Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania acaba sendo dois filmes em um só… infelizmente
Terceiro filme da franquia do Homem-Formiga, mais um ao lado da Vespa, Quantumania é até divertido – mas talvez um pouco megalomaníaco demais da conta, especialmente considerando os protagonistas
Por THIAGO CARDIM
Quando, lá em 2015, a Marvel inventou esta onda de lançar um filme do Homem-Formiga, e estrelado justamente pelo substituto do personagem original dos quadrinhos, muita gente (incluindo eu) duvidou da efetividade do projeto. Mas apostando todas as suas fichas no carisma do Paul Rudd, eis que a Casa das Ideias acertou com um filme de assalto divertido e despretensioso (na mesma vibe do primeiro Guardiões da Galáxia, leia-se). Já o segundo, com a inclusão da Vespa em plena ação super-heróica, é de fato um pouco maior e mais bagunçado, mas até que funciona bem. Só que, nesta progressão geométrica, somos apresentados ao TERCEIRO filme. E em Quantumania, a porca torce o rabo.
Não que Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania seja ruim, veja. Longe disso. Mas o cheiro que senti quando descobri que o vilão da trama seria o Kang, justamente aquele que promete ser o grande antagonista deste novo arco de histórias da Marvel no cinema, fica cada vez mais forte conforme o filme avança. Aquela sensação de que o grande conquistador temporal é um inimigo grande demais pro Homem-Formiga e que o escopo da história é muito maior do que se esperaria dele. No terceiro filme do herói, digamos que tudo acabou ficando exageradamente ambicioso e megalomaníaco, criando uma história confusa, com muitos elementos ao mesmo tempo e na qual o carisma de Paul Rudd – e de toda a família de coadjuvantes ao seu redor, leia-se – já não é mais a principal arma.
Não que o Homem-Formiga, coitado, não tenha o direito de encarar um malvadão do porte do Thanos, por exemplo. Mas a grande graça de suas histórias nos cinemas até o momento era justamente o elemento mais cômico, gracioso, familiar. E, tal qual acontece com o esquecível segundo filme do Doutor Estranho, acaba que temos uma película que serve menos a si mesma, enquanto trama com começo-meio-fim, e mais aos mirabolantes planos de Kevin Feige para o futuro. Como bem disse Isabela Boscov, dá pra continuar escutando as engrenagens da Marvel rodando no fundo de cada cena. Mas, ao contrário do filme de Sam Raimi, o resultado, apesar de rocambolesco, pelo menos não é tão catastrófico assim.
Isso aí é Star Wars? Ou é Duna?
A treta com Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania é que estamos claramente falando de dois filmes em um. No começo, a coisa toda girando em torno do núcleo Lang-Pym-Van Dyne, com o Homem-Formiga fazendo uso de sua fama como Vingador que ajudou a salvar o mundo para se promover enquanto escritor best-seller. O romance com Hope (Evangeline Lilly, muito mais apagada do que na aventura anterior), a conexão com o mentor Hank (Michael Douglas) e seus ares de avô – e, principalmente, uma nova dinâmica com a filhota Cassie (Kathryn Newton, maravilhosa). A jovem adolescente, metida a social justice warrior e envolvida em protestos para defender populações vulneráveis, meio que já está prontinha pra ser uma futura super-heroína, o que torna certas decisões narrativas um tanto fáceis demais…
De qualquer maneira, este pedaço inicial do filme, que um pouco se mistura com o OUTRO ao longo da trama, é doce, cheio de piadocas, focado antes de tudo no aspecto mais humano por trás dos uniformes e máscaras – e devo dizer que eu, honestamente, estava mais disposto a ver ESTE filme. Mas quando começamos a descobrir que as três décadas que Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer, absolutamente lindíssima) passou no Reino Quântico são repletas de segredos nunca revelados, eis que somos apresentados a um OUTRO filme.
