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Um quebra-cabeças em quadrinhos chamado Monstrum

Recém-custeada via financiamento coletivo, a conclusão da minissérie criada por Carlos Felipe Figueiras e indicada ao HQ Mix encerra o mistério que cruza as histórias de diversos personagens

Por THIAGO CARDIM


Monstrum é o nome de uma exposição de artes que ocorreu no badalado Seaside Golf Club de Los Angeles em 1987. Porém, algo deu muito errado e a noite terminou com um banho de sangue. Celebridades, políticos, gente da alta roda da sociedade e também funcionários. Todos mortos. Monstrum é também o nome de uma minissérie em quadrinhos que, ao longo de cinco edições, acompanha o desenrolar dos eventos da noite pelos olhos de cinco pessoas presentes.

E Monstrum é, caso você não tenha reparado na linha fina ali em cima, criação de um brasileiro – apesar de sua união de mistério e sobrenatural ter a maior cara do que muito leitor esperaria de autor gringo. O roteirista, no caso, é Carlos Felipe Figueiras, que vem escrevendo e publicando gibis de maneira independente, tanto impressos quanto online, há 21 anos, navegando por diversos gêneros.

“Eu queria narrar a história de forma linear originalmente, focando na ação e nos acontecimentos bizarros que se dão ao longo da noite, mas conforme comecei a escrever, senti que era necessário dar mais foco em cada um dos personagens principais, porque suas histórias pessoais eram mais interessantes”, explica Carlos, em entrevista exclusiva pro Gibizilla.

A arte é de Sueli Mendes, que, segundo o roteirista, “segurou firme as pontas, mesmo durante a pandemia, e não abandonou a HQ, o que foi excelente já que ela é muito boa e em pouco tempo conseguimos travar uma sinergia boa onde ela entendia bem o que eu buscava nas cenas e muitas vezes acrescentava algo mais”. Já as cores ficaram a cargo de quatro coloristas talentosos: Natalia Marques, Fabi Marques, Brendda Maria e Rod Fernandes. “Todos somaram positivamente à HQ”, diz.

Uma narrativa, muitos pontos de vista

A tal exposição de artes, no caso, era sobre os sete pecados capitais – e isso é obviamente muito importante para a trama. “Todos os protagonistas são acometidos por um dos sete pecados, mas não da forma como estamos acostumados a ver. No caso deles, os pecados são apenas sintomas de traumas ou problemas mais profundos que descobrimos ao longo de suas histórias”.

Os protagonistas, no caso, são o preguiçoso James, o vaidoso Marvin, o ganancioso Bruce, o libidinoso Rock e finalmente, nesta quinta e última edição, conheceremos o invejoso Albert Castle. Um veterano de guerra que trabalha para a máfia como matador, sujeito frio com trejeitos peculiares e o constante desejo por aquilo que não lhe pertence.

“A polícia ainda não sabe o que se deu naquela fatídica noite, mas os leitores vão descobrir porque em cada capítulo acompanharão uma das pessoas presentes”, conta Carlos. “Dessa forma poderão montar o quebra-cabeças do mistério com os diferentes pontos de vista, cada um deles narrando a história daquele personagem”.

A decisão de tratar a história sob diferentes pontos de vista foi inspirada em uma HQ de Kieron Gillen chamada “The Singles Club”, parte do universo Phonogram que ele criou na Image Comics. “Eu tinha gostado muito de como ele trabalhou esse quebra-cabeças, mas a história dele mostra apenas um grupo de pessoas em uma boate, sem grandes revelações”. Ele reflete que, nesse sentido, a obra se aproxima mais do filme “Ponto de Vista” (Vantage Point, de 2008), com Dennis Quaid, Matthew Fox e Forest Whitaker. “Tudo isso se deu em 2016, quando escrevi todo o roteiro de cabo a rabo. Não teria como ser diferente, já que os personagens se cruzam muitas vezes e interferem nas histórias uns dos outros”.

O quadrinista precisou montar um cronograma dos passos de cada personagem ao longo da história para identificar quando eles apareceriam nas histórias alheias, de forma a incluir esses detalhes no roteiro. “Após ter escrito tudo, levei dois anos até encontrar a Sueli e ela aceitar trabalhar na HQ, o que começou a fazer no início de 2019”, explica. “Não mudei quase nada na história desde então, apenas um detalhe ou outro de diálogo ou de alguma cena”. E ele reforça: “Sim, estou há 7 anos esperando para poder conversar com as pessoas sobre os mistérios da Monstrum”.

