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Harvey Pekar e a Israel que seus pais não prometeram

HQ póstuma do autor ícone dos quadrinhos independentes expõe um racha em sua própria identidade como judeu ao repassar a história da nação israelense

Por GABRIELA FRANCO


Harvey Lawrence Pekar (pronuncia-se “Píkar”) foi um escritor judeu-estadunidense de quadrinhos underground, crítico musical e personalidade midiática (principalmente por suas aparições em programas como David Letterman) – e que ficou mais conhecido por sua série de quadrinhos autobiográfica American Splendor. Em 2003, a série inspirou uma adaptação cinematográfica homônima – que em português ganhou o título de “Anti-Herói Americano” – estrelada pelo incrível Paul Giamatti no papel do autor. 

Já mencionei que Pekar era judeu, certo?

Bem, pois então: essa HQ é especificamente sobre esse assunto. Foi publicada postumamente com ajuda de sua mulher, a também quadrinista Joyce Brabner. Mas, embora não seja sua única obra sobre o tema (já que Yiddishkeit: Jewish Vernacular and the New Land, ainda não publicada no Brasil, sobre sua paixão pelo ídiche, também foi lançada postumamente), nenhuma outra é de longe tão crítica e certeira quanto Não é a Israel que Meus Pais Prometeram (Veneta).

O gibi é uma obra-prima, em minha opinião de judia e crítica de HQs. Misturando com boas doses de autobiografia, ele faz um verdadeiro apanhado da história dos judeus em formato de quadrinhos e questiona, com muita perspicácia, categoria e criticidade, os rumos de Israel – do sonho socialista e utópico dos primeiros habitantes dos kibutzim em sua fundação em 1948 ao governo ultradireitista, belicista e teocrático dos dias atuais.

Toca em temas difíceis dos tempos presentes, fala sobre sionismo – não distorcendo sua origem,  suas diversas vertentes, sem esconder seu lado feio e obscuro, contudo, nunca questionando sua legitimidade e suas correntes humanísticas – sobre judeidade e sobre essa ideia de uma Israel que foi fundada sob a égide de se tornar o grande refúgio das vítimas do Holocausto, sob circunstâncias nada auspiciosas do domínio do mandato britânico e guerras árabes-israelenses.

Uma nação com muitos erros, alguns acertos (e ele não se furta de citá-los) e que, como qualquer outra, precisa caminhar constantemente rumo ao aperfeiçoamento. Acima de tudo, é um trabalho de alguém que SABE do que está falando, que domina o tema e a linguagem e só isso já nos dá um alívio danado. 

É um retrato claro, crítico e honesto, baseado em fatos históricos, sem distorções ou ideologias. Mas apenas um desabafo de um homem que questiona os valores de sua judeidade e de suas raízes e crenças familiares não para rechaçá-las ou condená-las, mas justamente, no meio de uma história tão complexa e peculiar, tentar entender o que nos trouxe até aqui, como judeus, como cidadãos do mundo, progressistas que lutam pela paz, direitos humanos e igualdade entre nações.

No final, Harvey Pekar não nos dá respostas, mas só reforça nossas perguntas que nunca, jamais devem calar, até que nossos objetivos humanitários sejam atingidos.

Eu assino embaixo de cada reflexão que ele faz. Foi uma obra que, como judia e estudiosa do assunto, me emocionou demais.

Mas ressalto: é uma HQ que vai ser melhor absorvida por judeus progressistas e com certeza vai ser indigesta para grande maioria dos judeus (e pessoas, no geral) que têm uma visão distorcida, romântica e religiosa de Israel. 

Para quem for ler com o peito aberto e sem preconceitos, é de GRANDE valia e altamente esclarecedora. 

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