Top 15 – Filmes 2023, uma seleção Silas Chosen
Convidamos nosso chapa cinéfilo que trouxe seu texto afiadíssimo e sua divertida seleção de imagens pra falar de uma seleção de películas que fizeram história no ano que passou
Por SILAS CHOSEN
2024 começou. Isso significa que precisamos olhar para 2023 e revisar o que se passou.
2023 foi um ano sujo e pesado pra muita gente neste planeta. Mas nós, amantes do cinema, fomos agraciados com um ano inesquecível. Talvez não tenhamos um ano tão transformador assim em muito tempo.
Finalmente o cinema pipocão-isopor que alimentava nossa criança-interior-fã-de-hominho entrou no coma que habitava todas as profecias. E ainda assim, bilhões de dinheiros foram trocados nas bilheterias por gente que quis ver cinema (às vezes até com C maiúsculo).
Mas pra que delongar o inevitável. Vamos à nossa contagem regressiva.
(Nota do Redator – imagens completamente aleatórias)
(Nota do Editor – mas elas fazem bastante sentido, em especial se você já assistiu aos filmes, rs)
15 – Cuando Acecha La Maldad (O Mal que nos Habita)
Dir. Demián Rugna
Tá aparecendo aos poucos um filão de horror (e neste caso, horror bem extremo) aqui na nossa quebrada latino-americana que tem agradado bastante. Diretores ousados que querem investigar e exorcizar algum pedaço da existência e da história desses lados de cá através de medo e sangue, duas coisas que nunca deixaram o dia a dia do cidadão latino.
Lembro de La Llorona, de 2012, filme guatemalteco do diretor Jayro Bustamante, e também de Aterrados, de 2018, do argentino Demián Rugna. Este último retorna agora em 2023 num filme sobre possessão demoníaca que tem muito mais coisa atrás da premissa básica dos dois irmãos que querem se livrar de um homem possuído que está prestes a “dar a luz” a algo muito pior.
É ao mesmo tempo um filme de horror regional, um filme de “caçador de monstros” e uma história de apocalipse, tudo envolto em ideias originais e completamente malucas sobre uma invasão demoníaca à Argentina. Definitivamente uma das experiências mais chocantes de 2023.
14 – Guardiões da Galáxia Vol. 3
Dir. James Gunn
O único legítimo filme de hominho da lista é a despedida do imparável James Gunn do universo Marvel, antes de tomar as rédeas do que costumava ser só uma péssima ideia (o DCU).
É o filme onde todas as pontas soltas se amarram, e o guaxinim favorito de todo mundo vira o protagonista. Aqui, Rocket Racoon é quem vai passar pelo clássico “enfrentar demônios do passado” e também “redescobrir o sentido de sua própria identidade” que quase todo super-herói precisa viver em algum momento. Mas James Gunn sempre tem muito mais na manga do que a gente pensa. Ele consegue, mais uma vez, fazer um filme sobre o que é ser um desajustado (quer isso seja culpa da nossa natureza, da nossa família ou de um geneticista maluco galáctico).
Uma despedida linda de alguns dos melhores personagens do MCU, e algumas cenas incríveis de ação. Um adeus gostoso à fase de filmes megalomaníacos de quadrinhos.
13 – Fale Comigo
Dir. Michael Phillipou e Danny Phillipou
Esse é outro daqueles filmes “quase não dá pra acreditar que é um filme de estréia”. Os irmãos australianos Michael e Danny Phillipou, que têm um canal de stunts e comédia no YouTube, tiraram um filme de minúsculo orçamento do papel na unha, depois de desilusões hollywoodianas. Com o filme pronto, conseguiram distribuição da A24, e então nós podemos ver essa pequena e estranha saga sobre luto e adolescência.
Xóvens inconsequentes descobrem uma mão mumificada capaz de invocar espíritos de pessoas falecidas (e quem sabe outras coisas mais) e, ao invés de queimar, jogar da ponte, enterrar longe de casa, ficam brincando de “fale com o fantasma”. Ou seja, a principal mensagem do filme é “quando somos jovens, somos muito burros”.
É um terror menos perturbador e mais pensante do que parece. Apesar de ter momentos bem tensos, e de uma violência brutal surpresa, a melancolia do luto sofrido pela protagonista (interpretada por Sophie Wilde) é o que carrega o filme.
Destaque para a cena (a cena) onde o personagem do ator Joe Bird entra na brincadeira. Os irmãos Phillipou tem uma mão boa para tensão, para escalada, para viradas e para criatividade na câmera (enquanto ainda estão aprendendo a criar AQUELE roteiro), mas o que eles tiraram de atores completamente anônimos não tá escrito.
