Aquelas frases feitas sobre o Rock in Rio…
Não, este NÃO é um publi do Rock in Rio (aliás, ajuda nóis, Seu Medina). Mas um texto que meio que me vejo na obrigação de republicar e atualizar toda vez que rola o festival, pra ajudar a desmistificar algumas bobagens repetidas ad infinitum…
Por THIAGO CARDIM
Hoje, dia 2 de setembro de 2022, temos mais uma edição do Rock in Rio. E aquelas MESMAS afirmações de sempre a respeito do maior e mais importante festival musical do Brasil (goste você ou não – e eu mesmo tenho uma porrada de questões) voltam a aparecer aos montes. É hora dos fãs de rock afiarem as garras e dispararem aquelas mesmas frases manjadas que a gente ouve, pelo menos, desde a edição de 2011, quando Twitter, Facebook e seus congêneres já eram bem comuns (em 2001, sem redes sociais, quem reclamava eram os blogueiros da moda, entrincheirados em seus feudos próprios).
Eu fiz questão de calçar minhas botas, colocar as minhas luvas e enfiar até os cotovelos em terreno pantanoso para discutir algumas destas frases e ver o quanto elas fazem, de fato, algum sentido. Em tempo, antes que alguém levante a lebre, já aviso: não, não tem ninguém pagando a gente para escrever isso. Aliás, não tem ninguém pagando a gente pra escrever NADA aqui no Gibizilla, mas enfim. A questão não era essa. Estou divagando.
Resolvi pegar um texto que escrevi lá pro JUDÃO, em 2014, e atualizar o dito cujo. Agora, são 9 FRASES, e não 8. Mas já digo que ler mais e reclamar um pouco menos já é um bom começo.
Partiu? 🙂
Mas como isso pode ser ROCK in Rio se tem artistas que não são rock?
Então, vamos te contar uma coisa que pode te chocar. Pode mudar a sua vida. PREPARE-SE. Porque lá vai: o Rock in Rio nunca foi apenas um evento de rock. Nunca. Desde a primeira edição, em 1985.
Sabe aquela memorável noite, até hoje cantada como um dos momentos mais destacados da história do rock clássico, quando tivemos Iron Maiden e Queen? Pois é. Quem abriu a noite foram Ney Matogrosso, Erasmo Carlos e o casal Pepeu Gomes e Baby Consuelo (atual Baby do Brasil). Não vou entrar no mérito de tentar te convencer que 1) Erasmo Carlos foi um dos precursores do rock por aqui, ao lado de Roberto Carlos e 2) Pepeu Gomes é tão rock que fez teste para ser guitarrista do Megadeth (é sério). Mas pense em como as sonoridades eram diferentes. No dia do AC/DC e dos Scorpions, quem subiu ao palco primeiro foram Eduardo Dusek e o Kid Abelha. Moraes Moreira abriu os trabalhos na noite de Ozzy Osbourne e Rod Stewart. E Alceu Valença e Elba Ramalho esquentaram o público para o Yes.
A segunda edição do evento, em 1991, não fugiu disso. Tinha Sepultura, Megadeth, Guns ‘n Roses e Faith No More. E também tinha New Kids on The Block, A-Ha, Information Society, George Michael e até a bateria da Mangueira, que tocou com o Lobão. Mistura misturada o bastante pra você?
Eles não deveriam usar o termo “rock” no nome!
O tio explica. Isso pode parecer absurdo para você, jovem leitor do alto de seus 20 e poucos anos de idade, mas em pleno 1985, quando aconteceu o primeiro Rock in Rio, o Brasil estava muito, mas muito longe, de ser considerado parada obrigatória de turnês gringas. Os grandes artistas internacionais, de qualquer que fosse o gênero, passavam longe do nosso país. Aquelas belas apresentações de palcos brilhantes e milionários só estavam acessíveis para nós nas capas de revistas especializadas em música. Salvo raras exceções como Alice Cooper e o próprio Queen, os caras tinham medo de se arriscar. O quê, vou marcar um show no meio da selva e quantos índios vão ter dinheiro pra poder me pagar?
Quando o empresário Roberto Medina, criador do Rock in Rio, idealizou o evento, ele pensou em transformá-lo em uma verdadeira experiência. Um festival monstruoso que reunisse estrelas que a gente só conhecia das rádios em um palco grandioso, explosivo, com a cara dos grandes shows de rock de arena – que, na época, eram um tipo de experiência muito mais ligada aos grupos de rock do que aos artistas pop (que, hoje, dominam esta arte como ninguém).
