Titãs e o show que até parece uma festa
Estivemos no terceiro show da turnê Encontro em São Paulo, reunindo a formação clássica da banda, e fomos inundados por um vagalhão de hits para dançar, emocionar, berrar e bater cabeça (dinossauro ou não)
Por THIAGO CARDIM
(Fotos: Marcos Hermes)
Uma coisa é fato: o Titãs sempre foi, disparado, a minha banda favorita do chamado rock BR. Confesso que eu gostava muito deles e também de uma outra aí, meio ultrajante, mas por estes últimos fui perdendo o interesse à medida que os anos passavam… e com tudo que aconteceu com o vocalista, bom, não tinha como manter no radar MESMO. Com os Titãs, no entanto, sempre foi diferente. Eu curtia os discos novos, curtia os trampos solo dos seus integrantes, curtia inclusive as versões cada vez mais enxutas do grupo, que nos últimos anos virou um trio.
E vou dizer, aliás, que acho que eles nunca tiveram o devido reconhecimento por aqui.
Calma que eu explico: sim, sim, eu sei que os Titãs sempre foram uma banda mainstream, abraçada pelas rádios, pelos programas de TV, paradas de sucesso, aquela coisa. Mas o que quero dizer é que esta faceta do flerte com o pop fez com que aqueles que gostam de rock de uma maneira mais ampla, os punks, os metaleiros, os góticos, a porra toda, pensassem nos Titãs como algo quase como, sei lá, a Xuxa. O que é um olhar bastante injusto. Apesar de todos os seus muitos flertes com diferentes gêneros, apesar do programa do Chacrinha e do Bolinha, eles sempre fizeram um ótimo rock, simples assim, que nunca perdeu atitude e continuou cada vez mais cheio de facetas.
Grande parte destas facetas, aliás, ficaram muito evidentes na chamada turnê de Encontro dos Titãs, “Todos ao Mesmo Tempo Agora”, que reúne a formação clássica da banda. O Gibizilla esteve em um dos shows desta série, na terceira apresentação realizada no Allianz Parque, na cidade de São Paulo – justamente, aliás, no bairro da Pompeia, que tem considerável importância na história do grupo. À exceção do baterista Charles Gavin e do guitarrista Tony Belloto, todos os integrantes iam se alternando nos vocais, cobrindo faixas das mais diferentes fases da banda.
Teve espaço para eles colocarem o público para dançar, em especial nas canções em que o baixo de Nando Reis e o saxofone comandado por Paulo Miklos oferecem pitadas de reggae e ska. Teve espaço para eles esbanjarem doçura, com destaque pra um set dedicado a um de seus maiores sucessos comerciais, o Acústico MTV, que contou com a voz delicada de Alice Fromer – filha do falecido guitarrista do grupo, Marcelo Fromer. E teve espaço para berrar a plenos pulmões e soltar o pogo punk com as canções mais pesadas, ácidas e políticas dos caras.
No fim, os Titãs lotaram o estádio do Palmeiras sem deixar nada a dever pra quaisquer outras bandas internacionais que andam aportando por aqui, entregando um espetáculo igualmente bem-produzido, com uma estrutura de palco lindíssima, usando e abusando de luzes e cores que ressaltavam a personalidade de cada canção. E que personalidade, é preciso dizer.
A banda de abertura deu o tom… do público
Por volta das 19h, quem teve a missão de abrir os trabalhos foram os caras do Sioux 66 – que vêm fazendo um hard rock potente e bem competente desde 2011. A tal missão, no fim, talvez tenha sido um tanto injusta e ingrata, porque o grupo é realmente bom, mas assim que os desavisados descobriram que a formação traz Bento Mello, filho de Branco Mello, no baixo, e Yohan Kisser, filho de Andreas Kisser (Sepultura) na guitarra, ficou um gosto estranho no ar. Só que eles têm muito mais a entregar do que apenas a pecha de “grupo de nepobabies”, na real.
Mais do que isso, foram bastante corajosos ao trazer um repertório que, apesar de curto, foi quase que inteiramente autoral, com algumas canções em português no começo e outras em inglês – que ganharam ainda mais uma tonalidade Mötley Crüe, em especial pela performance do vocalista Igor Godoi. E nesta sonoridade, aliás, ficou claro o perfil do público que estava ali pelos Titãs. Apesar das dancinhas e dos chifrinhos com as mãos jogados ao ar, a imensa maioria de fãs entre 30 e 40 anos de idade, muitos deles acompanhados por filhotes mais jovens aos quais apresentariam a banda de sua adolescência, não compraram lá muito a ideia do Sioux. De fato, os moleques – que nem são mais tão moleques assim, haha – mereciam bem mais. Nem a versão mais espinhosa e suja de “O Calibre”, dos Paralamas do Sucesso, tirou a recepção do modo “morno”.
Cerca de 40 minutos depois, quando o tic-tac característico anunciou, os Titãs subiram um a um ao palco e já abriram com força total, entregando um belo combo de “Diversão” (não por acaso, a canção da frase que se tornou sinônimo do grupo nos últimos anos, A Vida Até Parece uma Festa), “Lugar Nenhum” e “Desordem”. Pronto. A galera estava mais do que ganha. Só que a vitória ganhou outros contornos quando Branco Mello tomou o microfone principal para “Tô Cansado”. Curado de um tumor na laringe, que o levou a uma operação agressiva, o músico estava visivelmente rouco, sem voz, mas não se intimidou e levou a canção adiante sem perder nada de sua força. Celebrando sua recuperação, ele fez uma declaração de amor aos amigos de grupo, no primeiro dos muitos momentos de intimidade e carinho entre eles que se puderam ver ao longo da apresentação.