12 – Dungeons & Dragons – Honra Entre Rebeldes
Dir. John Francis Daley e Jonathan Goldstein
Sim amigos. É a nossa vez.
Para tirar qualquer lembrança de (checando notas) Jeremy Irons e (checando…) o cara que era o Jimmy Olsen no Lois & Clark… Alguém rolou o dado (e tirou um 17 bem sólido) para fazer um filme sobre um dos jogos de tabuleiro mais importantes da cultura pop.
Se O Senhor dos Anéis criou as principais estruturas da fantasia medieval na cultura pop, Dungeons & Dragons fez a gente mergulhar de cabeça nela. E precisamos aguentar algumas décadas de filmes de fantasia medianos (e alguns legais) (e alguns horrorosos) para finalmente ver a terra de Elmynster e Baldur’s Gate na telona.
É como começa toda aventura: um bardo, uma guerreira, um mago e uma ladina precisam completar uma missão, salvar o mundo, e no caminho concluir QUESTões pessoais. A diferença aqui é que tudo é feito com amor pelo material, com Carisma (CHA) elevadíssimo (18 +4), deixando a comédia e a adrenalina lá no alto e… Quem diria, até emocionando um pouquinho. É de sair do cinema dando pulinhos.
11 – Nimona
Dir. Nic Bruno e Troy Quane
Tem uma crença, não muito propagada mas existente, de que o Sci-Fi é capaz de ser uma janela questionadora para o nosso mundo enquanto faz uma especulação socio-política e tecnológica.
Mas que a fantasia é “faroeste de nerd” e pouco mais.
Então você assiste a um filme como Nimona e a coisa muda.
Nimona consegue aplicar tropos (as vezes bem nichados) de fantasia medieval e horror tradicional a uma história sobre identidade, amizade e aquele momento gostoso onde você descobre que o sistema está mentindo pra você. Um cavaleiro é acusado de um crime que não cometeu, e é perseguido pelo seu ex-namorado. Sua única saída é se aliar a uma metamorfa caótica, punk, que não sabe crescer e nem respeitar autoridade.
Tem monstros vivendo lá fora. Mas eles (quase nunca) são quem a gente pensa. Muitas vezes alguém diz que o monstro somos nós mesmos, só porque não encaixamos perfeitamente no mundo que inventaram para nós. Nimona, ao mesmo tempo que encanta e entretém, escancara a babaquice desgraçada de uma coisa dessas.
10 – Ninguém Vai Te Salvar
Dir. Bryan Duffield
Filme de ET é filme de terror? Não to falando de ALIEN ou PREDADOR, tô falando dos ET BILU mesmo, cabeçudo, olhão, braços compridos, parecem que querem te converter a uma seita nova. Esses ETs.
Tudo depende da perspectiva. Uma garota (Kaitlyn Dever) que vive completamente isolada da cidade onde vive começa a receber visitas noturnas de seres que não são daqui. E esses ETs metem muito medo, nela e no público. A história tem algum desenvolvimento a mais, em especial a explicação do porquê da moça viver sozinha. Mas o foco é total na ação, e em como ela se transforma para se defender.
É um filme no qual são proferidas praticamente duas palavras e mais nada. Nenhum diálogo, só áudio e visual, e mesmo assim o diretor Bryan Duffield nos leva para uma baita volta.É tão surpreendente o quão efetivo este filme de, basicamente, invasão doméstica, consegue ser. Um pequeno filme que mantém a gente olhando de forma muito suspeita para o céu.
9 – Asteroid City
Dir. Wes Anderson
Parece que o Wes Anderson não desistiu de tentar se tornar o Wes Anderson mais Wes Anderson do cinema.
Não é só a câmera centralizada, os cenários estilizados, os atores sempre parecendo não ter emoções. Wes Anderson, como no espetacular Grande Hotel Budapeste, quer experimentar com metalinguagem e com aquele estilo “Boneca Russa” de histórias dentro de histórias.
E aqui elas não estão só uma dentro da outra, estão uma interagindo com a outra, trocando de lugar, vivas, vibrantes, um labirinto narrativo do qual a qualquer momento pode saltar um Jeff Goldblum. No centro de tudo, uma família lidando com perda, com a dureza de ser gente (pequena e grande), um carro quebrado e um mistério espacial.
E olha que o Wes ainda lançou aquela coleção (ótima) de curtas baseados na obra do Roald Dahl hein. Que ano!
