Triângulo da Tristeza e o riso tragicômico sobre a vida dos ricos e famosos
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes traz um amargo retrato das relações de poder em uma crítica feroz e bizarra sobre nossos tempos
Por GABRIELA FRANCO
(publicado originalmente no site IGORMIRANDA.COM.BR)
Sabemos que, em tempos de superexposição de informações nas redes sociais, esta é uma tarefa inglória. Mas, se puder, assista a “Triângulo da Tristeza”, longa vencedor do maior prêmio do último Festival internacional de Cannes e dirigido pelo sueco Ruben Östlund, sem ter lido absolutamente NADA sobre o filme. Nem uma breve sinopse. Se bobear, inclusive nem esta crítica, que não contém spoilers.
A surpresa e o deleite serão infinitamente maiores na hora de curtir um dos maiores azarões da corrida pelo Oscar este ano.
(Mas como você clicou aqui, faça o favor de ler o texto até o final, hahahaha)
Isto posto, “Triângulo da Tristeza” começa com uma seleção de modelos para uma marca supostamente high fashion e já nos arranca gargalhadas por conta de toda a afetação característica destes círculos de ultra-ricos e influenciadores completamente descolados da realidade, chegando a ser, quem diria, cafonas. O tom do que vem a seguir está dado.
Logo depois, passamos por um diálogo problemático de um casal e que aborda diversas camadas de interações sociais, misoginia, manipulação e relações de micropoder. Tudo com o objetivo de causar incômodo no espectador. Quem conhece os trabalhos anteriores de Östlund, como “The Square: A Arte da Discórdia” (2017) e “Força Maior” (2014) saca bem qualé o estilo provocativo do sujeito.
A partir daí o filme segue essa tônica mas numa versão tragicômica, criando uma mistura incrível do diretor Pier Paolo Pasolini (procure por “O Decameron”, de 1971) com William Golding (autor do clássico “O Senhor das Moscas”) na forma de uma crítica mordaz à nossa sociedade regida por status e busca por likes.
Medalha de ouro no campeonato mundial de reviravoltas
A história começa de fato acompanhando os jovens modelos Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean), que estão navegando pelo mundo fashionista enquanto tentam se tornar influencers, clique aqui, clique ali. Eles ganham passagens para viajar num cruzeiro de luxo, tentando parecer ainda mais descolados em meio a um grupo bastante peculiar de milionários (fique de olho no núcleo dos russos).
O staff do cruzeiro está super comprometido em satisfazer a todos fetiches dos ricos, mas o mesmo não se pode dizer do capitão do iate, um americano alcoólatra admirador de Karl Marx (vivido por Woody Harrelson).
Como já imaginávamos, faz-se a tempestade perfeita, não só em termos sociais mas meteorológicos: numa noite de forte tormenta (em uma das cenas mais nojentas e ao mesmo tempo satisfatórias dos últimos anos), o filme nos entrega mais uma de suas muitas reviravoltas, jogando a nata da elite vai se comportar em condições absolutamente insalubres.
Dizer mais do que isso seria estragar a experiência, que usa e abusa de pequenos e imensos plot twists, trazendo uma sensação de absoluto inesperado a cada esquina para o espectador.
Embora seja o grande nome hollywoodiano da jogada, Harrelson (visto pela última vez no questionável “Venom: Tempo de Carnificina”, de 2021) faz uma aparição relâmpago, apesar da presença de destaque no pôster. Sua ponta, no entanto, é crucial. A cena em que trava um diálogo sobre comunismo com um milionário russo, com microfone aberto na cabine de comando enquanto a embarcação afunda, já pode ser considerada uma das sequências mais emblemáticas do cinema.
O restante do elenco é, em grande maioria, desconhecido do grande público. Harri Dickinson faz o bisneto do magnata do petróleo John Paul Getty na série “Trust”, de 2018, e a modelo Charlbi Dean estava despontando para o estrelato quando infelizmente morreu em agosto de 2022, vítima de um mal-súbito. Ela havia participado do longa sul-africano “Spud”, sobre a libertação de Nelson Mandela, e também foi uma vilã na série Raio Negro, baseada no personagem da DC Comics. Este longa poderia ter sido o seu grande trampolim.
Importante manter os olhos bem atentos para a atriz filipina Dolly De Leon. Ela passa meio despercebida ao longo de mais da metade do filme, até que… Só vendo pra crer.
No fim, o grande trunfo de “Triângulo da Tristeza” é, tal qual acontece com o recente “Glass Onion”, servir um prato cheio de ironias e sacanagens com o pedantismo dos milionários e bilionários que tripudiam da gente todos os dias, sem parar (olha o seu extrato bancário e você vai entender).
Pelo menos no cinema, a vingança tá mais do que garantida.