“Não mistura política com a música”, coisa e tal, tal e coisa
Um momento bastante curioso se deu quando Nando Reis – de longe, o maior destaque da banda ao longo das mais de 2h de show – começou a cantar “Igreja”, mais uma das muitas faixas do clássico álbum “Cabeça Dinossauro” (aquele que, aliás, teve maior parte das músicas representadas no setlist). O público pegou fogo na porradaria da canção, incluindo este que vos escreve. Ao nosso lado, na pista, estava um senhor com a esposa e a filha adolescente. E deu pra ver a cara de indignação do sujeito, de olhos arregalados, ao me ouvir berrar “eu não gosto de bispo, eu não gosto de Cristo, eu não digo amém”. Ao emendar “Homem Primata” e “Estado Violência” (minha canção favorita dos Titãs, aliás), o moço pareceu ainda mais incomodado e, ao cochichar com a esposa, mudou de lugar.
Não bastassem letras como as de “Polícia”, “Comida”, “Porrada” e “Miséria” (uma pequena pérola surpresa no setlist, guardada pra abrir o bis), com mensagens claríssimas que só não entende quem não quer, os Titãs deixaram seu posicionamento político ainda mais claro, mais uma vez sob a voz de Nando Reis. Antes de “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, ele fez um pequeno discurso sobre o quanto estas canções ainda soam atuais, principalmente depois do “quadro aterrador nos últimos quatro anos que faz com que esse reencontro tenha também conexão com o momento onde escrevemos aquelas canções”.
Algumas expressões de descontentamento, uma ou outra tentativa de vaia, mas no geral, aplausos e mais aplausos. Logo depois, como vem fazendo ao longo de toda turnê, Nando meteu o nome de Bolsonaro em “Nome aos Bois”, ao lado dos muitos ditadores, sanguinários e fascistas mencionados ao longo da letra, de Pinochet a Hitler, passando por Borba Gato, Plinio Salgado e Erasmo Dias. Mais gritos exaltados de apoio. E a plena certeza de que, em qualquer que seja o lugar do estádio no qual tenha ido parar aquele senhorzinho que estava ao meu lado, ele deveria estar muitíssimo contrariado. Eu gosto.
Titãs pisa no freio e aquece o coração
Depois de uma performance efervescente de “Cabeça Dinossauro”, a banda optou por uns minutinhos de respiro. Rolaram umas exibições de cenas do começo da carreira dos caras, ainda jovenzinhos e cheios de fazer graça, para na sequência posicioná-los sentados no palco, enfileirados como naquela hoje já história gravação do álbum acústico – e, aproveitando os sucessos do disco que os apresentou a toda uma nova geração de fãs, enfileiraram “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus”, todos com participação emocionada do público.
Com Alice Fromer, que é de fato pedagoga e não cantora profissional, rolou uma dobradinha linda com Arnaldo Antunes, na execução de “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”. Além disso, ela trouxe sua voz bastante afinada para ajudar os Titãs em uma homenagem especial, uma versão de “Ovelha Negra”, para a falecida e já saudosa Rita Lee – ícone do rock tão conectada à cidade de São Paulo e ao bairro da Pompeia quanto os próprios Titãs.
E no terceiro ato, pra encerrar…
Antes de iniciar a reta final do show, Tony Belloto foi aos microfones e tratou de apresentar o outro guitarrista que os acompanha na turnê, ninguém menos do que o icônico Liminha. Ex-baixista dos Mutantes, o cara é um dos produtores musicais mais importantes da música brasileira, tendo trabalhos à frente de discos de nomes como Barão Vermelho, Caetano Veloso, Charlie Brown Jr, Chico Science e Nação Zumbi, Cidade Negra, Gilberto Gil, Ira!, Jota Quest, Kid Abelha, Lulu Santos, O Rappa, Skank, Capital Inicial e por aí vai. Currículo extenso, o que o credencia a ser chamado de “Família” pelos Titãs. Naturalmente, aliás, o nome da canção posterior.
Seguiu-se aí então um conjunto de canções cheias de groove, suingadas, como “Go Back”, “É Preciso Saber Viver” e “Flores” – esta última, mais uma vez comandada por um Branco Mello que não teve medo do desafio. Mas, pra encerrar o set regular, claro, a banda pisou mais uma vez no acelerador e chegamos a “AA UU” e “Bichos Escrotos”, com um VÃO SE FODER berrado por gentes de todas as idades apenas porque sim. Catarse coletiva é bem isso.
O bis teve direito a “Marvin”, que me arrancou lágrimas dos olhos por motivos de “pai”, com Nando comandando a plateia e fazendo a turma toda cantar junto, e se encerrou, obviamente, com “Sonífera Ilha” – justamente o primeiro sucesso da carreira dos Titãs, com Paulo Miklos fazendo a festa, visivelmente alternando entre o empolgado e o emocionado.
Aliás, no fim, foi bem assim que esta verdadeira festa travestida de show me deixou. Empolgado e emocionado. Uma celebração da banda e à banda que fez parte da minha história – e, pelo vi, da história de mais de 50 mil pessoas ao meu redor. Se tem UMA COISA que me incomodou, fato, foi não ver pelo menos UMA música de “Titanomaquia” (1993) no setlist. Sei que é um álbum com algo de maldito, tanto pelos fãs quanto pelos críticos, mas eu ADORO.
Mas tudo bem. Não dá pra ter tudo mesmo. 😉