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Roger Corman: um dos pais do cinema de hoje

Diretamente do CinemAqui, o chapa Vinicius Carlos Vieira fala sobre um grande e subestimado nome da Sétima Arte que nos deixou recentemente

Por VINICIUS CARLOS VIEIRA*

Talvez a gente demore tempo demais para celebrar certas pessoas – e o resultado são obituários. Roger Corman foi sem sombra de dúvida um dos nomes mais importantes do cinema mundial, nunca deixou de ser celebrado em vida, mas muito mais por seus parceiros de trabalho e fãs mais esforçados do que pelo público em geral. Talvez muita gente nem saiba quem foi Roger Corman. Pior ainda, há quem ouse seguir um fluxo de ignorância que o colocava como um diretor de filmes ruins.

Mas se sempre há tempo para um obituário glorificante, certas figuras como Roger Corman são maiores do que qualquer uma das linhas que seguirão nesse e em qualquer outro texto. Na verdade, o legado de Corman é muito maior do que qualquer bagagem mal organizada de fã de filme de hominho. Roger Corman será citado, estudado, assistido, celebrado e amado por mais gerações do que cabem na lista do Letterboxd desse pessoal.

Corman dirigiu 55 filmes, mas sua contribuição para o cinema vai muito além disso: afinal, seus mais de 380 créditos como produtor transformaram o cinema no que ele é hoje. Não só em termos do que ainda está na ativa sendo criado, como até no formato inteiro de se enxergar essas produções. Principalmente quando o papo é dinheiro.

Conhecido como um cara que representava o cinema independente mesmo antes desse termo realmente significar alguma coisa nos dias de hoje, Corman tinha como lema algo que acabou virando o título de sua autobiografia: “Eu fiz cem filmes em Hollywood e nunca perdi um tostão”. Ou, nas próprias palavras de Corman em uma entrevista em 2013: rápido, barato e lucrativo.

Rápido, Barato e Lucrativo

Mas essa ideia vem de muito mais longe do que isso. Lá pelos anos 1950, depois de dois anos de Marinha durante o finalzinho da Segunda Guerra, Corman arrumou um emprego no finado estúdio 20th Century Fox. De mensageiro, ele em pouco tempo se tornou o que os americanos chamam de “leitor de roteiro”. Não demorou muito e ele conseguiu que escutassem suas ideias para aqueles textos. Logo em seguida, teve um monte delas que entraram no filme de 1950, O Matador, com Gregory Peck. Mas seu nome não foi incluído nos créditos e ele fez o que toda pessoa deveria fazer nesses casos: jogou a mesa para o alto e decidiu abrir sua própria produtora.

Em 1954, juntando dinheiro de alguns anos de trabalho meia boca na indústria do cinema e, finalmente, a venda de um roteiro, Corman produziu Monster From the Ocean Floor, sobre um monstro marítimo gigante. Nascia então a Palo Alto Productions.

Mas, para entender um pouco da dinâmica da produção cinematográfica de Hollywood nesse período, fica aqui a leitura do texto sobre o recente Feriado Sangrento lá no CinemAqui. E isso é importante, pois é essa demanda de produções para “encherem” os cinemas que fez com que Corman se tornasse tão importante. 

O público queria monstros marinhos esquisitos, assassinos malucos, carros acelerando, muito faroeste e mais qualquer tipo de ficção científica, terror, suspense e doideira que lhes permitisse esquecer um pouco do mundo ao redor. Pois então foi isso que Corman lhes ofereceu.

Só em 1955 a Palo Alto estreou nos cinema quatro filmes: The Fast and The Furious, Cinco Revólveres Mercenários, A Besta do Milhão de Olhos, Pistoleiro Solitário e O Dia do Fim do Mundo. Sim, o primeiro desta lista tem um título bem conhecido e com o qual os produtores do filmes de 2001 disseram que não tiveram contato antes de batizar o filme com o Vin Diesel. Corman não se preocupou com isso: já tinha vendido os direitos do filme por uma ninharia para a American Releasing Company, dinheiro suficiente para ele conseguir fazer mais dois filmes. Era assim que funcionava sua cabeça.

A Besta do Milhão de Olhos
A Besta do Milhão de Olhos

Tirando o filme de carros, todos os outros lançados nesse mesmo ano tinham a direção do próprio Corman. Em 1956, seu nome apareceu em mais quatro filmes como diretor. Já em 1957, foram nove,

É lógico que, se você analisar só esses três anos de produção, irá encontrar de tudo. Não só acertos, como também erros, mas mais do que tudo amor pelo cinema e pela possibilidade de levar para seu público aquilo que eles mais queriam. O jeitão de “filme B” não era uma consequência, mas sim uma exigência. Era preciso produzir muito, com muito pouco, para ter um retorno substancialmente coerente com a rotatividade desse monte de filmes pulando de grindhouse em grindhouse, de drive-in em drive-in, de sessões obscuras em sessões obscuras. Corman criou um jeito só dele de fazer com seus filmes atingissem seu público.

“Nevermore”

Naquela mesma entrevista de 2013, ele apontava algumas lições para os cineastas, elas passavam por certezas como “a importância do roteiro da pré-produção e de estar preparado para mudanças”, mas mais do que isso, lembrava o quanto era importante criar o filme que seu orçamento teria. Não o contrário. Seus filmes podem até parecer menores, mas nunca são amadores. 

