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Ao vivo, a missa do Ghost se transforma em espetáculo pop

Acompanhamos o retorno do projeto capitaneado por Tobias Forge ao Brasil e o que vimos foi uma entrega da mais pura e simples diversão, entre refrões fáceis, riffs nervosos e performances teatrais


Por THIAGO CARDIM

Uma coisa é fato: a compreensão por trás do conceito de uma banda como o Ghost só pode ser considerada completa quando você acompanha um show dos caras. Tá bom, você ouve os discos, presta atenção nas letras, assiste aos clipes, vê as entrevistas do vocalista e compositor… Tudo isso ajuda a enxergar o todo do plano. Mas estar de frente com o sueco Tobias Forge ali, no palco, devidamente paramentado, faz as coisas ficam BEM mais claras. Foi exatamente o que aconteceu com o Gibizilla na última quinta-feira, quando comparecemos à segunda apresentação do Ghost em São Paulo, em um Espaço Unimed lotado e com ingressos esgotados.

Quando Tobias assume a persona do Papa Emeritus IV, a nova alcunha do Cardinal Copia, ele real se TRANSFORMA. Isso é parte fundamental de um show que, a cada fase da banda, passa a ter um tantinho a menos de missa satânica, como nos primórdios, e muito mais de teatro bizarro de variedades. De longe, o personagem mais interessante da história macro criada ao redor do Ghost até o momento, este novo papa tem um quê de sacana, que é uma delícia de acompanhar a cada canção que ele interpreta. Os olhares, os movimentos com as mãos, as dancinhas meio tortas, as interações com a banda, tudo é deliberadamente canastrão. Copia é, como falei na resenha do recente disco “Impera”, alguém que quer todos os holofotes para si. Ele cutuca o guitarrista quando está se demorando demais nos solos, desdenha de seus predecessores, e incorpora uma adorável mistura de televangelista e cantor brega, que parece sempre orgulhoso a cada uma de suas trocas de figurinos, todos brilhantes e fulgurosos.

Fiquei muito esperando ele jogar rosas pra quem estava na gargarejo, juro.

Ainda assim, mesmo na base da canalhice declarada, Tobias-Papa transborda carisma e sabe como comandar a festa. Exalta a plateia e igualmente a banda de abertura, arrisca falar em português, agradece aos trabalhadores da casa de shows e, mesmo quando tem que dizer NÃO para o público, o faz de forma gentil, delicada e, ainda assim, sem sair do personagem. Foi desta forma que ele conseguiu, depois dos pedidos insistentes, dizer que “Twenties”, música do álbum mais recente inspirada em ritmos brasileiros, não seria executada naquela noite – e, da mesma forma, ser intensamente aplaudido pelo público. Ficou de promessa pra próxima passagem por aqui.

Promessa feita para um público que, apesar das muitas camisas pretas, das maquiagens e fantasias demoníacas, estava na real bem mais próximo daquele que acompanha com fervor a sua diva pop ou banda de k-pop favorita do que o metaleiro padrão que tanto conhecemos. E isso está longe de ser um demérito (quem escreve, no caso, é um fã da banda, aliás).

Tá bom, eu explico…

Apesar de Tobias Forge ser nas raízes um egresso do death metal mais underground, o Ghost vem, disco a disco, se aproximando de uma abordagem mais pop, o que obviamente faz com que muito headbanger tradicional torça o nariz. Se “Opus Eponymous” (2010) dialogava bem mais com um Blue Öyster Cult ou Pentagram da vida, à medida que fomos nos aproximando de “Prequelle” (2018), por exemplo, a sonoridade da banda ganhou contornos mais farofa, mais AOR. Tem tecladinho anos 1980 aqui, um flerte dançante anos 1990 acolá… E só aumenta. Tanto é que, entre a banda de abertura e a longa introdução com música sacra até que as cortinas se abrissem, o DJ da casa acertadamente brincou com referências variando entre Alice in Chains e a-ha (com direito a um coro de pessoas se esforçando ao máximo para alcançar o agudo do refrão, quase como num enorme karaokê coletivo).

Ao se tornar cada vez mais pop, o Ghost ampliou o seu leque de seguidores, indo para além do bate-cabeça tradicional e abarcando uma galera ainda menos tiozão, entre adolescentes de 15 e jovens de no máximo 25 anos. E um público bem mais feminino, inclusive. Gente que chegou cedo pra garantir lugar na frente, que combinou encontros na fila, que distribuiu presentinhos feitos em casa para outros fãs, que usava camisetas do Ghost com unicórnios ou emulando o símbolo da Barbie, que queriam combinar ações divertidas com cartazes para chamar atenção do vocalista – e que foram até recepcionar o músico no aeroporto em sua chegada no Brasil. É um tipo de relação completamente diferente com as bandas, o que cria de fato um FANDOM em torno da história dos muitos Papas Emeritus. Um fandom que se entende como uma grande família.

