Moonage Daydream faz apanhado catártico da carreira de Bowie
Ele não ganhou a alcunha de “camaleão do rock” à toa: Moonage Daydream, documentário sobre a vida e obra de David Bowie, chega aos cinemas e explora a mente fascinante de um dos artistas mais brilhantes do século XX
Por GABRIELA FRANCO
Quantas vezes você não ficou tão fascinado por uma obra artística, fosse uma pintura, um filme, uma escultura, performance, dança, música, que pensou: “Eu queria saber o que se passou pela cabeça do artista para criar isso”. Pois é exatamente o que o diretor Brett Morgen, que tem no currículo ótimos documentários como Jane: a Mãe dos Chimpanzés (2017), sobre a primatologista Jane Goodall; o tocante Cobain: Montage of Heck (2015); e O Show Não Pode Parar (2002), sobre o lendário produtor da Paramount Pictures Robert Evans; faz com Moonage Daydream. São duas horas e quinze minutos de um mergulho lisérgico e profundo na jornada criativa de David Bowie, um dos artistas mais instigantes, incansáveis e prolíficos que nosso mundo já conheceu.
Como bom capricorniano (com ascendente em aquário, o que explica sua criatividade transbordante rs), Bowie era MUITO exigente com a qualidade de seu trabalho e de qualquer coisa relacionada a ele. Portanto, logo que as negociações para a realização do documentário foram anunciadas, a dúvida que pairava era se finalmente seria “aprovado” pela família (cujo principal porta-voz é o diretor Duncan Jones, que pelo visto ficou responsável pelo legado do pai).
Isso porque houve outras tentativas de projetos audiovisuais que aparentemente seriam sobre sua vida e carreira e que foram rechaçados pelo próprio Bowie, ganhando a chancela de “não-oficiais”, tais como o longa musical Velvet Goldmine (1998), de Todd Haynes, do qual o cantor não quis participar e tampouco cedeu suas músicas para a trilha sonora, o que acabou nos privando de uma cinebiografia “oficial” do camaleão.
Mas isso não impediu que o mundo falasse sobre ele, tal como fez Gabriel Range com Stardust (2020) sobre o qual já falei aqui e que, para mim, foi MUITO CORAJOSO ao mostrar um retrato frágil e intimista do nosso alien favorito, entre outros que não ganharam tanta força.
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Oh you pretty things!
Moonage Daydream não é um documentário daqueles que contam com entrevistas de amigos, parentes ou desafetos sobre o personagem documentado. É totalmente não-linear, um amontoado de imagens aleatórias que provavelmente são relacionadas ou serviram de referência para a produção de Bowie de alguma forma, como filmes de Miliès e Fritz Lang, entremeadas por outras de arquivos pessoais, shows, entrevistas, sessões de fotos, tendo como fio condutor narrações do próprio artista e seu processo criativo.
Aliás, vai se decepcionar quem espera um retrato íntimo de Bowie e detalhes de sua vida particular. O documentário se concentra justamente em tentar desvendar o gênio criativo por trás de seus inúmeros personagens e performances. São notadas no entanto, uma ou outra pincelada de eventos que marcaram a produção de seu trabalho, como a influência de seu meio-irmão Terry, que sofria de esquizofrenia e se suicidou em uma instituição psiquiátrica, além do medo de também carregar em si algum traço do transtorno mental>
Junte a isso a falta de demonstrações de afeto por parte dos pais e como isso o traumatizou na vida adulta, os subúrbios de Brixton onde foi criado, devastados pela II Guerra Mundial… Tudo é abordado muito de leve, mas com o objetivo de mostrar como este caldeirão serviu como material para sua produção artística, sempre disruptiva, sempre provocadora e muito à frente de seu tempo.
Ch-ch-ch- ch changes!
O grande trunfo do documentário é fazer o espectador realmente mergulhar no processo criativo de David Bowie, suas inquietações particulares e inúmeras referências das quais bebia. Artes plásticas, visuais, moda, performances, dança, música, a forma que desenvolveu para criar letras para suas canções, sua postura provocadora da moral e das convenções, as parcerias que fez, suas viagens e as culturas pelas quais foi impactado e no meio a tudo isso, acompanhar visivelmente seu amadurecimento físico, artístico, moral e espiritual, suas mudanças. As vezes em que errou e em que acertou MUITO.
Suas idas e vindas ao fundo do poço e subidas aos píncaros da glória, sua contribuição para diversas formas de arte, os filmes e peças que participou, a exposição de seus quadros, o cansaço da fama e a maturidade.
Moonage Daydream é como cair na toca do coelho, é uma viagem psicodélica por dentro de uma das mentes mais interessantes e questionadoras de nossos tempos, de um homem tão fascinante que foi capaz de fazer as pazes com a própria finitude e transformou sua própria morte em arte. Vale para quem é fã e principalmente para quem quer conhecer ainda mais o processo artístico e a profundidade de sua obra e tentar entender de onde vem todo esse impacto que seu trabalho surtiu e ainda surte na cultura pop.
Dando voz ao próprio homem…
“Acho que um dos maiores erros da humanidade foi não abraçar ao caos como parte de nossa existência.”
“ O futuro pertence àqueles que conseguem antevê-lo.”
“ Eu só queria que minha vida fosse uma aventura incrível. E foi”
Moonage Daydream está em circuito restrito nos cinemas e deve ficar em cartaz até o dia 21 de setembro. Verifique a programação de sua cidade.