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A minha carta de amor pro Arrowverse

Agora que a série do Flash chegou ao fim e pregou a tampa do caixão do universo compartilhado do CW – sim, sim, eu entendo todas as questões, embora não concorde com todas. E, ainda assim, não poderia me importar menos. 😉

Por THIAGO CARDIM

Enquanto o mundinho dos filmes de hominhos foca suas atenções no eternamente adiado filme do Flash enfim dando as caras nos cinemas, eu não posso deixar de falar de uma OUTRA versão do personagem – afinal, nas últimas semanas, a série de TV do Flash exibiu lá fora o seu episódio final. Depois de acompanhar um seriado, episódio por episódio, ao longo de nove anos, era claro que eu ia assistir e, bom, mesmo se tratando de um último ano tão irregular quanto a coisa vinha sendo ao longo das últimas, sei lá, seis temporadas, ia me emocionar de alguma forma.

E foi bem bonitinho, uma amarração que conversou da melhor forma com a primeira temporada, lá de 2014. Mas, na real, este episódio teve uma importância ainda maior porque foi, de vez, também o encerramento do chamado Arrowverse, o universo compartilhado de séries live-action – e algumas animações – da DC Comics no canal CW. Surgida a partir de Arrow, a adaptação do Arqueiro Verde pras telinhas, a iniciativa integrou Flash e também Legends of Tomorrow, Supergirl, Batwoman e Black Lightning. Apesar de algumas menções cá e acolá, não, nem Stargirl, Doom Patrol, Superman & Lois e nem Titans fizeram parte deste mundinho único.

É curioso o quanto, no fim das contas, o Arrowverse carregou consigo não apenas um séquito de fãs (entre os quais me incluo, já tirando esta questão da frente de vez) mas também uma massa igualmente considerável de odiadores. Mas, diferente do que acontece com muita gente na cultura pop, como pessoas detestando abertamente algo que eu adoro JAMAIS mudou o que eu sinto por filmes, séries, gibis, discos e o pacote completo que trago no coração, eu me tornei meio que um evangelizador do Arrowverse por aí – encarando a missão com bom humor, até.

A verdade é que, graças ao universo de Arrow e cia, eu não apenas assisti episódios memoráveis, que me tiraram gargalhadas e lágrimas (às vezes, tudo junto, até). Mas me deram a chance de escrever textos dos quais me orgulho muito lá no JUDÃO.com.br, de ser convidado para falar sobre as séries em eventos, de ter ido parar na telinha do Warner Channel como parte dos vídeos do chamado Domingo Heroico e redescoberto o quanto eu gosto de estar na frente das câmeras…

Foi, sem exagero, algo que fez parte da minha vida de um jeito bem gostoso ao longo de mais de uma década. Que vai, sem sombra de dúvidas, deixar saudades. Por mais que…

“Ah, meu, estas séries são muito cafonas…”

E são mesmo. Muita gente usa o adjetivo “brega”, também, mas eu, sinceramente, não acho nenhum deles absolutamente depreciativos. Até porque, vamos usar como exemplo aqui, as novelas, sejam elas brasileiras, mexicanas, turcas, tanto faz, são historicamente chamadas de “cafonas” ou “bregas”, porque não são “descoladas” ou “cool” como Sucession, do HBO. Bom, vamos admitir aqui, que SIM, as séries do Arrowverse do CW são verdadeiros novelões, que misturavam superpoderes com dramalhões chorosos típicos de qualquer folhetim. Muito romance, muito triângulo amoroso… E isso nunca me incomodou EM NADA.

“Ah, mas os efeitos especiais são muito ruins”

Olha, sempre achei isso um exagero. Mas, no geral, sim, as séries do CW trabalhavam com fortíssimas restrições orçamentárias. E acho bem complexa a comparação com as séries de heróis da Marvel, por exemplo, que são produzidas pelo MESMO estúdio que faz os filmes, por exemplo. Ou então com séries de uma HBO da vida, que descarrega um caminhão de dinheiro por episódio pra fazer a coisa acontecer. O canal CW é tipo uma TV aberta lá nos EUA, quase como se fosse a Globo ou, para ser mais justo, a Record ou SBT. Vocês se lembram quando a Record, aliás, fez a sua novela de seres superpoderosos? Pois então. Tá, claro, a comparação é exagerada, eu sei. Mas, ainda assim, os raios e trovões funcionavam dentro daquele contexto e tá ótimo. Assim como os uniformes, vá. Uns eram muito legais, outros nem tanto, alguns funcionavam em movimento e outros só nas fotos de divulgação mesmo… e tá tudo bem. Faz parte.