Isso ficou evidente até no show, com gente ao nosso redor que inclusive nem conhecia as brasileiras da Crypta, cuja sonoridade é de fato mais áspera e brutal que a do próprio Ghost. Mas a escolha da banda de Fernanda Lira, justamente para a apresentação que abre a turnê do novo álbum “Shades of Sorrow”, foi igualmente acertada – porque o death metal que o quarteto faz é, apesar de pesado, completamente acessível, mesmo para quem não é muito fã de metal mais extremo. A vocalista e baixista, aliás, é igualmente performática, comunicativa e carismática, o que criou uma conexão imediata que fez com que elas fossem, com justiça, ovacionadas, principalmente porque problemas envolvendo a chegada do equipamento do Ghost tenham impedido que elas fizessem a abertura na noite anterior.

Abrem-se as cortinas, os artistas entram em cena…

A lógica, no entanto, se seguiu assim que o Ghost surgiu no palco. Desde a abertura com o combo “Kaisarion” e “Rats”, já ficou claro que este era um Ghost de olho no futuro. Na construção do seu próprio futuro, para ser mais honesto. Com uma banda afiadíssima, o quarto Papa comandou um espetáculo para cantar junto e, indo além, um espetáculo para DANÇAR junto. Mesmo quando o Ghost fez questão de revisitar seu passado, com canções antigas e mais pesadas como “Ritual” e “Con Clavi Con Dio” (esta aqui, aparentemente inesperada para muita gente, o que foi uma surpresa bem interessante), a pegada mais forte fazia sentido dentro do contexto geral da apresentação. Tinha gente pirando no air guitar, balançando os longos cabelos, mas sem perder o remelexo e a devoção ao refrão.

É um show para os quadris.

Aliás, um parêntese aqui: já que falei sobre a banda, embora sejam todos mascarados sem identificação e que acabam transferindo todo o destaque para o vocalista, vê-los ao vivo tem um sabor todo especial. São, de fato, todos muitíssimo competentes, mas é mais do que isso. Todos também entram na pegada teatral – e as novas máscaras, meio insetóides, com seus olhos enormes, fazem com que eles consigam ser ainda mais expressivos, mesmo sem mostrar o rosto. Eles interagem entre eles e com o cantor, fazem graça, rebolam, se provocam. A pessoa por trás dos teclados, aliás, brilha lindamente, não apenas porque o instrumento se tornou parte fundamental para a sonoridade da banda, mas também porque o comandante das teclas tem toda uma abordagem dramática na movimentação e afins. Sensacional. O tecladinho sacana de “Spillways” faz toda a diferença ao vivo, por exemplo.

É claro que Tobias Forge tá longe de ser burro e, portanto, capitalizou BEM as presenças das hypadas “Year Zero” (aquela da vinheta “Belial – Behemoth – Belzebu”, que se tornou áudio onipresente em vídeos de pinschers nos Reels) e “Mary on a Cross” (sucesso absoluto no TikTok). Mas foi interessante ver que faixas como a belíssima “Cirice” e a balada “He Is” causaram ainda mais impacto na audiência, com reações entusiasmadas e a letra berrada a plenos pulmões, do que aquelas que impulsionaram o Ghost recentemente nas redes sociais. E são, não por coincidência, os momentos em que o Papa Emeritus explora justamente a sua faceta ainda mais espalhafatosa, pomposa, afetada.

Antes do fim da etapa regulamentar, com o público obviamente já nas mãos, Tobias se deu ao luxo de sair de cena na instrumental “Miasma”, deixando a turma da banda brilhar e ainda trazendo ninguém menos do que o Papa Nihil, o papa original, que se levanta de seu túmulo para fazer um solo de saxofone e depois volta para o mundo dos mortos. A turma, obviamente, foi à loucura com a participação especial.

Se eu tenho, digamos, algum tipo de ressalva com o setlist do show, talvez seja a escolha de “Respite on the Spitalfields” para encerrar a apresentação, antes do já óbvio e protocolar momento do bis. É uma música boa, bonitinha, carrega a mensagem adequada para complementar o discurso de Tobias sobre aceitar o fim (com as devidas referências sexuais sobre orgasmos). Mas acho, de verdade, que falta a ela um tantinho de PUNCH. Para encerrar de maneira maníaca, grandiloquente, tal qual a personalidade deste Papa atual. Em um repertório repleto de hits, talvez houvesse outras escolhas mais adequadas.

De qualquer maneira, no bis, aquela prorrogação de sempre, o Ghost deu um show à parte e atacou com suas armas mais potentes, pra sair em altíssimo nível: a sessentista “Kiss the Go-Goat”, a balançante “Dance Macabre” e, obviamente, o sucesso absoluto de “Square Hammer”, que aí sim foi o clímax mais do que adequado para encerrar esta festança.

Tá aí, aliás, a melhor palavra para definir este show do Ghost. Uma grande e efusiva FESTA.

Obrigado pela noite deliciosa, seu Tobias. E volte sempre.


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