Assim que a família é sugada pra esta dimensão, somos jogados numa trama de cores épicas, repleta de seres alienígenas esquisitos, imersos em rebeliões contra regimes ditatoriais (com a participação de formigas comunistas e tudo!) – o que lembra um tanto de Star Wars em certos cantos, e faz referência ao visual desértico de Duna em outros. Aí a história fica triste, dolorida, obscura, sofrida até, de forma que as poucas piadas que restam acabam parecendo deslocadas e mais se tornam incômodas do que aquela coisa que realmente dá uma aquecida no coração.
Nem o coitado do Paul Rudd resiste a este clima sombrio. Aí não há carisma que aguente.
E, sim, tem o vilão
Poisé, a história da Janet está intrinsecamente ligada à do Kang, novamente interpretado por Jonathan Majors, tal qual na série do Loki. E, exatamente como na série do irmãozinho do Loki, é bom que se diga, estamos diante de apenas uma versão do Kang. De muitas e muitas que existem espalhadas pelo multiverso e em diferentes linhas temporais. Por conta da Vespa original, sem dar lá muitos spoilers, Kang assume seu papel de CONQUISTADOR, ainda que de alguma forma igualmente preso às amarras do reino quântico.
E aqui, vale reforçar, está o grande acerto deste filme. Não na trama que envolve o Kang. Mas sim no Kang EM SI. Ah, legal, temos lá uma participação especial do Bill Murray, em um papel genérico e tratada de maneira completamente descartável. E sim, temos a presença do cultuado M.O.D.O.K., o gigantesco cabeção flutuante, a arma definitiva, um dos personagens B que os fãs da Marvel nos gibis mais curtem. Sim, ele é de fato muito engraçado (mais até do que letal) e, além de uma CERTA surpresa a seu respeito, é muito bacana ver que ele é retratado com a mesma dose de ridículo que nas HQs, o que de fato é uma boa notícia.
Só que esquece tudo isso. E foca no Kang. Até porque este filme parece existir APENAS para ele. Vide as duas cenas pós-créditos, aliás. É Kang, Kang, Kang.
Se ele tinha dado uma palhinha do que esperar lá na série do Loki, aqui Jonathan Majors REALMENTE mostra a que veio. Não estamos diante de um enorme monstro roxo de queixo esquisito criado em CGI. Tá legal, Josh Brolin ajudou a dar corpo e personalidade ao Thanos, mas a parada aqui é OUTRA. O Kang de Majors está um nível acima. Porque estamos justamente falando de um dos melhores e mais versáteis atores de sua geração.
Quando em cena, Majors consegue te fazer sentir pena para, no minuto seguinte, morrer de ódio de sua maldita indiferença e, na sequência, tremer de medo de seu olhar cheio de fúria. Ele simplesmente DEVORA qualquer ator com o qual contracene em Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Não sobra pra ninguém. E dá pra perceber que ele tá se divertindo horrores ao interpretar diferentes tipos de Kang, tendo a chance de ser assustador, delicado ou simplesmente bobalhão – às vezes, EM UM MESMO FILME. É sim um vilão de filme de hominho, é sim um vilão que por vezes beira o farsesco ou canastrão. Tanto faz. Dá gosto de ver o cara dando show.
No fim, Kang é o vilão certo no filme errado. E enfrentando os protagonistas ainda mais equivocados – porque, nem de longe, você consegue acreditar que Homem-Formiga, Vespa, Estatura (codinome da filha do Homem-Formiga nos gibis) e quaisquer outros coadjuvantes, da líder bárbara ao grandalhão com uma bazuca laser no lugar da casa, teriam chance ao sair na mão com ele. Não convence. E isso chega, em certo ponto, especialmente na confusa sequência final de combate, a incomodar.
De qualquer maneira, o pontapé inicial pra nova jornada do MCU tá dado. Ainda que o chute tenha sido meio torto e em um gramado todo esburacado.