8 – Missão Impossível – Acerto de Contas Parte Um
Dir. Christopher McQuarrie
Tom Cruise salvou o mundo… No cinema… Sei lá. Umas 12 vezes?
Salvar o cinema hollywoodiano mesmo acho que foram umas 2 ou 3. E já fazem mais de duas décadas que ele vem mantendo a tocha do cinema de ação lá no alto, sempre empurrando o nível e escolhendo os melhores do ramo para formar seu time.
Sabemos que, infelizmente, um dia ele vai morrer em nome do nosso entretenimento. Um Jesus sorridente que não para de correr, que parece querer sacrificar-se por nós(so entretenimento).
Em Acerto de Contas (Parte Um), McQuarrie joga ele de uma montanha, transforma ele num malabarista automobilístico, faz ele correr muito, tudo para destruir uma IA que entendeu ser uma deusa da destruição e… Quem queremos enganar? Nenhum série de filmes deixa mais claro que a trama é só um pretexto para cenários fabulosos, gente absurdamente bonita e coreografias de ação estonteantes nos prenderem na cadeira.
Um brinde ao rei do cinema.
7 – Os Rejeitados
Dir. Alexander Payne
Tem como não amar o Paul Giamatti?
Alexander Payne volta às telonas para nos levar de volta no tempo. Não só a história se passa nos anos 70, numa era onde o maior medo do jovem era ser mandado para o Vietnã, mas o filme traz um visual e uma aura setentista deliciosa.
Um professor (Giamatti), daqueles chatos e implicantes, fica preso numa escola durante o Natal com um aluno (Dominic Sessa, inacreditável em sua estréia na atuação), daqueles chatos e implicantes. E daí vai nascer uma amizade muito estranha, onde cada um aprende sobre respeito, sobre diferenças e sobre família.
Já nasceu clássico de natal. E um baita destaque para Da’Vine Joy Randolph, que interpreta a cozinheira da escola, que acompanha as peripécias dos dois enquanto enfrenta uma das piores coisas possíveis. Essa mulher é o coração do filme.
6 – O Assassino
Dir. David Fincher
O grande David Fincher, ninguém sabe exatamente por que, foi raptado pela Netflix (assim como o Adam Sandler e o Guillermo Del Toro), e até agora ninguém viu nenhum pedido de resgate.
Pelo menos enquanto está lá dentro, Fincher se recusa a contribuir na fabricação daqueles enlatados esquecíveis e mal filmados que a locadora rubra tanto ama nos vender. Depois de criar a (discutivelmente) melhor série do catálogo com Mindhunter, e um filme que dividiu opiniões com Mank, ele nos traz agora uma adaptação do gibi francês sobre um assassino FRIO e CALCULISTA.
E não demora 20 minutos para percebermos que há uma disparidade crassa entre o que este assassino anônimo (Michael Fassbender, talvez o melhor casting do ano) faz e o que ele nos conta.
Estamos falando de um cara no topo do jogo. A nata dos assassinos de alto escalão. Nada daquela fantasia do John Wick ou a complicação mirabolante de um Agente 47. Aqui o papo é sério, os riscos reais, e só lidamos com profissionais. E o tal matador é um presepeiro de primeira, que passa o filme todo limpando uma cagada atrás da outra.
É o jeito de Fincher… Tirar sarro dos filmes de ação? Da “gig economy”? De si mesmo? Não sabemos e não importa muito. A meticulosidade do cineasta cria um filme cirúrgico em sua ironia, e delicioso em sua execução.
5 – Godzilla Minus One
Dir. Takashi Yamazaki
Eu lembro quando vi o primeiro trailer do Godzilla do Roland Emmerich, em 1998.
É aquele trailer onde o pezinho da lagartixa pisa na ossada de um T-Rex (uma piadoca mal pensada sobre Um Outro Filme Sobre Lagartos Gigantes meio famoso dos anos 90?). Quando a cena acontece, o cinema soltou um audível “Uau”. Quando o nome GODZILLA apareceu na tela, todos riram. “Godzilla é aquele filme velhão, meio tokusatsu, de um monstro destruindo Tokyo”.
Ninguém ri em Godzilla Minus One.
O diretor Takashi Yamazaki vai até o Godzilla original, de 1954, para mexer com a alma do povo japonês. E mexer de um jeito muito indigesto e pesado.
A grande trama é a mesma – Um lagarto gigante aparece na costa do Japão e um grupo de pessoas comuns precisa resolver este problema antes que mais gente morra. Só que focamos bastante nos dramas pessoais, especialmente nos de Koichi (Ryunosuki Kamiki), um piloto kamikaze que acabou de desertar de seu momento de glorificar a nação, no final da Segunda Guerra Mundial.