O resultado? Vamos chamar esta parada de “Rock in Rio”, então. Sejamos honestos: foi um sacada de marketing genial. Os fãs brasileiros de rock, sedentos por um pouco de atenção, comprariam a ideia de qualquer coisa com “rock” no nome. Então, foi isso que o Medina fez. 🙂
Eles deveriam mudar este nome, então!
Sério, gente. De verdade. Parem e pensem só um minuto. O Rock in Rio se tornou mais do que um evento. Se tornou uma franquia. É mais do que alguns dias de shows. É marca de camiseta, chinelo, chiclete, a porra toda. E outra: como marca, trata-se de uma que já dura quase QUARENTA anos.
Em que mundo vocês vivem no qual um empresário pega a principal marca de seus empreendimentos e simplesmente muda por que “ah, não é apenas rock, é rock + pop + blues + sertanejo + jazz + axé”.
Rock in Rio hoje é um simbolismo maior do que “um evento de rock que acontece no Rio”. Isso nos leva imediatamente para a próxima frase…
Mas como isso pode ser Rock in Rio se faz edições em Madri, Lisboa, Las Vegas…?
Esta não é, de fato, das mais fáceis de rebater. Mas a resposta acima já dá a entender um pouco do que pretendo dizer aqui. Quando Medina resolveu migrar o Rock in Rio para outras paisagens, houve quem achasse que ele simplesmente optaria por Rock in Lisboa ou Rock in Madri. Mas ele me veio com aquele batismo macarrônico de Rock in Rio Lisboa, Rock in Rio Madri, Rock in Rio Las Vegas. Claro, eu entendo o lado do empresário, vá. A marca Rock in Rio é maior e mais forte do que um Rock in Lisboa. Talvez as pessoas não ligassem uma coisa à outra – que o padrão de qualidade daquele festival seria o mesmo dos lendários festivais na Cidade Maravilhosa.
O conceito do Medina é um pouco o mesmo que norteia a decisão de batizar a CCXP originalmente de “Comic Con Experience”. O nome fala direto ao coração, mas o que eles estão querendo dizer é que não é a Comic-Con, mas sim a experiência que a cerca, para trazer o clima da Comic-Con pra cá. A Comic-Con original, só em San Diego. Mas aqui você pode ter a experiência, a Comic Con Experience. A ideia é a mesma. Rock in Rio, você sabe, só no Rio de Janeiro. Mas em Madri, você pode ter algo próximo disso, o Rock in Rio Madri.
Medina, se liga, talvez um “Rock in Rio Experience – Lisboa” funcionasse melhor, hein? Se quiser usar, vê se me paga os devidos créditos.
Eles convidam sempre as mesmas bandas…
Tá legal, assim, volta e meia eles metem um Iron Maiden, um Metallica, um Guns ‘n Roses, tudo de novo, como os headliners da vez. São praticamente sócios. Concordo que é mesmo uma bosta. Mas sabe qual é o lance? É que estas bandas continuam enchendo estádios. São sempre a banda principal da noite porque atraem público. E um festival do tamanho do Rock in Rio não vive só de meia-dúzia de fãs fieis. Vive de escala, de magnitude. Um festival como o Rock in Rio, infelizmente, não tem lá muito espaço para arriscar. Precisa falar com a massa. Se quer um line-up um pouco mais ousado e progressista, porra, o Lollapalooza tá aí, inteirinho pra você, use e abuse (se bem que cabe discussão também, mas vou deixar isso pra uma outra ocasião).
Preciso dizer, no entanto, que a organização do Rock in Rio tomou decisões que, de fato, me surpreenderam a partir do surgimento do Palco Sunset. O espaço e suas inesperadas misturas é absolutamente bem-vindo (Sepultura e Zé Ramalho, é tudo que temos a dizer). Pra mim, aliás, o Sunset é, em todos os dias do evento, não apenas nos mais roqueiros, a melhor coisa (BLACK PANTERA + DEVOTOS em 2022, pensa só na coisa linda que é isso?).
Mas mesmo no Palco Mundo, tem espaço pra umas ousadias, vez por outra. Em um dos dias do metal, colocaram os suecos mascarados do Ghost, que estão longe de ser uma unanimidade entre os cabeludos, em pleno palco principal. E isso foi BEM antes do grupo liderado pelo Papa Emeritus virar uma espécie de sensação pop. O mesmo vale para as jovens sensações do Avenged Sevenfold, odiados pelos fãs mais velhos e xiitas, no mesmo dia em que os veteranos britânicos do Iron Maiden. Apesar de seu show acachapante, uau, colocaram Bruce Springsteen como headliner – sendo que sua apresentação solo em São Paulo, por exemplo, esteve aquém do que se esperava em termos de público?
