e construir novas experiências. Vai por mim. Faz um bem DANADO.


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Comments
  • Nunca perdi tanto tempo lendo uma crítica tão rasa de um cara revoltadinho.

    23 de maio de 2024
  • Crítica rasa sobre Spawn de um cara revoltadinho.

    23 de maio de 2024

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