No meio de um país fisicamente, moralmente e espiritualmente devastado, ele tenta reconstruir sua vida do zero. Só que aí aparece uma nova expressão da destruição em massa, e ele e seus amigos vão lutar para impedir ainda mais tragédia.
Há muito (muito) para se falar de Godzilla Minus One. Em especial no paradoxo: é um filme profundamente triste, onde pessoas que morrem não são somente estatística; ao mesmo tempo que é uma narrativa incansável em sua aversão ao fascismo japonês, a um nacionalismo assassino e na sua defesa do valor da vida.
Quando toca a música original do filme de 1954… É tenso galera. É muito tenso.
4 – Barbie
Dir. Greta Gerwig
Então. É um filme sobre uma boneca.
Tivemos alguns filmes sobre produtos em 2023. Lembro bem de Air, dirigido por Ben Affleck, e Tetris, de Jon S. Baird. São filmes que contam (ao que me parece, de maneira bem estruturada, bem dirigida e divertida) a história real sensacional por trás da criação de produtos. De coisas. Coisas inspiradoras cuja principal função é fazer você gastar um dinheiro que não precisava.
Não que haja nada de errado em fazer um filme desses. Mas há algo de insidioso num filme que quer transformar em heróis inspiradores… Profissionais do Marketing. O publicitário que vive em mim sabe que quando chegamos nesse nível, precisamos de heróis melhores.
Barbie é um produto. Ela não é um personagem com uma personalidade, narrativa, autodescoberta. É diferente de uma propriedade intelectual como o Super Mario. Ele é também um produto, mas está inserido num ambiente narrativo que facilita um filme.
Barbie era somente um produto, e então a Margot Robbie e a Greta Gerwig cavaram e descobriram que ela poderia também ser uma ideia. É aí que nasce o filme. A Barbie mora num mundo perfeito, cheio de cor, dança e música. Mas algo tira ela dos eixos, e faz com que ela questione não só quem ela é, mas o que ela é. E é através de um choque com a realidade que ela descobre que ela é um monte de coisas, mas acima de tudo é uma mulher.
O filme tem uma infinidade de qualidades excepcionais. A fotografia de Rodrigo Pietro (que vai aparecer novamente nesta lista). A (re)descoberta do gênio da comédia que é o Ryan Gosling. O carisma infalível de Margot Robbie. Mas Greta Gerwig e Noah Bambauch fazem o roteiro brilhar mesmo quando nos fazem pensar em nós mesmos.
Num mundo onde cada ser humano precisa ser violentamente categorizado para poder funcionar em sociedade, que não aceita que mulheres possam ser nada mais do que “o estereótipo da mulher”, e onde homens precisam se comportar de um jeito (nem sempre aconselhável)… Ken sou eu?
Aquele monólogo da America Ferrera doeu em muita gente, por motivos diferentes.
(Nota – Este filme ganhou o prêmio “Você precisa deixar muito claro porque não gostou para poder não ser considerado um babaca”.)
3 – Oppenheimer
Dir. Christopher Nolan
Eu não sabia que Christopher Nolan chegaria aqui.
O Nolan é extremamente formulaico, e quase nunca desvia do próprio estilo de filmar, de apresentar ideias, de dirigir (ou não) seus atores. Mas em seu segundo filme narrando uma história real, ele decide abraçar a subjetividade de seus personagens e criar momentos intensos e surreais quando precisa. É menos o diretor de Inception e mais o diretor de O Grande Truque que está aqui, enquanto disserta sobre o peso do mundo nas costas de uma só pessoa.
Acompanhamos o físico Robert Oppenheimer (o papel da vida de Cillian Murphy) em sua juventude, no meio de escapadas sexuais e de dilemas quânticos, ao ser recrutado para liderar o projeto de construção da arma mais devastadora que a humanidade já inventou. Também o acompanhamos em sua meia idade, décadas depois, quando todo o valor que criou, toda sua lealdade, inteligência e o fato de ter terminado uma guerra mundial e começado outra são colocados em cheque por um comitê de investigação.
Nolan não é a primeira pessoa que vem à mente quando pensamos num diretor para um “estudo de personagem”. Mas ao criar um mundo paralelo dentro da mente de seu protagonista (e ao dar a Murphy a liberdade necessária para viver esse mundo), nós somos transportados para uma realidade onde átomos e partículas resultam em morte e destruição.