Isso é outra coisa, aliás. Os brasileiros estão entre os povos do mundo que, musicalmente, mais são avessos à experimentações. Poucas vezes saem da zona de conforto para se sentirem provocados, para conhecerem algo novo. Preferem o bom e velho Judas Priest de sempre ao invés de mergulharem na experiência sonora de um Mastodon, de um Opeth, de um Gojira (que tá lá este ano, por falar nisso) – que são tão metal quanto, mas de um jeito que a gente mal ouve. Você ouve sempre a mesma rádio de classic rock e ainda teria coragem de culpar o Medina por investir naquelas mesmas bandas?
Eu não quero ir pagar pra ver umas porcarias brasileiras no mesmo dia daquele astro internacional que eu amo…
Ih, amigão. Num festival do tamanho do Rock in Rio, com inspiração totalmente mainstream, só mesmo sendo maluco para achar que só vai tocar gringo. As bandas brasileiras vendem bem mais que as gringas por aqui, minha gente. É fato. E, por mais que os números não sejam mais os mesmos de outora, estamos diante de um mercado, o musical, ainda bastante ativo e representativo. Na edição de 2001, o grupo O Rappa entrou em desavença com a organização por causa do horário de seu show e das “regalias que os gringos recebiam e a falta de respeito com a qual eram tratados os brasileiros” e liderou um boicote ao evento, apoiado por Skank, Raimundos, Cidade Negra, Charlie Brown Jr. e Jota Quest. Nenhum deles subiu ao palco, forçando o Rock in Rio a encontrar substitutos às pressas.
Esta performance de vendas das estrelas tupiniquins justifica, portanto, que eles me inventem de convidar nomes como Ivete Sangalo e Cláudia Leitte. Porque não tem Miley Cyrus que bata as duas quando o assunto é CD/DVD vendido. E é disso que se trata o Rock in Rio: business. Por isso eles se renderam à Anitta, depois da pressão popular. Por isso tivemos (e teremos de novo) Ludmilla. Por isso teve Sunset reverenciando Elza Soares, teve Iza e Alcione…
E isso tá ligado TAMBÉM com a próxima frase.
Credo, eu é que não vou pra aturar esta mistureba toda
Olha só, meu povo, eis aí a magia da coisa – desde a edição de 2001 que… você não precisa pagar para ver nada que não queira. Ou quase. A organização vem trabalhando com dias fechados em estilos mais ou menos similares. O dia do metal é presença garantida – já chegamos até a ter DOIS dias dedicados exclusivamente ao gênero musical dos filhinhos do Deus Metal.
Tá bom, em 2001 ainda rolou uma escorregada do tipo Carlinhos Brown no dia do Guns ‘n Roses (qualquer um com metade do cérebro sabia que ia dar merda quando ele pediu pra desligar a água). Mas que acham da edição de 2013? Teve um dia mais indie (Muse + Florence and The Machine), o dia das divas dançantes (Beyoncé e Ivetão), o dia do pop (Justin Timberlake)… Tem para todos os gostos. Você escolhe o que você quiser. Ninguém tá te forçando, senhor metaleiro true from hell, a ver a Katy Perry (embora eu, que sou fã de heavy metal, não consiga pensar em uma única razão para não se derreter com um show dela). Compre ingressos para os dias do metal e seja feliz. Simples e fácil.
A não ser, claro, que você seja um fã tradicionalista de Slayer que se recusa a ver o Avenged Sevenfold porque o vocalista faz chapinha no cabelo. Este tipo de conflito entre diferentes gerações, rapaz, não dá pra tentar resolver nem em festivais de nicho.
Uma coisa – se EU fosse o organizador do Rock in Rio, ah, meu filho, ia ter Iron Maiden no mesmo dia da Manu Gavassi SIM e você que lute com os seus preconceitos bestas.