Levando Monstrum para o mundo

Cada uma das cinco edições de Monstrum foi lançada individualmente via financiamento coletivo, tudo conduzido no melhor esquema “faça você mesmo” pelo próprio Carlos. Mas ele não chegou a pensar em lançar do modo “tradicional” mesmo, em banco de jornal ou livraria? “Quem me dera eu pudesse escolher a respeito disso”, diz, resignado. “Mas infelizmente a distribuição em bancas de jornais é território apenas de grandes editoras com títulos muito famosos. Essas editoras não têm interesse algum em publicar títulos de autores nacionais”.

Ele torce para que editoras como a Guará e a Ultimato do Bacon cresçam e mostrem para as demais que vale sim a pena investir em talentos locais. “Até lá, tanto nós independentes quanto editoras pequenas dependemos do financiamento coletivo para ajudar a abater os gastos e dar um gás na venda inicial”.

Por enquanto, ele vai usando a força do Catarse, defendendo que é um modelo que funciona – se for bem planejado. “Antes da Monstrum, eu já tinha lançado a minha HQ UNAY dessa forma, então já sabia o que esperar. A cada campanha, testo algumas coisas novas para ver o que pode melhorar”, conta. “Nós autores estamos sempre trocando figurinha a respeito das plataformas e formas de financiar nossas obras, o que ajuda a minimizar erros”.

De alguma forma, portanto, “Monstrum” foi construindo sua base de fãs, trazendo bons retornos dos leitores desde o início. “Boas críticas, com muitos ficando realmente curiosos quanto ao final. Muitos canais e sites fizeram comentários elogiosos a respeito da HQ, que chegou a atrair a atenção de algumas pessoas que até então ignoravam meu trabalho”.

No fim, embora a obra tenha tido 4 indicações a prêmios, o que é de fato um bom feedback, Carlos gosta mesmo de medir o sucesso ao acompanhar os leitores fiéis que vêm apoiando e seguindo a “Monstrum” desde o início. “Esse público que conseguimos cativar é o que temos de mais precioso. Estou ansioso para saber o que acharam, assim como os novos leitores que aguardaram para adquirir toda a série só agora no lançamento da Monstrum 5”.

Mas sempre vamos falar de próximos passos…

O autor diz que a “Monstrum” pode sim ganhar uma versão encadernada futuramente, mas antes é preciso esgotar os exemplares soltos. “Contudo, para quem quer ter a Monstrum decorando sua estante eu criei uma caixa onde todos os cinco capítulos podem ser guardados. Essa caixa foi parte das recompensas da última campanha e ainda está na gráfica. Assim que ficar pronta eu mandarei para os apoiadores e também estará disponível em eventos”.

A próxima publicação de Carlos se chama “Tupiniquins – Mato Virgem”, uma aventura fantástica envolvendo personagens da nossa literatura, como Emília, Policarpo Quaresma, Peri, Martim e Macunaíma. “Eles acabam entrando em conflito com a Intempol, a agência de controle sobre o tempo e espaço que é um universo de ficção científica brasileiro criado pelo Octávio Aragão”. Essa HQ está sendo desenhada pela Michele Nunes e colorida pelo Rod Fernandes, com previsão de publicação ainda no primeiro semestre do ano que vem.

“Fora isso estou trabalhando em uma série derivada da minha HQ Camaelitas (basicamente, ‘E se mutantes surgissem na Idade Média?’), mas que ainda vai demorar mais para sair. Também estou criando uma coletânea que, se tudo der certo, sairá ainda no ano que vem. Tenho outras histórias no forno que não têm prazo para serem concluídas”.

Saindo do mundo das publicações (mas nem tanto), ele ainda está ministrando um curso de escrita e criação de histórias para quadrinhos no COART da UERJ. “Esse curso está disponível online também para quem quiser desvendar a criação de histórias ou aperfeiçoar sua escrita”.

Pra quem ficou interessado em ler um pouco do trabalho do Carlos, dá para adquirir algumas edições neste link da Amazon e ainda ajudar a gente aqui do Gibizilla.

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