“Ah, mas estas séries seguiam sempre a mesma fórmula”

Eu podia responder usando aquele argumento de que “os filmes da Marvel TAMBÉM seguem uma mesma fórmula”, mas estaria sendo injusto porque, de fato, não acredito nisso – no caso dos filmes da Marvel, pelo menos no que diz respeito a uma parte deles. Então, pera, eu estou dizendo que as séries do CW seguiam uma mesma fórmula MESMO? Eu tô admitindo isso, então? Na verdade, pra ser franco, um pouco sim. Pelo menos, a princípio. O herói principal tinha o seu QG, ia montando o seu grupo de amigos mais próximos, enfrentava lá meio que o monstro da semana na vibe Smallville… Só que, aos poucos, as séries foram ganhando cada uma mais autonomia pra ousar. Fosse em um ou outro episódio, como acontecia com a Supergirl, fosse virando o conceito completamente do avesso como rolou com Legends of Tomorrow – que abraçou a galhofa de tal forma que sabia rir de si mesma e do próprio Arrowverse, na melhor tradição da Liga da Justiça Internacional.

Só que…

Apesar de tudo isso, as séries DC do CW tinham uma coisa que talvez agora, na gestão James Gunn, a DC finalmente reencontre nos cinemas: coração. Aliás, um tipo de coração que, sejamos justos, nem mesmo alguns dos filmes mais recentes da Marvel conseguiram encontrar. A plena compreensão do que é ser um HERÓI. Antes mesmo de termos o atual Superman na TV, que é simplesmente SENSACIONAL, a Supergirl era uma representante muitíssimo mais digna da casa de El do que o coitado do Henry Cavill naquele universo mequetrefe e escondido sob camadas de cinza que o Zack Snyder desenvolveu.

Os heróis do Arrowverse eram heróis de verdade. Apaixonados e apaixonantes. Preocupados, antes de tudo, em salvar vidas. Mas muitíssimo humanos, errando, escorregando, e vivendo vidas intensas por baixo das máscaras. O espírito dos gibis estava muito mais presente ali do que sob orçamentos bilionários nas telonas. Os heróis do Arrowverse eram feitos de luz. Eram fachos de esperança para a humanidade. Eram inspiradores – e a jornada do Oliver Queen, de vigilante a super-herói, de Capuz a Arqueiro Verde, é exemplo claríssimo disso, goste você ou não deste “Batman de arco e flecha”, como muita gente dizia.

E os encontros dos personagens, uau, eram uma delícia de ver. A gente sabe que, nos bastidores, coordenar estes crossovers – em especial os maiores, aqueles anuais, que integravam todas as séries – era um verdadeiro pesadelo logístico pros produtores envolvidos. Mas a gente via os personagens de fato criando laços entre eles e não apenas trocando sopapos e virando amiguinhos brevemente depois pra derrotar o vilão da vez.

Tinha sorrisos, piadas, piração, tiração de sarro, fofoca, gente cantando. Tinha os heróis sendo gente de verdade com os outros heróis e eventuais coadjuvantes.

Além disso, uma coisa deliciosa nestas séries era ver a diversidade sendo aplicada pra valer. Os elencos eram recheados de mulheres, pessoas negras, latinos, LGBTQIAPN+, todos fazendo parte dos elencos principais, com protagonismo e destaque, com histórias profundas, sem forçar a barra para “cumprir uma cota”. Eles estavam lá e pronto. Simples assim.

Aliás, a coisa do “estas séries seguiam a mesma fórmula” simplesmente sumia do mapa quando o assunto era abordar preconceito. Em diferentes episódios das mais diferentes séries, homofobia e racismo foram tratados de maneira sublime, com delicadeza mas sem deixar de falar a real, de meter o dedo na ferida, de incomodar, de provocar. Estar na TV, falando com um público menor e sem a necessidade de agradar a massa pretendida por um bando de engravatados que acendem charuto com dólar fazia com que o Arrowverse, vez por outra, se dispusesse a falar sobre assuntos mais espinhosos sem receio de arrancar o band-aid.

No fim, a sensação que o Arrowverse, enquanto universo ficcional, sempre me deixou foi a de um ambiente acolhedor, quentinho, uma família na qual sempre cabia mais um.

E se você não gosta… bom, paciência, fica aí no seu canto com a sua opinião porque, cá entre nós, belos 10 anos depois, ela continua não me importando rigorosamente nada. 😉

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