Em 1960, Roger Corman dirigiu A Pequena Loja de Horrores, talvez seu filme mais cult e que até hoje se mantém firme no imaginário dos espectadores. Três anos depois, fez a ficção O Homem dos Olhos de Raio-X, um clássico do gênero que perturba até hoje. Falando em clássico, no mesmo ano de 1960 lançou O Solar Maldito, que recebeu no Brasil esse título esquisito, mas diz respeito ao conto A Queda da Casa dos Usher, de Edgar Allan Poe, o primeiro filme de nove a juntar esses dois nomes na tela do cinema.

O Poço e o Pêndulo, Muralhas do Pavor, O Corvo, Castelo Assombrado, A Orgia da Morte, O Ataúde do Morto-Vivo e Túmulo Sinistro, todos estrelados por Vincent Price, e que praticamente colocaram a figura do ator diretamente ligada ao diretor e ao escritor. Sem Price, ainda produziu Obsessão Macabra.

O Legado

No começo dos anos 2000, enquanto Corman estava produzindo um filme de qualidade duvidosa na Rússia chamado Arena da Morte (umas mulheres gladiadoras de um sádico governador romano), quando foi questionado sobre a razão de não ter escolhido para a cadeira de diretor nenhum nome da lista de possíveis profissionais interessados, mas ter preferido um jovem cineasta russo que vinha de uma carreira de videoclipes, Corman apontou que enxergou o amor do profissional em seu olhar.

O tal russo era Timur Bekmambetov, que três anos depois se tornou a maior bilheteria da história do país com o interessante Guardiões da Noite, mas que hoje talvez seja mais conhecido por coisas mais ocidentais como O Procurado, Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros e o remake de Ben-Hur.

Tudo bem, o currículo do Bekmambetov não é o mais impressionante, mas demonstra claramente o que talvez seja o principal legado de Corman: seu olhar para os talentos. 

Voltando àquela entrevista de 2013 mais uma vez, Corman lembra que uma das principais lições para os novos cineastas é, justamente, procurar e confiar em novos talentos. Ele acreditava que um diretor de cinema aprendia mais em seu primeiro filme do que, provavelmente, em toda sua carreira.

Voltando para os anos 1960 e para um grupo de cineastas americanos que, inspirados pelos cineastas europeus do pós guerra, mudaram o cinema de Hollywood com “sexo, drogas e rock´n roll”. Mas, antes disso, eles precisavam pagar suas contas – e trabalhar no cinema era a única opção. 

Francis Ford Coppola (Demência 13), Peter Bogdanovich (Targets) e Martin Scorsese (Sexy e Marginal), entre outros, se formaram nessa “Escola Roger Corman de Cinema”. Corman precisava de gente barata para fazer filmes baratos, mas com vontade de torná-los maiores; já esse monte de gente tinha crescido vendo o nome de Corman nas telas daqueles mais divertidos e rebeldes filmes de sua infância e juventude. O resultado: tudo daquele ano em diante parece resvalar em alguma coisa dirigida, produzida ou que teve a influência de Corman.

Quase como se toda uma geração de cineastas, atores e roteiristas tivessem a sua figura em comum.

E enquanto esses caras se tornavam lendas, Roger Corman continuava, logicamente, trabalhando para criar mais lendas. Em 1974, bem antes do Oscar por O Silêncio dos Inocentes, Jonathan Demme assinou Prisão Violenta. Também algumas décadas antes do Oscar por Uma Mente Brilhante, Ron Howard estava lá, em Grand Theft Auto. Sem Oscar, mas com seu nome na história de Hollywood por coisas como Gremlins e Grito de Horror, Joe Dante antes disso comandou “o melhor remake de Tubarão da história do cinema” (quem disso isso foi o próprio Spielberg), o filme Piranha. Falando em Piranhas e Oscar, antes de dirigir o seminal Piranhas 2, James Cameron estava lá trabalhando na equipe de efeitos especiais de Roger Corman.

Sim, todos esses “primeiros filmes” desses caras famosos (menos o Piranhas 2), tinham o nome de Corman por trás. Na verdade, tinha um produtor que acreditava na capacidade desses artistas de serem artistas. Sem isso, é difícil imaginar o que seria do cinema hoje.

E se isso parece pouco, imagine que esse texto poderia ter o dobro ou triplo desse tamanho, mas isso faria com ele fosse menos rápido, mais caro e, com certeza, menos lucrativo.

Voltando àquela entrevista de 1993 (juro que última vez!), na última dica que ele deixava para os novos cineastas: aprenda assistindo filmes.

“E você aprenderá procurando bons filmes”, lembra Corman e completa: “Você também irá aprender com filmes ruins, mas essa é uma outra história”. E isso dito por um diretor com créditos que vão desde pequenas pérolas, até grandes bobagens, mas sem nunca perder o objetivo de fazer cinema.

Um cinema apaixonado e que irá fazer falta.

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* Editor, criador e crítico do CinemAqui, jornalista por formação, escritor por definição e chato por natureza. Viu filmes demais e leu mais quadrinhos do que devia, o resultado foi essa vontade de discutir, entender e se emocionar com ambos. Se tornou crítico de cinema pelo amor à Sétima Arte e continua a cada dia ainda mais apaixonado por cada frame, quadro, quadrinho ou linha escrita.

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