O rock morreu mesmo, né…
Se você diz isso apenas porque Justin Bieber foi convocado para um evento que se chama Rock in Rio, cara, então você está pior do que eu imaginava. Tá pior do que o Gene Simmons, do Kiss, que solta recorrentemente suas frases polêmicas ao afirmar que o gênero tinha sido assassinado pela música digital. Então, darei primeiro a palavra a Dee Snider, um dos meus ídolos pessoais, conhecido por ser o vocalista do Twisted Sister. “Sim, o modelo de rock que ajudou o Kiss (e minha banda também, por acaso) a alcançar fama e fortuna está certamente morto e enterrado, mas o rock está vivo e saudável, prosperando nas mídias sociais, nas ruas, nos clubes e casas de shows ao redor do mundo. E as bandas tocando são ainda mais genuínas e com mais sentimentos, porque estão lá por uma única razão, o amor ao rock. Passe algum tempo vendo e ouvindo estas incríveis novas bandas e seus ferozes fãs e você vai saber que o rock está mais vivo do que nunca. Não é o mesmo que era pelos seus primeiros 50 anos de existência, mas o fogo definitivamente ainda está queimando”.
Se Snider não te convenceu, eu então convoco o Deus do Metal, o todo-poderoso Rob Halford, a voz trovejante do Judas Priest, que também tem algo a dizer: “Eu acho que estamos rodeados constantemente por novos talentos e um novo entusiasmo que surge de novas bandas de todos os tipos, que mantém o rock vivo e bem forte, e eu acho que sempre foi dessa forma. (…) É um mundo diferente agora, claro, em termos da forma que o lado da indústria do negócio funciona. Há uma nova perspectiva comparada ao que tínhamos vinte anos atrás, com o advento da internet, isso criou uma grande mudança nesse sentido. Isso afetou todos de uma grande forma. Então, o que estou dizendo, é o que o rock não está morto. Está vivo, prosperando e totalmente animador”.
Rapazes e raparigas, se estes caras disseram isso, quem sou eu para discordar, não é mesmo? 🙂
Palco não é lugar pra política
AH PRONTO. Vocês que acompanham o Gibizilla, bom, creio que já me conhecem e sabem que sou partidário do lema “tem política EM TUDO”. Tem política no seu gibizinho SIM, assim como naquele filme de ficção científica, na série do Netflix… e no show do seu artista favorito. Ficar em silêncio, num momento como ESTE em que vivemos, também é um ato político. Lembram de toda a discussão sobre as manifestações no palco do Lollapalooza deste ano, com o partido do atual presidente querendo PROIBIR os artistas de dizerem o que pensam? Pois então, estamos em ano eleitoral, a cerca de 1 mês do próximo pleito, é ainda mais natural AINDA esperar que um artista se manifeste. Mas, mesmo que NÃO FOSSE, isso também é mais do que esperado. Rage Agains The Machine e Roger Waters, só para citar dois grandalhões, tão aí pra não nos deixar mentir.
Existe, justamente por se tratar de um ano eleitoral, uma proibição de políticos subirem ao palco, como parte da legislação do TSE. Isso era esperado. Mas, de acordo com a organização do Rock in Rio, não há qualquer orientação, por parte de organização, que proíba qualquer artista de se manifestar. Por mais que Roberta Medina, filha do criador do Rock in Rio e hoje responsável pelas edições Lisboa e Madri, tenha dito, em entrevista pra Veja, que “Política não se faz em festival, e sim com debate”. E ainda completa… “A Cidade do Rock é um lugar de celebração da música, da cultura, da harmonia. (…) Mas em toda edição, seja quem estiver no poder, mandam o presidente tomar no cu”. Bom, em 2022, com ESTE presidente no poder, nada mais natural…
“Está claro o que acontece atualmente no país, né? A extrema-direita radical do poder tem ideologias que ferem muito os artistas. Então, quem gosta de música, é natural se manifestar…”, disse Fernando Badauí, vocalista do CPM 22, ao UOL. “Do mesmo jeito que, em uma democracia, eu tenho de ouvir os argumentos do outro lado, dos apoiadores do atual governo, acho legítimo as pessoas se expressarem como elas querem”. Vale lembrar que o CPM 22 toca no Palco Mundo do Rock in Rio no dia 8, depois do feriado.
Ah, sim. Vale lembrar AINDA que, em 2018, Roberto Medina dirigiu um vídeo de campanha para as redes sociais de Jair Bolsonaro a pedido do empresário carioca Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro. Depois, quis tirar o corpo fora, afirmou que o apoio foi apenas “informal”, que ele estava indeciso para as eleições tal qual grande parte dos brasileiros… “Esse não é mais meu mundo. Não tenho relação nenhuma com a campanha”, afirmou ao BuzzFeed News. Eu converso com todas as pessoas, qualquer presidente que me pedisse conselho eu falaria de Rio, de turismo no Rio de Janeiro, de formas de ajudar o Rio”.
Certo, certo. VEJAMOS. 😉