Ainda é o Nolan de terno e gravata, que toca talvez de maneira sutil demais nos verdadeiros horrores da guerra, que ainda não tem ideia do que fazer com personagens femininos (a não ser que elas estejam morrendo), e que parece não saber como funciona um ato de paixão carnal entre dois jovens cheios de tesão. Mas é um Nolan incrivelmente maduro, seguro de si, criativo e ambicioso. Vai merecer todos os prêmios que ganhar. ( – Não é para ser inteiramente uma crítica a tropos misóginos existentes em tudo quanto é coisa de Hollywood, e porque não, na carreira de Nolan. Enquanto de um lado, a morte da personagem de Marion Cottilard em Inception é um momento meio fajuto e fácil, em Oppenheimer há uma morte feminina criada de uma maneira MUITO interessante).
2 – Homem-Aranha – Através do Aranhaverso
Dir. Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson
Os filmes do Aranhaverso… Não são “filmes de boneco”. De hominho.
Do mesmo jeito que não dá pra colocar nesse balaio os filme do Nolan sobre crime e guano, ou os Homem-Aranha do Sam Raimi.
Pelo Menos Eu uso a expressão “filme de hominho” pra descrever o enlatado do MCU, da Warner, essas pataquadas que já foram interessantes um dia, mas não trazem absolutamente nada mais. Se perderam na fórmula, no personagem.
Cada frame de Homem-Aranha No Aranhaverso (2018) e Através do Aranhaverso é um banho de arte, personalidade, respeito à mídia original, inspiração, drama e comédia. Com 24 desses por segundo, vira um dilúvio. Através começa com duas sequências – uma intimista e emocional, e outra insana e vibrante – que tiram você do torpor no qual todos nós vivemos. Estamos alguns anos depois dos eventos de No Aranhaverso, com um Miles Morales mais crescido, com saudades dos amigos interdimensionais.
Surgem duas ameaças – um vilão de terceiro escalão e (checando notas) a predestinação cósmica.
Através golpeia você com conceitos, com piadas, com momentos icônicos (e canônicos) épicos de crescimento de personagens, sempre com a humanidade deles, suas dores e seus sonhos no centro.
Nós não merecemos filmes de super-heróis nesse nível.
1 – Assassinos da Lua das Flores
Dir. Martin Scorsese
Como evitar?
2023 teve filme do Fincher, da Greta, do Nolan, do Miyazaki (que demorou pra chegar no Brasil hein), do Alexander Payne. Teve até filme do Mario (aquele).
Mas quando o Marty quer, o que que o Marty faz? Um épico de romance, faroeste, crime, uma história daquele capitalismo de sorriso mesquinho, de ódio racial e de justiça tardia.
Leonardo DiCaprio volta a ser dirigido pelo Sobrancelhas no papel de (por falta de termo melhor) um mané que não presta para nada. Mas este mané é sobrinho de um poderoso membro “dazelite” (“O melhor papel da vida de Robert DeNiro”, SCHOONMAKER, Thelma) que está mexendo pauzinhos para que a fortuna dos nativo-americanos da tribo Osage caia no bolso de gente querida (e branca).
É uma história de crimes sórdidos, de violência, de gente má, muito má, péssima e terrível. Ou seja, é que nem 80% da filmografia do Scorsese. O velho Marty nunca deixou de pegar o mito do empreendedor, do self made man, que ainda pega muito trouxa, e esgoelar pelo colarinho. Mas aqui o buraco é um pouco mais embaixo. A crueldade dos personagens é quase tenebrosa demais para acreditarmos (e aí descobrimos que não só é uma história real, mas que até mesmo alguns dos diálogos mais absurdos são reais), em especial o drama no centro do filme.
O mané de DiCaprio se apaixona e casa com uma nativa, herdeira do dinheiro do petróleo dos Osage. E precisa arranjar muita coisa para que o dinheiro vá para o lado certo.
A esposa é interpretada por Lily Gladstone, no primeiro papel de destaque da carreira, e ela consegue uma façanha que não se via há muito no cinema. Um poder visceral em seu silêncio, em seu deboche, olhos que contam muito mais do que palavras.
Marty dirige com vigor, com explosão e intensidade. Utiliza muito bem os poderes do fotógrafo Rodrigo Pietro, de sua editora tradicional, Thelma Schoonmaker, do compositor moicano Robert Robertson (em seu último trabalho).
Nosso avô favorito está se despedindo de nós, mas quer fechar a carreira com chave de ouro. Porque só está lançando um estouro atrás do outro (os três filmes anteriores dele foram somente O Irlandês, Silêncio e O Lobo de Wall Street).
Vida longa ao Marty.
E vocês, o que curtiram no cinema em 2023?